Estratégias de ação diante de segredos grupais I

Milene Féo

Faltam poucos minutos para iniciar a sessão. A psicodramatista adentra na sala destinada ao evento programado. Sala cheia. Diante dela, cento e cinqüenta responsáveis pela saúde mental da pequena comunidade pela qual foi contratada, através de seus representantes. Em seus olhos, estampado uma ordem muda: Faça jus à confiança depositada em você, cara estrangeira. Cuide que em “seu” psicodrama ninguém de nossa comunidade seja exposto de forma indevida, pois do contrário, todos perderemos com isso.
Estará mesmo todo aquele público de fato inseguro diante da direção daquela profissional? Não será ela que está a inventar tal realidade? Ora, isto não importa. Aquilo é tão verdade para ela que seus olhos evitam encontrar quaisquer outros. Insegurança que bate, volta e se multiplica, não importando saber de onde provem sua fonte, uma vez que produz um campo emocional pouco propício para o inicio daquele ato socionômico.
Muito mais do que qualquer palavra ou proposta de ação genial, o que aquela profissional precisa, antes de qualquer coisa, é acolher os olhares ali presentes, com sincera tranqüilidade. Tranqüilidade de quem sabe que todos ali, e não só o diretor, são os responsáveis pelo trabalho poder se realizar da melhor forma possível: nem mais nem menos que o possível.
Ainda que ela saiba disso, seus ombros insistem em se manter enrijecidos, como se quisessem carregar a responsabilidade de todos os próximos acontecimentos nas próprias costas. Isto pode se tornar um convite, ainda que silencioso, para aquele grupo estar ali descomprometido com o rumo daquela sessão.
Entre um grupo e um diretor de um trabalho socionômico estabelecem-se comunicações intensivas que transbordam a toda e qualquer palavra e influenciam a construção do acontecimento em percurso. Cabe ao diretor suportar entrar em contato com as sensações que lhe atravessam o corpo e ressoam em forma de fantasias em seu palco interior, por mais díspares, incoerentes e assustadoras que lhe pareçam. E não só entrar em contato, mas acolhê-las sem críticas, dando-lhes continência supra moral. Este é o equipamento mais sofisticado com que ele conta para conduzir sua direção. Por isso, não adiantaria de nada a psicodramatista em questão se apressar em lançar mão de estratégias de intervenção, que fossem as mais brilhantes, sem antes ater-se a mais importante de todas elas: deixar-se ocupar por si mesma, lúcida, o mais possível, de todos os movimentos ressonantes que o estar ali lhe povoava.
Ao se perceber com os ombros quase encostados na orelha, de tanta tensão, a responsável por aquele trabalho ri de si mesma, sem nenhuma ironia e total complacência para consigo mesma. E a platéia responde àquele sorriso, sorrindo com ela, ainda que nem bem soubesse por que exatamente brotara aquele sorriso compartilhado. Seus corpos relaxam, como que degustando o prazer de se saber que gente que é gente só faz o que pode; nada mais, nada menos do que pode. Terão eles degustado isso mesmo? Pouco importa, o fato é que ela, a psicodramatista, já podia dar inicio à sua direção.

Estratégias de ação diante de segredos grupais II será tema de nosso próximo encontro nesta coluna.

 

Aguardo contato.

 

Janeiro 2009

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