Escrever é preciso

Vera Rolim

 

Viver é muito perigoso, já nos alertava Guimarães Rosa. Escrever é ainda mais perigoso, na medida em que permanece? Que desafio é este, em que penso e me comprometo com as minhas idéias, compartilhando-as com os outros num texto? Posso mudar depois? É como se o processo do pensar, o seu fluxo, ou o seu caminhar sereno ou atravancado, ou o seu mergulhar profundo, ou o seu flutuar, ou o estar aí, fosse interrompido enquanto tradução de uma questão do eu comigo para se metamorfosear em uma faceta do eu com o outro do mundo.

Enquanto penso, o que acontece? Busco escutar uma voz interior? Ou como diz Hannah Arendt, me divido em duas e converso comigo mesmo, voltando a ser uma, quando estabeleço o contato com outra pessoa?

Penso que, para escrever sobre um tema, é fundamental a ligação que você desenvolve com ele, de preferência lá das entranhas ou de algum lugar interno potente para cada um. Quando a escolha comprometida do tema vai se corporificando, como uma gravidez, pede atenção, cuidado e alimentos apropriados. E vamos pelos caminhos da produção ou criação que sempre implicam trabalho, tensão, caos, surpresa, alumbramentos, contradições, movimentos de integração e desintegração, novas integrações e assim por diante, onde podemos chegar a uma configuração criativa textual ou de outra ordem. Oxalá também nos surpreendamos e deparemos, aí com um movimento em espiral do aprimoramento da construção do saber. Poderíamos falar em saber psicodramático ou em saber psicanalítico como possibilidades de saberes, que mesmo tendo cada um, metodologia e teoria próprias e diversas, tanto o psicodrama como a psicanálise confluem para um objetivo comum, que é tratar do desenvolvimento do ser humano como sujeito, inserido ativa e comprometidamente com o mundo, em movimentos de recriá-lo e recriar-se e de encontro com o outro.

Consideramos ainda como ponto convergente entre psicodrama e psicanálise o ato da escrita sobre algum tema destas duas vertentes psicoterápicas, por ambas percorrerem as etapas ou características próprias do processo criativo, citadas acima, até construir-se o texto. Além disto, escrever faz parte do processo de aprendizagem do ser psicodramatista ou do ser psicanalista, do burilamento ou desenvolvimento criativo do papel e consequentemente da construção do conhecimento.

Pensamos que vale a pena a empreitada do escrever e que se parte de algum ponto temático comprometido e se estiver disposto a empenhar-se na trajetória, é possível a viagem do escrever. E por que não?

Navegar na escrita é preciso!

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abril 2008

 

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