Um paradigma para sinergia: o transtorno do pânico

Mário Costa Carezzato

 

A classificação das patologias psiquiátricas sempre se deparou com a diversidade dos conceitos e definições nas diversas escolas. Ao se confrontar trabalhos científicos, frequentemente não se sabia se os critérios utilizados para diagnosticar uma esquizofrenia ou uma psicose, por exemplo, eram os mesmos para os diversos grupos de pesquisa, colocando em risco as conclusões que poderiam ser tomadas.
Num  esforço de uniformizar conceitos, estabeleceu-se, a partir de critérios da saúde pública, oriundos do que se usa denominar Escola de Saint Louis, uma nova classificação baseada em sintomas manifestos e nas suas respostas terapêuticas a alguns grupos de remédios.
Assim, tanto a psiquiatria fenomenológica-existencial e os conceitos psicanalíticos como as “velhas” neuroses, perversões e psicoses deram lugar aos transtornos do DSM IV1.
Foi neste contexto que surgiu o Transtorno do Pânico, o qual embora já descrito anteriormente e denominado por Freud como Neurose de Angustia,  foi divulgado  nos  anos 80 quase como uma nova doença.  Atendendo às novas tendências da nosologia psiquiátrica, o Transtorno do Pânico é definido principalmente a partir dos sintomas físicos, como palpitação, dores torácicas, sensação de asfixia e secundariamente pela sensação eminente de morte, medo de enlouquecer ou perder o controle. Nesta abordagem que restringe o fenômeno a um aglomerado de sintomas, tende a escapar do âmbito da psiquiatria em direção à clínica médica, aonde se confunde com qualquer manifestação de ansiedade, medo e mesmo desconforto psíquico, sendo então ampla e erroneamente diagnosticado.
Enquanto sintomas, o Transtorno do Pânico tem muito boa resposta a dois tipos de medicamentos: os benzodiazepínicos de alta potência e os antidepressivos  inibidores da recaptação da serotonina. Não há, entretanto, qualquer validade científica em afirmar, como se faz frequentemente, que o Transtorno do Pânico se deve a uma “baixa de serotonina cerebral” ou que “alguém tem falta de serotonina”. O que temos é o efeito do aumento de concentração de neurotransmissor na sinapse cerebral levando a uma estabilização das emoções e, por vezes, a uma certa indiferença afetiva, através de um mecanismo ainda não totalmente esclarecido.
Para aqueles, entretanto, que valorizam a subjetividade, o que se passa em um sujeito que porta em seu cérebro os neurônios, sinapses e neurotransmissores e que apresenta os sintomas de Transtorno do Pânico, vai muito além de um simples desequilíbrio químico. Devemos lembrar que para Moreno, no Psicodrama, a ansiedade está ligada à latência na expressão da espontaneidade ainda contida e que não pôde exercer seu papel transformador. Para Freud e Lacan também a angústia está intimamente ligada à expressão dos desejos. Recomendo a quem quiser ler mais sobre a relação entre a espontaneidade-criatividade e o Transtorno do Pânico, um texto que escrevi a respeito e pode ser acessado em “www.febrap.org.br/biblioteca/pdf/Uma_leitura_psic_Sindrome_do_panico.pdf”, uma vez que o espaço aqui não comporta discorrer mais sobre o assunto.
Não obstante medicação e psicoterapia podem atuar sinergicamente quando, através da medicação, conseguimos reduzir a intensidade dos sintomas que chegam frequentemente a causar incapacitação, muitas vezes impedindo a saída de casa, outras não permitindo que o indivíduo fique só ou quando há uma ansiedade de tal grau que impossibilita o aprofundamento da abordagem psicológica, inviabilizando a psicoterapia. O efeito tranqüilizador do medicamento, assim como o asseguramento de que a pessoa está “protegida” das crises agudas, ajudam a enfrentar as emoções e a refletir sobre elas de forma que seria mais difícil sem a medicação.
Um cuidado que deve ser tomado ao se medicar é o de utilizar somente a dose de medicamento necessária para o controle das crises, evitando sempre atingir o estado de indiferença afetivo-emocional a que o remédio pode levar e que seria danoso para o tratamento psicologicamente orientado.
Já para aqueles que gostam de acompanhar um processo psicoterapêutico, é  gratificante observar a intensa transformação pessoal que costuma suceder as crises de pânico, quando as emoções antes dissociadas vão ganhando significado como expressão do sujeito.

Acredito, desta forma,que  encontrar o adequado espaço em que medicação e psicoterapia podem interagir em sinergia faz parte de um desafio maior,de dar novas respostas, fundadas na visão psicodinâmica, a questões da modernidade. E, para encontrar este espaço, como propôs  Moreno, urge ser criativo.

1 Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, da American Psychiatric Association em sua 4ª (e atual) edição.

 

Janeiro 2009

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Mário C. Carezzato
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