O vício do sofrimento nas relações amorosas

Dirce Fátima Vieira

 

Quando o vício de sofrimento está camuflado nas relações amorosas. Falaremos desta vez sobre uma das facetas deste vínculo.

Fruto do amor romântico, o amor idealizado, ainda faz parte do nosso imaginário coletivo. Existe a promessa do encontro da alma gêmea trazendo junto a segurança, a estabilidade e o preenchimento eterno da solidão e da carência afetiva. Sem falar é claro, felizes para sempre!

Sabemos que no nosso processo de amadurecimento afetivo-emocional, partimos de uma total dependência, quando bebês e vamos ao longo de nossas vidas nos diferenciando  – através das relações afetivas importantes -  até conseguir  sermos autônomos e cônscios de nossa responsabilidade social.

Este processo, muitas vezes é abortado pelo mito do amor romântico. Este paradigma impõe relações cristalizadas, verticais, onde existe um provedor  e um dependente. Neste modelo onde duas metades formam um, fatalmente há um empobrecimento no potencial do vínculo e dos cônjuges.  O provedor cumpre a sua parte mas também se outorga o poder de cobrar o que está inscrito no seu script do que é uma relação amorosa. O dependente aos poucos vai se anulando, cumprindo o que nomeia como expectativa do outro e abrindo mão de sua vontade. Os desencontros iniciam-se. A atração que instigava a co-construção de um vínculo amoroso é substituída por uma desvitalização da relação.  Na realidade ambos a médio ou longo prazo estarão insatisfeitos, mobilizando assim modelos relacionais disfuncionais.

Carentes, muitas vezes distantes de nós mesmos, voltamos para modelos de relacionamentos cristalizados ao longo da vida, apesar de disfuncionais, temos uma construção de sentidos e significados, por isso mesmo nos sentimos seguros apesar de contraditórios. E como numa aceleração de tempo e espaço colocamos o outro no papel de mãe ou de pai, que deve sempre estar a serviço de nos satisfazer, de preferência urgentemente. Assim nos posicionamos no centro do universo e desejosos de todo o afeto que não tivemos, traduzimos o limite ou a negação do outro em  desamor. Repetimos com isto relações insatisfatórias e contraditórias à nossa evolução.

Este processo que acontece  de forma não consciente e  com frequência transforma uma relação amorosa de crescimento em um de vínculo patológico, poderá  ser  fonte de adubo para o viciado se retroalimentar no  sofrimento.

Refletir sobre o contrato amoroso, que foi criado pelas expectativas ditas por ambos e sobre os pactos – expectativas não ditas verbalmente, mas que estão implícitas – mostrará se neste vínculo existem duas pessoas distintas ou a anulação de um dos pares. A partir daí dar novos sentidos a esta vivência e reformular novos acordos amorosos, condizentes com o momento  de ambos, possibilitará construir relações  afetivas com maior  intimidade e mais duradouras.

Um quesito fundamental para viver este processo é antes de tudo o indivíduo estar cônscio de seu vício de sofrer, pois poderá aproveitar esta nova fase da relação amorosa e desta experiência desconstruir crenças ou inverdades, que mantinham o vício,  dando novos sentidos e  resignificando-as. Agora se co-responsabilizando pela relação amorosa, horizontal, construindo assim uma historia nova onde ambos busquem sua alteridade.

 

Abril 2009

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Dirce Fátima Vieira
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