O que os olhos não podem ver... O coração sente

Anna Maria Knobel

 

Depois de afirmar que é divertido pensar e de conversar comigo mesma surfando no imaginário, hoje adentro um território mais denso: a transmissão entre gerações do que não pôde e não pode ser dito ou representado no espaço relacional.

Tal indizível acaba por se apresentar como mal estar, delírio, comportamentos anti-sociais, atitudes estranhas ao grupo familiar ou doenças psicossomáticas.

Os exemplos mais vivos desse tipo de acontecimento derivam de situações de trauma intenso, depois do qual os protagonistas da tragédia têm que enterrar elementos do ocorrido, para suportar o ataque a sua dignidade, ou até mesmo, o ataque ao humano.

Nas perseguições nazistas alguns judeus negaram sua origem; nos morros do Rio ninguém “vê” ou “reconhece” os traficantes, ou suas práticas; nas famílias abusivas vive-se o pacto do silêncio.

O que disso emerge, geralmente em outras gerações? Netos de judeus perseguidos na Segunda Guerra Mundial assumem o judaísmo em sua ortodoxia mais radical; adolescentes aderem ao tráfico, não só pelos benefícios financeiros, mas por idealizarem a “coragem” dos bandidos; crianças abusadas transformam-se em adultos abusadores.

A identificação com os elementos que foram negados por ultrapassarem os limites do suportável, toma os descendentes das vítimas como tentativa de resgate da vergonha e do submetimento.

Nós psicodramatistas do Sedes temos tido a possibilidade de criar espaços coletivos para a elaboração de algumas dessas histórias de horror social e subjetivo. Sociodramas tematizados, grupos com minorias, atendimentos psicoterápicos de marginais e de vítimas, aparecem como projetos e insights nas Oficinas de escrita científica e nas monografias para obtenção do título de Psicodramatista.

Ao documentarem suas experiências corajosas e engajadas nossos alunos/colegas mostram a força e o empoderamento que o re-viver em grupo, o compartilhamento de dores e de vergonhas e o alargamento da consciência promovem nos participantes.

Tal construção conjunta de novos sentidos, por sua complexidade e sutileza, exige dos profissionais capacidade para articular a arte psicodramática com seu próprio crescimento pessoal e com o contínuo aprofundamento de seus conhecimentos.

Mais do que isso, esse tipo de ação busca inverter as cadeias de transmissão transgeracional, substituindo mandatos existenciais que conduzem a um agir para não pensar em um agir que permite pensar .

Um trânsito fecundo do mal-dito à consciência e ao apaziguamento.

 

Julho 2007

Para comentar a matéria, escreva uma mensagem para:
Anna Maria Knobel
amknobel@gmail.com