RESENHA

Psicossomática Psicanalítica: o Encontro entre o Biológico e o Erógeno


Psychoanalytic psychosomatics: the meeting between biological and erogen
Denise Arisa dos Santos Dias
Departamento de Psicossomática Psicanalítica do Instituto Sedes Sapientiae
Fabio Amadelli
Departamento de Psicossomática Psicanalítica do Instituto Sedes Sapientiae
Lais Sousa Pires
Departamento de Psicossomática Psicanalítica do Instituto Sedes Sapientiae


Resenha do livro: VOLICH, Rubens M. Psicossomática: de Hipócrates à Psicanálise. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2010.

 

Esta obra do psicanalista Rubens Marcelo Volich teve sua primeira publicação no ano 2000, pela Casa do Psicólogo. Nessa primeira edição, o livro era composto por cinco capítulos; em sua sétima edição, publicada em 2010, alguns capítulos foram expandidos e dois capítulos novos foram acrescentados.

Ao entrar em contato com esta obra, são visíveis a apropriação teórica e clínica do autor e seu empenho em transmitir, em uma linguagem simples e poética, os conhecimentos adquiridos sobre a psicossomática ao longo da história. Volich confirma a importância da psicossomática e da escuta do corpo na realidade clínica contemporânea, cuja sintomatologia extrapola os limites do verbal.

O autor dedica o primeiro capítulo à perspectiva histórica da psicossomática, destacando pontos importantes sobre as mudanças na concepção da existência humana e do adoecimento em diferentes épocas. Ele aponta que, na Antiguidade, por exemplo, o adoecimento pertencia ao sobrenatural, e as formas de tratamento e cura eram relacionadas a rituais religiosos. Com o decorrer do tempo, ocorre a evolução da ciência, ou seja, muda-se a forma de lidar com as patologias, incluindo os avanços tecnológicos, que facilitam diagnósticos e prognósticos.

Destaca-se Hipócrates, pois suas teorias foram essenciais para fundar a medicina moderna, a qual trouxe a ideia de um corpo não mais fragmentado, em cuja funcionalidade o psiquismo exerce uma importante posição. Posteriormente, outras correntes e pensadores também se interessaram pela relação entre corpo e alma e, então, perceberam que as questões subjetivas se relacionavam com o adoecimento. Dessa maneira, todos esses avanços foram primordiais para chegarmos à psicossomática, que busca entender o indivíduo por meio da interação entre manifestações psíquicas e somáticas, levando em conta os aspectos biopsicossociais do ser humano.

O segundo capítulo trata do percurso construído por Freud da Medicina à Psicanálise, marcando a evolução e a construção de novas concepções acerca da relação entre o corpo e o psiquismo. Suas observações clínicas a respeito das paralisias e anestesias histéricas lhe permitiram chegar à hipótese de que elas não correspondiam às marcas anatômicas do corpo biológico, e assim risca os primeiros traços de um corpo imaginário e a função da sexualidade em sua estruturação.

Nessa perspectiva, Volich ressalta a importância das dimensões tópica e econômica do aparelho psíquico e suas funções reguladoras das excitações no corpo. Aponta para conflitos entre instâncias psíquicas, necessidades fisiológicas, desejos, sexualidade e realidade enquanto bases constituintes do aparelho psíquico, incluindo defesas e sintomas, determinando o bem-estar ou o adoecimento psíquico e somático. O trauma, por sua vez, é caracterizado por um excesso de excitação, e não se define apenas pelo evento em si, mas sim por uma combinação entre o evento e os recursos da pessoa.

Em "Correntes modernas da psicossomática", Volich demonstra autores que ampliaram os estudos para além da neurose clássica, pois perceberam as diferenças apresentadas nos sintomas orgânicos, estando mais próximos da neurose atual conceituada por Freud. Dentre esses autores, destaca Ferenczi, que correlacionou o pensamento à motricidade, distinguindo personalidades do tipo "motor" e suas questões de descarga de excitação diante da impossibilidade fantasmática. Além disso, criou o termo "neurose de órgão", resgatado posteriormente por Franz Alexander, da Escola de Psicossomática de Chicago.

Nessa escola, foram desenvolvidos conceitos relacionando as estruturas de personalidade aos tipos de doença. Ao final desse capítulo, o autor traz ainda a ideia de psiconeuroimunologia como importante contribuição, a partir dos anos 1940, para compreendermos a relação dos estados depressivos com as doenças orgânicas, e como esses estudos abriram o caminho para as descobertas da biologia molecular, nos dias atuais.

            Ao longo de todo o livro, o autor dialoga com a psicanálise e a coloca como respaldo teórico e clínico para a psicossomática, e especialmente no quarto capítulo faz uma articulação mais profunda entre ambas. Afirma que foi a partir da metapsicologia freudiana que Marty e seus colaboradores do Instituto de Psicossomática de Paris elaboraram sua teoria, com o objetivo de "compreender a função do aparelho psíquico e de suas funções como reguladores do funcionamento psicossomático, e em particular, dos destinos das excitações no organismo" (p. 146).

            O desenvolvimento humano ocorre progressivamente e depende da função materna, que realiza a para-excitação, ajudando o bebê a organizar-se diante dos estímulos internos e externos. É a partir dessas experiências que ocorre a passagem do corpo biológico para o corpo erógeno, constituindo a vida psíquica. Assim, Volich aponta que, se houve falhas importantes nas relações iniciais, a construção da mentalização será prejudicada, podendo interferir no equilíbrio do funcionamento psicossomático, utilizando-se de vias mais primárias, como a somática e a motora.

Para finalizar esse capítulo, o autor deixa bem claro que nada é estático e imutável, pois uma pessoa, ainda que a princípio apresente uma boa mentalização, pode adoecer em algum momento da vida e mudar em função da psicoterapia ou mesmo de situações da vida.

No quinto capítulo, Volich apresenta uma discussão relevante sobre "a dor, a angústia e o sofrimento". No início de seu texto, apresenta autores que buscaram diferenciar conceitualmente a dor, seja ela física ou moral, do sofrimento. No entanto, em síntese, afirma que, para ele, essa distinção é impossível, pois limita a forma como compreendemos o sofrimento do sujeito, sendo necessário entender a natureza e a função das dinâmicas relacionadas à dor e ao sofrimento considerando tanto aspectos metapsicológicos como psicossomáticos.

Temos uma grande variedade de exemplos de manifestações psicossomáticas que podem apontar para diferentes modalidades de expressão de angústias, de acordo com a possibilidade de organização psíquica construída até o momento. Pierre Marty nos convoca a pensar sobre a depressão essencial, estado característico de fases do desenvolvimento mais primitivas, em que um funcionamento operatório se torna uma espécie de defesa contra uma angústia que nem é possível reconhecer. Por fim, Volich destaca aspectos fundamentais dos fenômenos relacionais, já que o sofrimento do paciente pode atingir o terapeuta em suas capacidades de escuta e representação, paralisando o exercício profissional e o mantendo ocupado em lidar com seu próprio sofrimento e desamparo.

No capítulo seis, o autor levanta algumas questões sobre os desafios do cuidar frente ao desamparo mais primitivo do ser humano, no qual paciente e terapeuta tentam conhecer e compreender o que muitas vezes é incomunicável e incompreensível. Em pacientes com recursos representativos limitados se faz necessário que o terapeuta exerça a função materna, para propiciar a ele os recursos que permitam a possibilidade de pensar e elaborar seu sofrimento.

Com base nas experiências transferenciais, terapeuta e paciente podem então viver a angústia, a dor, os medos, constituindo um eixo em torno do qual se desenvolve o processo analítico. Dessa forma, torna-se possível para o terapeuta compreender o sofrimento do paciente e promover o desenvolvimento dos recursos mais evoluídos de comunicação, podendo "ser outro, para o outro ser" (p. 334).

No último capítulo, Volich nos mostra a importância de compreendermos a necessidade da transformação do "enquadre" para o tratamento de pacientes que apresentam grandes fragilidades em sua organização psíquica ou que vivem momentos de desorganização de sua economia psicossomática. A fim de propiciar um verdadeiro encontro entre o paciente e o psicanalista, as modificações do enquadre buscam encontrar um ambiente de continência no processo psicanalítico ou psicoterapêutico para que, depois de estancado o movimento de desorganização, sejam compreendidas e transformadas em manifestações que ameacem menos a saúde do sujeito. Dessa forma, é possível promover a evolução e o enriquecimento de recursos psíquicos e representativos, enfim, a estruturação do paciente.

            O livro pode ser considerado um guia que mapeia, com muita profundidade e consistência, a produção da psicossomática ao longo da história, mostrando a posição que o corpo, para além do soma, foi ocupando nos diversos discursos e saberes. Trata-se de um resgate fundamental para pensar e analisar como o corpo e suas distorções se apresentam na clínica psicanalítica atual.
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ano - Nº 1 - 2019
publicação: 15-10-2019
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Autor(es)
• Denise Arisa dos Santos Dias
Psicóloga, psicanalista, membro fundadora do Departamento de Psicossomática Psicanalítica, membro do Departamento de Psicanálise com Crianças, ambos do Instituto Sedes Sapientiae. Especialista em Psicologia Clínica pelo Conselho Regional de Psicologia. Especialista em Psicossomática Psicanalíticae em Psicanálise com Crianças, ambos pelo Instituto Sedes Sapientiae. Atua na intervenção precoce na relação pais/bebês.
E-mail: denisearisa@uol.com.br

• Fabio Amadelli
Psicólogo, membro do Departamento de Psicossomática Psicanalítica do Instituto Sedes Sapientiae. Especialista em Psicologia Clínica pelo Conselho Regional de Psicologia;especialista em Psicossomática pelo Instituto Sedes Sapientiae.
E-mail: amadellipsi@yahoo.com.br

• Lais Sousa Pires
Psicóloga, membro do Departamento de Psicossomática Psicanalítica do Instituto Sedes Sapientiae. Especialista em Psicologia Clínica pelo Conselho Regional de Psicologia;especialista em Psicossomática pelo Instituto Sedes Sapientiae. Psicanalista em formação pelo Instituto Sedes Sapientiae.
E-mail: la.sousapsi@gmail.com


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