Medicação e Psicoterapia

Mário Costa Carezzato

 

A psiquiatria clínica, como vimos no texto anterior, por seguir um modelo médico positivista, tem como objetivo o restabelecimento de um padrão normal de saúde. Assim, sinais e sintomas, indícios da presença de doença, podem ser o próprio objeto do tratamento médico. Analgésicos para as dores de cabeça e pomadas de corticóide para algumas lesões de pele, sem que seja necessário de fato buscar ou tratar a causa profunda destas alterações, costumeiramente deixam médico e paciente satisfeitos.

Na abordagem psicodinâmica, por outro lado, o normal não é absolutamente equivalente à saúde. Busca-se a saúde através da tentativa de substituir a fixação em padrões de repetição neurótica, através da simbolização, libertando a expressão da subjetividade do sujeito. A saúde situa-se além do normal e os sintomas, muito mais do que obstáculos, são a expressão do conflito a ser abordado. Resulta daí a importância do sintoma para o tratamento psicodinâmico, motivo da posição radical de muitos psicoterapeutas e psicanalistas contra qualquer interferência medicamentosa, a qual levaria, segundo eles, a um esvaziamento da experiência psicoterapêutica.

Mas tempos em que Freud afirmava que os neuróticos, realmente, constituem uma complicação indesejável, um estorvo tanto para a terapêutica como para a jurisprudência e o serviço militar, passaram e hoje, para quem quiser simplesmente alívio sintomático da neurose, existem muitos recursos da terapêutica farmacológica para eles.

A questão que se faz, entretanto, é se há vantagem em se articular as duas formas de tratar, buscando beneficiar àqueles que não se contentam só com o alívio de sintomas, e se há alguma compatibilidade entre as terapêuticas?

Voltando a Freud, já que Moreno nunca se ocupou deste tema, lemos que a maior parte das neuroses que nos ocupam é felizmente de natureza psicogênica e não dá motivo para suspeitas patológicas e no curso de um tratamento analítico sintomas – na maior parte das vezes físicos – poderão surgir, havendo dúvida se devem ser considerados como pertencentes à neurose ou se devem ser relacionados com uma doença orgânica independente que interveio. Freud considerava a psicanálise como o método de tratamento da neurose, distinguindo claramente o psicogênico do orgânico, orientando que avaliação e tratamentos médicos deveriam ocorrer paralelos e simultaneamente à análise, sempre que necessários.  Mas Freud falava em um tempo quando ainda se fatiavam cérebros em busca da doença mental, sem aperceber-se, como podemos ver hoje, que o limite entre o mental e o orgânico muitas vezes é tênue. Sabemos hoje que o mental altera o equilíbrio e até a anatomia cerebral, já que conexões de neurônios podem se formar dependendo da atividade mental exercida. A anatomia topológica cede hoje sua importância à anatomia funcional.

Para quem quiser conhecer melhor a importância da integração anatômico-emocional no funcionamento da mente sugiro o livro “O Erro de Descartes”, do neurocientista português radicado nos Estados Unidos, Antonio Damasio.

É sob esta perspectiva integradora que está o desafio de achar o ponto em que medicar esteja a serviço de facilitar, ao invés de suprimir, o contato com as emoções que promoverão o caminho para a saúde e o incremento da espontaneidade-criativa que buscamos.

Por ora tentarei aqui descrever algumas referências importantes para esse objetivo:

  1. Tratar sintomas que causem sofrimento desnecessário ou que, pela intensidade, estejam prejudicando o processo psicoterapêutico;
  2. Utilizar doses mínimas dos medicamentos adequados;
  3. Esclarecer o motivo e o sentido de medicar, incorporando a medicação como um ego-auxiliar que supre temporariamente uma deficiência no lide com algumas emoções ou sintomas;
  4. Obter a aprovação do paciente para tratar a medicação como aliado em um processo mais amplo do que o alívio sintomático. 
No próximo artigo abordarei mais especificamente algumas situações clínicas que merecem o auxilio farmacológico.

Novembro 2008

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Mário C. Carezzato
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