Estratégias de ação diante de segredos grupais II

Milene Féo

A psicodramatista responsável por aquela sessão estivera tensa até instantes atrás. Temia não ser capaz de impedir que membros do grupo revelassem a identidade dos envolvidos em situações de abuso sexual, de forma inconseqüente.

Agora ela já estava tranqüila. Recuperara a leveza, própria de quem se sabe apenas um “grão de areia”, ainda que bem intencionado e instrumentado técnica e teoricamente. Recuperara também a potência para viabilizar conexões com outros “grãos” bem intencionados, que provavelmente estavam ali, à sua frente, na platéia, disponíveis a dividir a responsabilidade dos acontecimentos daquele encontro.  

A sessão tem inicio. A psicodramatista convida os presentes a refletir sobre cenas de violência doméstica, ocorridas entre os membros daquela comunidade, esclarecendo que ela não gostaria que as identidades dos envolvidos em tais problemáticas fossem reveladas ali, durante aquela sessão. Se acaso resolvessem por isso, que o fizessem em outro contexto e momento.  Aceitam o convite. Ressalta que, se acaso algum dos presentes viessem a assumir uma postura diferente daquela que ela estava sugerindo, apenas lhe restaria lamentar o ocorrido, deixando clara a responsabilidade de cada um por suas ações realizadas durante a sessão. Os presentes assumem explicitamente seus desejos, interesses e compromisso quanto ao sigilo que envolve o trabalho daquele dia. 

Papéis e canetas da mesma cor são distribuídos para todos os presentes. A diretora daquele ato socionômico solicita que escrevam ali uma situação de violência que tomaram conhecimento, no contexto de seus trabalhos, junto à comunidade que servem e fazem parte. Esclarece que em nenhum relato escrito deve haver qualquer indicação - mínima que seja - que possibilite identificar o nome das pessoas envolvidas naquela trama selecionada, nem tão pouco seus próprios nomes: profissionais da área de saúde mental responsáveis pelo caso descrito.

Para aquecê-los a realizar suas narrativas a psicodramatista sugere que todos imaginem uma grande tela em branco onde estão sendo projetadas várias cenas de violência que cada um ali tem tomado conhecimento no exercício de seus papéis profissionais. A seguir, convida-os a selecionar uma, entre as várias rememoradas: a que consideram a mais urgente e relevante para ser refletida naquele contexto. A seguir, em silêncio e sem olhar para os lados, todos passam a descrever, por escrito, a sua própria cena selecionada.  
Finalizada esta tarefa, o relato de cada um é depositado em uma urna fechada e ali se embaralham. Na seqüência, tais relatos são redistribuídos a todos. Cada um então recebe uma história para ler, sem saber quem a escrevera. Em silêncio, lêem as novas narrativas recebidas e depois passam o texto lido para colegas sentados à sua frente, ao seu lado, mais no fundo da sala, mais na frente; de forma que muitos passam a conhecer muitas das histórias que foram escritas por todos. Realizam a tarefa requisitada em um silêncio absoluto, interrompido tempo depois pela psicodramatista, que os convida a fazerem a seguinte pergunta a si mesmo: Entre as histórias que li, existe alguma que considero relevante e adequada para se tornar o foco de reflexão nesse encontro?

Quatro narrativas, de autores desconhecidos, são candidatadas.


Aguardo contato.

Fevereiro 2009

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