Sobre rituais de morte e saudade

Rosane Rodrigues

 

Fui recentemente a uma missa de sétimo dia e enquanto divagava sobre como o padre não se esforçava nem um pouco para dar voz àquele seu rebanho ou aproveitar a presença daquelas pessoas para alguma reflexão sobre algo relacionado a perdas e morte, acabei despencando em uma idéia recorrente: Como seria um condizente ritual de separação de um psicodramatista? Se algum colega querido se for e eu estiver bem triste o que me confortaria? Como eu própria gostaria do ritual de minha morte? Neste ponto sou sempre interrompida por uma linda poesia de Fernando Pessoa, que diz: Se quiserem rezar latim sobre o meu caixão. Se quiserem dançar e cantar a roda dele... não tenho preferências para quando já não puder ter preferências...Se quiserem escrever minha biografia, não há nada mais simples. Há somente duas datas, a da minha nascença e a da minha morte. Entre uma e outra cousa todos os dias são meus. Confortada pelo descontrole do meu ritual de morte e a liberdade que isto implica, volto então para o meu dilema “gravíssimo” e do qual minha imaginação urge por uma resposta: os colegas psicodramatistas e a elaboração da minha dor de perdê-los.

Lembro-me então do que senti na missa do ex-professor e colega D'Alessandro. E outro padre, outra igreja, e o pensamento foi o mesmo. Será que algum colega vai criar um Requiendrama ou um Teatro de Reprise sobre as cenas significativas para cada um dos presentes com aquela pessoa que se vai? Aí neste ponto eu me lembro do encontro que nós do extinto Grupo Reprise organizamos quando o saudoso amigo Arnaldo Liberman se foi... prematuramente. Foi tão forte e tão importante para nós do grupo prestar esta homenagem e chorar e rir com sua alegria, competência, sagacidade... Recordo uma missa que não era de um psicodramatista, mas de um amigo do teatro: Carlos Alberto Soffredini em que o padre deixou que sua filha falasse e deu voz e passagem para a dor de quem conviveu com sua criatividade transbordante. Aí abro o pensamento para recordações de rabinos, pastores, monges, gurus ou simplesmente um amigo que fala por nós ou nos conduz a elaborar nossa dor e não fica alheio fazendo com que os tristonhos sobreviventes sintam-se loucos, esquizóides! Ai que saudade dos meus mortos que vez por outra ressuscitam dentro de mim, completamente vivos! Acho que gostaria de uma cadeira vazia em que cada um pudesse falar do seu ponto de vista: amigo, filho, mãe e que este pudesse referendar o ritual mais coerente.

- Não... não vou dar “oferenda” para seu templo, que nem quis celebrar a presença- ausente dos meus mortos.

 

Setembro 2007

 

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Rosane Rodrigues
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