Entrelaces

Vera Rolim

 

Um dia ele chegou. Lindo, sujinho. Ela o esperava ansiosa.

Ver os dois juntos era um prazer. Muitas vezes os dois pareciam uma unidade, como um passo de balé moderno, dois seres dentro de uma única blusa.

Com o passar do tempo, foram se desgrudando. Ele olha para ela atento e olha também suas próprias mãos com certa curiosidade e estranhamento. Aos poucos, vai vendo-a com nitidez e deslumbramento, separada dele e do resto do mundo. Encanta-se com ela e a quer só para si, apesar de acontecerem raivas e maus-humores dentro do clima afetuoso da relação. Ela sair de perto dele, mesmo por pouco tempo, é um sofrimento para ele e o deixa encafifado.

Ela vive também esse clima mágico de encantamento com ele, de mimos, de cuidados, às vezes de irritações e de muitos aplausos calorosos às conquistas dele. Endeusam-se mutuamente.

Neste clima fascinado e simbiótico, entra o pai com a lei implícita, que posteriormente se torna simbólica: Esta mulher é minha.

Golpeado por esta realidade, o filho fica abatido. Vive seu primeiro amor e sofre a sua primeira desilusão.

Vai se desfazendo a simbiose da dupla com a decepção, o filho se dando conta dolorosamente que a mãe tem também outro interesse que não é só ele, filho, mas também o pai e que, portanto a mãe não é só dele, filho. O que lhe resta? Em um processo saudável como este , o filho vai fazer o caminho da identificação com o pai, pois o pai é aquele que tem as características que atraem o interesse da mãe, então digno de valor. Quero ser como meu pai quando eu crescer , explicita o filho, vivenciando processos intra e inter psíquicos intensos que vão propiciando o início da formação de ideais, das regras e dos valores morais. Psicodramaticamente o filho já é capaz de tomar o papel do outro e representá-lo, como podemos observar nas brincadeiras infantis, a criança propondo aos outros, Agora eu sou o pai e você é o filho ou Eu sou a mãe e você é... num jogo de variados papéis e seus complementares, evidenciando uma atitude lúdica ativa de elaboração das suas questões e que também são os ensaios para a inversão de papéis, que é a etapa mais evoluída do percurso na matriz de identidade emocional moreniana.

Assim vai se esboçando hipoteticamente como o sujeito se constitui num entrelaçamento de visões morenianas, freudianas e lacanianas.

 

 

Janeiro 2008

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Vera Rolim
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