Proposta de relação do recém nascido: mágica espetacular

Silvia Petrilli

 

Você já reparou como as crianças são interessantes?

Não são “anjinhos” sempre, são também equivalentes ao protótipo do diabólico, do selvagem, da matéria bruta, não lapidada, e ainda assim, são muito interessantes. São, exatamente por isto, encantadoras.

Quando recém nascida, a criança é tão dependente que pode deixar constrangidos os seus cuidadores, principalmente os de “primeira viagem”, que não sabem logo de cara distinguir os significados dos choros e choramingos de desconforto e dor, e nem sobre a capacidade (dela e suas) de tolerar a espera e de “fazer mágica”. Mágica, sim, pois ao ser absolutamente dependente e impotente, ainda assim, se tudo corre bem, a criança se sente maravilhosamente onipotente. Isto acontece pela “proposta de relação” que a criança lança à pessoa que exerce a função materna. É ação da mente da criança sobre a função materna, portanto um fenômeno de caráter relacional, que funciona mais ou menos assim: eu, criança, não posso admitir e me perceber impotente, pois isto seria uma verdadeira catástrofe, uma vez que eu me confrontaria com a realidade de minha falta de potência. Então, faço uma mágica, eu “puxo” essa pessoa (no papel de mãe) que é minha extensão, meu ego-auxiliar, para um acordo vincular, ou seja, para fazer comigo o máximo de “télica” complementaridade ? “já que você (criança) não pode nada, eu (mãe) posso tudo”.

E claro, isto só será possível se houver uma pessoa (a que exerce a função materna) especialmente amorosa, que aceite esta proposta com boa vontade, e faça com que o seu bebê se sinta amado e aconchegado. Pessoa suficiente madura para fazer voltar à pequena boca a chupeta cada vez que cai, o chocalho à mão cada vez que fica fora do alcance, sem reivindicar para si os créditos de cada um desses atos, entendidos, pela criança, como criados por ela própria. Alguém, enfim, que não brigue pelos direitos autorais dos atos de cada momento, oferecendo à criança a oportunidade de sentir-se ator criador.

 

OBS: O leitor psi atento encontrará nestas poucas linhas: Moreno, Melanie Klein, Freud, di Loreto, Winnicott, além da Silvia, evidentemente.

Junho 2007

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Silvia Petrilli
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