O potencial psicodramático dos meios de comunicação
2ª parte

Liana Gottlieb

Conserva Cultural e Indústria Cultural
É Theodor W. Adorno quem diz que “Tudo indica que o termo indústria cultural foi empregado pela primeira vez no livro Dialektik der Aufklärung, que Horkheimer e eu publicamos em 1947, em Amsterdã...Em todos os seus ramos (das artes) fazem-se, mais ou menos segundo um plano, produtos adaptados ao consumo das massas e que em grande medida determinam esse consumo...A indústria cultural é a integração deliberada, a partir do alto, de seus consumidores...O efeito de conjunto da indústria cultural é o de uma antidesmistificação, ..., nela, a desmistificação, a saber a dominação técnica progressiva, se transforma em engodo das massas, isto é, em meios de tolher a sua consciência. Ela impede a formação de indivíduos autônomos, independentes, capazes de julgar e de decidir conscientemente”. (16)
            Segundo Teixeira Coelho (17), “a indústria cultural, os meios de comunicação de massa e a cultura de massa surgem como funções do fenômeno da industrialização. É esta, através das alterações que produz no modo de produção e na forma do trabalho humano, que determina um tipo particular de indústria (a cultural) e de cultura (a de massa), implantando numa e noutra os mesmos princípios em vigor na produção econômica em geral: o uso crescente da máquina e a submissão do ritmo humano de trabalho ao ritmo da máquina; a exploração do trabalhador; a divisão do trabalho. Estes são alguns dos traços marcantes da sociedade capitalista liberal, onde é nítida a oposição de classes e em cujo interior começa a surgir a cultura de massa. Dois desses traços merecem uma atenção especial: a reificação (ou transformação em coisa: a coisificação) e a alienação”.
            Moreno afirmava (18) já em 1923, que a maior, mais longa, mais difícil e mais singular das guerras empreendidas pelo homem durante sua trajetória faz soar seu chamado. Não tem precedente nem paralelo na história do universo...É uma guerra do homem contra fantasmas, os fantasmas a que, não sem razão, se chamou os maiores construtores de conforto e civilização. São eles a máquina, a conserva cultural, o robô...O problema de refazer o próprio homem e não só o seu meio ambiente tornar-se-á cada vez mais o problema fundamental, quanto mais as forças técnicas avançarem com êxito na realização da máquina, da conserva cultural e do robô...a situação final do homem e a sua sobrevivência podem ser nitidamente visualizadas, pelo menos de um modo teórico.
            O momento é a abertura pela qual o homem passará em seu caminho. Para Moreno essa guerra contra os fantasmas exige ação. É a Revolução Criadora, e um dos métodos mais promissores, voltados a resolver a inquietação social e mental de que padecem as massas humanas, e que possibilitará a catarse, é o método psicodramático.
            Fonseca lembra (19) que o Psicodrama é diálogo vivo e a teoria moreniana é basicamente dialógica. No cenário psicodramático tudo é atual. O passado é presente. O futuro também o é. O cenário psicodramático é sempre a perspectiva de um mundo novo, de um momento novo não vivido na vida do passado. Não importa somente a revelação da vivência passada, importa mais o presente. A vivência do momento atual é um convite a uma comunicação humana transformadora; é a tentativa de desintelectualizar o ser humano para um contato mais verdadeiro, mais emocional, mais pessoal - o encontro. Moreno faz a apologia de uma comunicação perfeita através da inversão de papéis (EU-TU; TU-EU), na busca de um Encontro. 
            Temos assistido a algumas iniciativas dos “donos” da indústria cultural, especificamente da televisão comercial, na busca da interatividade. Este é o viés comercial da atual Teoria da Recepção em Comunicação. Aliás, profundamente mal compreendido, pois mesmo essa pretensa interatividade continua sendo um reflexo do foco no emissor de informações. É o emissor quem escolhe as possíveis opções que serão oferecidas ao receptor.
            Confirma-se, cada vez mais, em nossos pretensos Meios de Comunicação, a Difusão de Informações, e não o Processo de Comunicação.

O Potencial Psicodramático dos Meios de Comunicação – que já vem sendo explorado por Psicodramatistas
Para a teoria psicodramática todo o papel tem duas faces, uma pessoal e uma coletiva. Os papéis psicodramáticos representam idéias e experiências individuais. Os papéis sociodramáticos representam idéias e experiências coletivas. (20)
            Moreno ressalta, entretanto, que essas duas formas de desempenhar papéis nunca podem ser verdadeiramente separadas. No caso de um psicodrama sobre o papel de mãe e de esposa, os espectadores são afetados, ao mesmo tempo, por dois fenômenos: a relação mãe-filho, como um problema pessoal (da mãe ou do filho), e a relação mãe-filho como um padrão ideal de conduta. O psicodrama, então, é um método de ação profunda, que lida com as relações interpessoais e as ideologias particulares. O sociodrama é um método de ação produnda que trata das relações intergrupais e das ideologias coletivas. (21)
            O sociodrama baseia-se no pressuposto tácito de que o grupo formado pelo público já está organizado pelos papéis sociais e culturais de que, em certo grau, todos os portadores da cultura compartilham. (22)
            Segundo Moreno, cada cultura impõe um certo leque de papéis aos seus membros. Mesmo que certas culturas se inter-relacionem, por existirem no mesmo espaço físico, podem surgir (e surgem) conflitos oriundos das diferentes imagens mentais dos inúmeros papéis de cada cultura. Pode ocorrer também (como ocorre),  que uma dada cultura não tem ao todo imagens (ou se as têm são muito distorcidas) de certos papéis representativos de outra cultura. Este dilema poderia ser superado pela inversão da interpretação de papéis, na medida em que todos os papéis existentes na cultura A também existem na cultura B e vice-versa. (23)
            Quanto ao caso, por exemplo, de um mesmo papel ter um valor exatamente oposto em duas culturas, o que contribui para a ocorrência de tensões que não poderão ser aliviadas por instrumentos como a observação e a análise, tornam-se necessários, na visão de Moreno, os métodos de ação profunda. No caso do sociodrama é possível tanto “explorar como tratar”, simultaneamente, os conflitos que surgiram entre duas ordens culturais distintas e, ao mesmo tempo, pela mesma ação, empreender a mudança de atitude dos membros de uma cultura a respeito dos membros da outra. Com a utilização do rádio e da TV (e hoje, seguramente, ele acrescentaria a utilização da INTERNET e outros recursos tecnológicos disponíveis) é possível alcançar inúmeros grupos locais em que os conflitos e as tensões interculturais estão latentes ou nas fases iniciais da guerra aberta. (24)
            O Jornal Vivo (ou jornal dramatizado), técnica criada por Moreno no início dos anos 20, não é somente teatral, mas, acima de tudo, sociodramática. “Mesmo que um jornal impresso traga reportagens,..., a descrição dos acontecimentos é feita em palavras. Mas num jornal vivo o evento tinha que ser dramatizado de acordo com as características culturais da localidade. Os papéis e o contexto tinham que ser retratados para adquirir significado, nos gestos, movimentos e todas as formas de interação características de um particular contexto cultural”. (25)
            Moreno procurava sempre deixar clara a diferença entre seus métodos e o teatro, e lembrava que “o teatro era apenas uma das muitas formas que a idéia de drama podia adotar, assim como a igreja era uma das muitas formas que a idéia universal de religião podia assumir”. (26)
            A relação tranquila, íntima e criativa de Moreno com os Meios de Comunicação começou a existir praticamente ao mesmo tempo em que ele começou o seu trabalho, e tanto as sessões psicodramáticas quanto as sociodramáticas eram rotineiramente registradas (e depois repetidas) através de estenogramas, fotografias, filmes, gravações, etc. Ele argumentava que embora desta maneira (com os registros), retornava à conserva, isso, agora, ocorria numa função subordinada, secundária da função da espontaneidade e da criatividade. (27)
            Há que se distinguir, pelo menos, entre quatro possibilidades de relacionamento da teoria e métodos psicodramáticos com os recursos comunicacionais e com os meios de comunicação social, que já vêm acontecendo na prática de vários psicodramatistas.
            A primeira possibilidade consiste em utilizar os recursos comunicacionais como auxílio na prática psicodramática - por exemplo, as gravações em áudio e vídeo de sessões psicodramáticas e sociodramáticas.
            A segunda possibilidade consiste em utilizar os meios como mediação entre os protagonistas de sessões de psicodrama, os grupos em diversas situações, em educação, em treinamento, e temas ou fatos de difícil abordagem, lembrando também do seu uso como objeto intermediário.
            A terceira possibilidade consiste em focá-los como temas a serem estudados, através das leituras psico-sociodramáticas teóricas e práticas. Não podemos nos esquecer que a Comunicação é um problema e, como ocorre com outros fenômenos comuns a todas as pessoas, elas têm dificuldade de encará-la como um problema e fogem do seu estudo.
            A quarta possibilidade consiste em se combinar as três possibilidades arroladas acima.

Notas Bibliográficas
(16) ADORNO, Theodor W., A indústria cultural, in: COHN, Gabriel (org.) Comunicação e indústria cultural. 5.ed. São Paulo:T.A . Queiroz, 1987, pp. 287-295.
(17) TEIXEIRA COELHO, José. O que é indústria cultural. 9.ed. São Paulo: Brasiliense, 1987, pp. 10-1.
(18) MORENO, op. cit., p.94.
(19) FONSECA FILHO, op. cit., p. 7.
(20) MORENO, op. cit., p. 411.
(21) Idem, ibidem.
(22) Idem, p. 413.
(23) Idem, p. 414.
(24) Idem, p. 415.
(25) Idem, p. 416.
(26) Idem, p. 418.
(27) Idem, p. 421.

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Agosto 2009

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