ARTIGOS

Sobre a relação de objeto alérgica: Zelig e Heikyong

Marilia Aisenstein

RESUMO
A “relação objetal alérgica” descrita por Pierre Marty, em 1958, é revista e rediscutida à luz de textos históricos e de Zelig, um filme de Woody Allen. Na sequência, é apresentado o relato clínico de uma paciente não alérgica, cujo funcionamento psíquico se aproxima dos estados-limite ou da psicosebranca, com relações objetais tipicamente “alérgicas”.

Palavras-chave: Relação objetal alérgica, Narcisismo, Psicose branca, Identificação histérica, Identificação projetiva.

ABSTRACT
The "allergic object relationship" described by Pierre Marty in 1958 is reviewed and re-discussed in the light of historical texts and Zelig, a film by Woody Allen. Following, the clinical report of a non-allergic patient is presented, whose psychic functioning is close to the limit states or white psychosis, with object relations typically “allergic”.

Keywords: Allergic object relationship, Narcissism, White psychosis, Hysterical identification, Projective identification.


Eu certamente não falarei das alergias (reação anormal do sistema imunitário contra substâncias estranhas ao organismo), mas daquilo que Pierre Marty nomeou como "relação objetal alérgica" ou "relação de objeto alérgica" (MARTY, 1958).

O termo "alérgico" deve ser tomado aqui mais como uma metáfora, pois não se sobrepõe às alergias da medicina. Além disso, nem todo alérgico apresenta tal relação de objeto, a qual encontramos, em contrapartida, em inúmeros sujeitos que não são afetados por alergias: em doentes somáticos (os que sofrem de cefaleia, por exemplo) ou em estados-limite.

Para isso, começarei falando de Woody Allen, por quem tenho uma imensa admiração. A meu ver, seus filmes promoveram a psicanálise mais que todas as conferências de divulgação da Associação Psicanalítica Internacional.

Vou me deter no filme Zelig, de 1983, cujo roteiro narra a história de um homem jovem na próspera América dos anos 1930.

Os dois atores principais do filme são o próprio Woody Allen e Mia Farrow, no papel de Eudora Fletcher, jovem psiquiatra apaixonada pelo estudo de Freud.

Leonard Zelig é um jovem judeu nascido em Nova York, filho de pais Ashkenazi, recentemente emigrados do leste europeu.

O pequeno Leo luta contra o antissemitismo dos subúrbios pobres e as surras que recebe dos pais esgotados, que buscam apenas sobreviver em um ambiente hostil. Ele apanha na escola e é espancado em casa, onde escuta repetidamente que não seria o "bode expiatório" da escola caso se comportasse como um pequeno americano.

Como jovem adulto, nós o vemos em circunstâncias bastante diversas: ora como um elegante herdeiro da aristocracia de Boston, falando o inglês refinado de Cambridge e sendo recebido em festas sofisticadas, ora em um estilo mais popular, utilizando o linguajar dos bandidos em algum lugar do submundo.

O filme é notável, pois não conta uma história linear. Ele é constituído de flashbacks, de idas e vindas no tempo, de entrevistas com celebridades que conheceram Zelig: Bruno Bettelheim, Susan Sontag, entre outros.

Personagem intrigante, Leonard Zelig passa a ser procurado pela polícia nova-iorquina em um determinado momento, pois foi dado como desaparecido pela proprietária do local onde morava, para quem devia dinheiro.

Muito tempo depois, Zelig é encontrado trabalhando como garçom em um restaurante em Chinatown, tendo se tornado "asiático".

Ele é finalmente reconhecido, porém seus olhos estão amendoados e suas maçãs do rosto estão mais salientes: a polícia encontrou um Zelig chinês.

O fenômeno intriga, é mediatizado, e Zelig é enviado a um serviço psiquiátrico universitário de renome.

Lá, ele é submetido a uma série de testes variados, somáticos e psicológicos. Organizam um encontro com duas pessoas obesas. Zelig incha diante dos olhares de um grupo de psiquiatras espantados. Quando colocado na presença de anoréxicos, ele perde 20 quilos.

Em resumo, o caso de Zelig coloca um problema para o establishment da psiquiatria americana. A imprensa se envolve, e o caso aparece na primeira página dos jornais.

As maiores sumidades da psiquiatria fazem coletivas de imprensa sobre o fenômeno. O professor X afirma que Leonard Zelig sofre de um tumor no cérebro. Segundo ele, os dias de Zelig estão contados. Mas é o próprio professor X que, pouco tempo depois, morre brutalmente de um aneurisma. O professor Y, por sua vez, afirma que se trata de uma patologia estritamente mental: "É certamente um caso de esquizofrenia", diz ele. Algumas semanas depois, ele próprio apresenta uma reação delirante aguda e tem de interromper sua prática.

Subitamente, o pobre Zelig passa do estado de "caso apaixonante" ao de "quebra-cabeça", do qual é preferível se livrar.

Querem dispensá-lo do renomado Hospital Universitário, mas a doutora Eudora Fletcher se interessa por ele.

Lutando bravamente contra seus colegas e superiores hierárquicos, a jovem psiquiatra acaba conseguindo a permissão para prosseguir com o tratamento. Com ela, Zelig se transforma em psiquiatra. Ele discute as teorias freudianas com seriedade e brilhantismo.

A doutora Eudora Fletcher fica cada vez mais perplexa. Ela experimenta o divã, o face a face, a hipnose. É invadida pela problemática de seu paciente. Ela perde o apetite e o sono, e passa a confrontar o descrédito de seus pares e chefes, que zombam dela.

Um dia, no auge de seu desespero, uma ideia lhe vem à cabeça.

Com a impressão de estar fazendo algo impensado, a doutora Eudora Fletcher inventa uma encenação psicodramática. Ela interpreta, diante de Zelig, uma "falsa psiquiatra", diz-se deprimida e desesperada, pede ajuda a ele. Zelig fica muito comovido e totalmente desorientado, expressando um afeto verdadeiro pela primeira vez.

Não vou detalhar todas as peripécias desse roteiro genial, mas avançarei diretamente ao final do filme.

Zelig desaparece novamente. Deprimida, a doutora Eudora Fletcher vaga por Nova York e depara com o início da guerra na Europa e a ascensão do nazismo. Ela tenta esquecer seu paciente, pelo qual ela agora percebe estar perdidamente apaixonada.

Ela vai ao cinema para tentar encontrar uma distração para sua obsessão. Ao assistir às notícias que têm como tema as grandes manifestações de apoio a Hitler, ela acredita ter reconhecido a silhueta de Leonard Zelig em um comício, logo atrás do Führer.

Como é uma psiquiatra inteligente, ela reflete e chega à conclusão de que um homem que sente não ser ninguém pode facilmente se beneficiar da fusão com uma massa de "seguidores" ou de "fãs".

Então ela viaja imediatamente a Berlim e segue todos os comícios nazistas em busca de Zelig.

Uma noite, ela finalmente o encontra. Quando Zelig a reconhece, ele nos dá a impressão de acordar de um sonho ou de sair de um momento de grande confusão. Ele se pergunta bruscamente o que faz ali e cai nos braços de Eudora.

O casal de apaixonados foge da Alemanha nazista, os SS os perseguem, mas eles conseguem furtar um pequeno avião e voam em direção aos Estados Unidos. É Zelig quem pilota. Ele não tem nenhuma experiência, mas Eudora possui uma habilitação. Ele diz que pode pilotar o avião, porque "está conectado ao inconsciente dela".

Eles finalmente aterrissam na América, são recebidos como heróis e se casam na presença do presidente dos Estados Unidos. O filme não nos conta se eles tiveram muitos filhos.

Como toda obra de arte, um filme sempre deve ser visto a partir de diversas perspectivas. Nesse caso, o eixo referente ao conformismo exigido pelos imigrantes judeus é importante. A assimilação (ou não) dos judeus ao meio cultural é questionada aqui.

Mas se opto por falar desse filme aqui, nesta jornada, é pelo seguinte motivo: na época em que assisti a Zelig, em 1983, enquanto lia pela primeira vez "A relação de objeto alérgica", eu já tinha sido tomada pela sensação de que deveria falar sobre ele. Depois, esqueci de fazê-lo.

Zelig, na verdade, não é um simples camaleão. Ele se "machuca" com o objeto, a ponto de fazê-lo perder sua alteridade e suas referências. O filme mostra identificações projetivas cruzadas, das mais perturbadoras.

Retomemos o artigo princeps de Pierre Marty (1958), no qual ele diz que as personalidades alérgicas têm dificuldade em reconhecer o outro em sua alteridade e em suportar os conflitos que ela implica. Assim, eles também querem apagar a distância que os separa do objeto, com a finalidade de transformá-lo em um "hospedeiro permanente". Se a tentativa de aproximação fracassa, é desencadeada uma crise. A crise resultaria de uma regressão até um nível de fixação anterior, arcaico, no qual sujeito e objeto não são bem diferenciados.

A apreensão imediata de um objeto não conflitivo e que não seja diferente de si é a atividade essencial do alérgico. Na "apreensão imediata", identificatória e projetiva, descrita por Pierre Marty existem semelhanças com a identificação adesiva de Meltzer (1975).

O deslocamento libidinal massivo do vínculo libidinal de um objeto ao outro torna, ainda, os objetos intercambiáveis.

Na relação de objeto alérgica haveria uma identificação total e massiva do sujeito alérgico ao objeto: "o sujeito habita o objeto da mesma forma que é habitado por ele". O fracasso da tentativa de aproximação coloca o sujeito em perigo, daí a crise alérgica: asma, eczema, urticárias etc.

Durante as crises, alguns sujeitos atravessam um estado confusional-onírico, outros apresentam angústias de despersonalização (como Zelig). 

Em um primeiro momento, essa forma de relação de objeto consiste em uma intrusão imediata e massiva do outro até a confusão das identidades, seguida, em um segundo momento, pela "adaptação"[1] progressiva do objeto, não sendo esta última tão distante da identificação projetiva kleiniana (KLEIN, 1978 [1955]). Retornarei a esse ponto ao final da minha exposição.

A "adaptação" visa à redução da distância até chegar à indistinção pela interpenetração sujeito/objeto. Podemos levantar um questionamento acerca de um parentesco contraditório entre a "adaptação martyniana" e a desobjetalização dos pacientes borderline descrita por André Green (2002), na qual o objeto é desinvestido ou não investido, mas igualmente neutralizado.

Nas estruturas alérgicas, no entanto, uma familiaridade particular com o inconsciente explica uma empatia surpreendente. Quando surge uma incompatibilidade entre dois objetos igualmente investidos, como ocorre durante o complexo de Édipo, o alérgico fica "cindido"[2] entre dois objetos identificatórios, escreve Pierre Marty (1958). Assistimos, então, à regressão seguida de crise.

Outro motivo de crise alérgica é a percepção imprevista de um novo traço do objeto ou de seu desaparecimento, mesmo que material, como a mudança de lugar ou de enquadramento. Um de meus pacientes começou a ter uma crise de eczema no início de uma sessão, à noite. A uma de minhas perguntas, ele havia respondido que eu "não era mais a mesma".

Após diversas sessões, enfim compreendemos que a iluminação do cômodo havia mudado com a chegada do verão: com menos luz, eu era "doce e acolhedora". Agora, às claras, ele me via "dura e distante".

Em resumo, para Pierre Marty, a crise alérgica resulta de uma regressão global até o nível anterior de fixação, que interrompe a regressão e protege da desorganização progressiva ou da franca despersonalização. O centro da fixação se constitui quando o sujeito é submetido a traumatismos em uma fase arcaica, na qual ainda predomina a indistinção sujeito/objeto.

Michel Fain (1999) situa essa fixação primária no nível do segundo organizador de Spitz, "a angústia do oitavo mês" ou "ansiedade perante estranhos". O segundo organizador funda a instalação da triangulação associada ao início da diferenciação sujeito/objeto.

Em seu famoso texto, Pierre Marty (1958) fala até mesmo de "alergia (dita) essencial", quando o sujeito alérgico teria uma necessidade imperiosa de realizar uma fusão máxima com o objeto, até atingir um estado de indiferenciação. O alérgico essencial reage de modo alérgico tanto diante de corpos estranhos quanto de rupturas afetivas, sejam elas reais ou imaginárias. Ele procede a uma negação da ausência do objeto como uma forma de refutar a distância do objeto, negação que suscita confusão no observador no decorrer da investigação clínica.

Essa negação da ausência do objeto leva, evidentemente. a pensar em uma falha ou falência da "estrutura enquadrante da mãe", descrita por André Green (2010).

Parece-me evidente o parentesco do texto sobre a relação de objeto alérgica com o artigo intitulado "As dificuldades narcísicas do observador diante do problema psicossomático"[3] (MARTY, 1952), publicado na Revue française de psychanalyse, em 1952, portanto, seis anos antes.

Em 2010, enquanto estudávamos atentamente o texto com o objetivo de comentá-lo para o International Journal of Psychoanalysis, Claude Smadja e eu percebemos que havia nele uma originalidade profunda. Essa originalidade concerne às observações e às reflexões de Marty sobre a contratransferência do psicossomaticista face ao paciente somatizador, mesmo no plano teórico (AISENSTEIN e SMADJA, 2010).

Por conta de sua doença, o paciente somatizador tem, de um lado, uma representação fragmentada de seu corpo e, de outro, uma tendência a suprimir a qualidade de alteridade do objeto com o qual ele se relaciona.

Essas particularidades do funcionamento mental do paciente têm como consequência a modificação da contratransferência do psicossomaticista.

Um duplo processo identificatório se desenvolve nele: de um lado, é conduzido a experimentar intimamente, por identificação com seu paciente, a destruição de seu corpo e o desaparecimento de sua imagem; de outro, é submetido, por parte de seu paciente, a um movimento de identificação projetiva ligado ao apagamento de sua qualidade de objeto e de sua alteridade.

Trata-se de uma forma de identificação narcísica primária, na qual o sujeito se projeta, todo ou em parte, no objeto, implicando em uma confusão psíquica com o objeto e em um ataque deste sob a forma de apagamento de sua alteridade. A resposta do analista foi descrita aqui como uma "dificuldade" no encontro com o paciente somatizador e com a ideia de autodestruição que ele engendra. Nós o havíamos compreendido como sendo um mecanismo muito próximo da identificação projetiva de Melanie Klein. Esses movimentos identificatórios complexos e variados contribuem para o aumento das dificuldades narcísicas do psicanalista-psicossomaticista diante do fato psicossomático e do paciente doente.

Podemos observar que a ideia de um ataque específico à alteridade do objeto pelo sujeito somatizador precedeu a escrita do artigo sobre a relação objetal alérgica. É como se fosse necessário passar pela descrição de um ataque que desconstrói o objeto (o desmantelamento ou a fragmentação do corpo, evocado em 1952) antes de dar conta da etapa seguinte: o apagamento de toda alteridade e a invasão do objeto através de sua "adaptação".

CASO CLÍNICO

A paciente sobre a qual falarei é uma mulher coreana muito jovem, de 23 anos, que veio ao meu consultório em 1985. Eu a acompanhei por apenas três anos. Ela retornou a Seul de maneira brusca, advertindo-me a esse respeito pouco tempo antes de sua partida.

No decorrer desse tratamento, do qual não me sinto particularmente orgulhosa, eu sentia uma confusão acompanhada de um vago desconforto.

Nunca pude compreender como Heikyong chegou até mim.

Quando perguntei a ela quem havia me indicado, ela respondeu que tinha vindo da Coreia para dar prosseguimento a uma tese sobre a obra cinematográfica de Eisenstein.

Ela acrescentou que morava em uma pensão para jovens mulheres na rue d’Assas (minha rua, quatro números acima), para que pudesse aperfeiçoar seu francês na Aliança Francesa (localizada no boulevard Raspail, na esquina da minha casa, que ficava a cerca de 50 metros de distância).

Ela acrescentou, com um grande sorriso, que sabia que o Cavaleiro de Assas[4] havia sido um herói, que havia defendido valentemente a Auvérnia, sendo, portanto, um homem muito simpático, compartilhado por nós duas.

Eu fiquei estarrecida... sentindo-me invadida e rendida, confusa.

Devo mencionar que, de início, ela se comunicou comigo em inglês, e eu a respondi nesse idioma sem pensar.

Em seguida, compreendi que aquele havia sido um grande erro técnico da minha parte.

Na realidade, a entrevista havia sido agendada pelo telefone, em um francês mal falado. Eu devia ter feito a seguinte pergunta: "Como você sabe se eu falo ou não inglês, visto que você não me fez esta pergunta?"

Isso teria introduzido uma dose de alteridade, mas infelizmente embarquei na sua confusão por inteiro.

Após essa entrevista, eu me senti péssima, mas achei que não seria o caso de não dar continuidade ou de encaminhá-la, o que poderia colocá-la em perigo. Eu temia um delírio ou até mesmo um suicídio. Naquele momento, pensava sobretudo em uma psicose.

Disse a mim mesma que seria necessário incluir um psiquiatra. Eu tinha prática na psicoterapia de psicóticos, porém mais comumente em instituições.

Quanto a isso, também só me dei conta em um segundo momento: um terceiro introdutor de alteridade me parecia desesperadamente necessário, se não para ela, para mim.

Na ocasião do segundo encontro, propus a ela um trabalho psicanalítico semanal e disse que gostaria que ela também fosse a um psiquiatra.

Heikyong aceitou tudo, com um sorriso extático, o qual não tinha por função me tranquilizar.

Ela era uma jovem muito alta, sobretudo para uma coreana, magra, porém musculosa. Havia algo de masculino em sua aparência.

Soube que era a mais nova de três irmãos: uma irmã cinco anos mais velha, naquele momento casada e com filhos, e um irmão com três anos a mais, que morava nos Estados Unidos.

Ela me explicou que, na tradição coreana, a filha mais nova deveria continuar solteira, em casa, para cuidar dos pais idosos.

Ela não pretendia fugir à tradição, mas queria viajar, estudar e acumular belas experiências antes disso.

Contudo, seu pai havia falecido de infarto dois anos antes, pelo qual a mãe culpabilizava Heikyong. Na verdade, ela havia sido militante ativista de esquerda durante o período da universidade. Havia participado de todas as marchas e manifestações estudantis, inclusive tendo sido detida e severamente espancada na prisão.

Em outra ocasião, ela me descreveu sensações "de ex-corporação", as quais lhe permitiam resistir aos golpes e às torturas: ela se via ao lado de seu corpo e sentia as dores atenuadas, como uma espécie de anestesia.

Seu pai, do qual ela era a filha preferida, ficava loucamente angustiado por ela, o que levava sua mãe a criticá-la duramente.

Ela me dizia ter amado apaixonadamente esse pai delicado e calmo, que lia contos para ela e a ajudava em trabalhos escolares. A mãe, contrariamente, era descrita como uma mulher enraivecida, sem ternura, por vezes violenta, inculta e constantemente queixosa.

A configuração edipiana parecia evidente, mas as vias das identificações femininas pareciam ter sido barradas.

Uma cena, lembrança encobridora, narrada diversas vezes com um ar estranho e um tom de relato de sonho:

Ela janta com seus pais, estando diante de seu pai. Uma bela luz, a luz das noites de verão. A mãe retorna à sala trazendo um prato refinado, mas malfeito. O pai come e não diz nada. Heikyong diz que está bom, mas não suculento. A mãe berra com ela, com o pai, berra a respeito do forno, de sua casa, sua vida, de seu casamento. Ela se exalta e acaba quebrando os pratos. O pai se levanta, troca de lugar e se senta ao lado da filha, abraçando-a e chorando.

A repetição idêntica da cena retornou como um sonho traumático. Evidentemente, podemos pensar no insucesso da cena primária em sua vertente organizadora, não podendo ser constituída como uma fantasia.

Na sequência dessa cena, que ela situou entre seus 14 e 15 anos, apareceram cefalalgias, sobre as quais ela não havia falado de início, em nossos primeiros encontros.

Quando perguntei a ela o porquê, ela me respondeu que não deveria reclamar, e acrescentou que suportava bem a dor física.

Após a morte de seu pai, Heikyong ficou muito deprimida, chorava muito durante a noite. A mãe tentou se aproximar dela, mas Heikyong a repelia com raiva.

Suas crises de cefalalgia tornaram-se frequentes e ela passou a ser insone.

Um psiquiatra de Seul a havia medicado.

Quanto às nossas sessões, ela era sempre pontual e sorridente, muito contente com sua vida em Paris. Ela me confundia menos, mesmo que eu continuasse perplexa.

Eu continuava oscilando entre diversas abordagens semiológicas: borderline, funcionamento psicótico, relação de objeto alérgica sem alergias.

Na verdade, eu me sentia frequentemente invadida.

Em uma sessão, eu estava com um grande curativo na mão. Ela me perguntou como eu tinha machucado a sua mão. Eu respondi "não, a minha mão", e ela riu. Ela se queixava de uma artrose nos dedos na sessão seguinte.

Enfim, ela continuava a apresentar o que eu chamava de "uma pequena síndrome Zelig".

No final do segundo ano, ela encontrou um jovem rapaz na faculdade. Ele também trabalhava com cinema: cinema coreano, no caso.

Eles se viam bastante, frequentavam as mesmas aulas, as mesmas bibliotecas e jantavam juntos com frequência. Alguns meses depois, eles iniciaram uma relação amorosa e Heikyong ficou radiante.

Fiquei alarmada, pois constatei que ela não se colocava qualquer questionamento quanto à perenidade do vínculo entre eles, visto que os dois eram "iguais, sentiam as mesmas coisas, tinham os mesmos sonhos".

Efetivamente, durante um jantar, ela evocou o amor eterno e incondicional entre os dois, "pois eles eram como dois gêmeos que se encontraram". O rapaz se assustou e terminou com ela abruptamente no dia seguinte, por meio de uma carta.

Heikyong ficou arrasada, não foi mais às aulas, soluçava em todas as sessões e me falava sobre a possibilidade de se matar.

Eu fiquei aflita, porque levei suas palavras muito a sério. O excelente psiquiatra que a acompanhava também se preocupou. Ela perdeu muitos quilos e, sobretudo, não dormia mais. O psiquiatra decidiu hospitalizá-la em um serviço psiquiátrico, onde ela permaneceu durante 15 dias.

Eu a vi logo após sua saída; ela me parecia mais calma, menos desorganizada. O que a perturbava, no entanto, era o fato de não compreender essa ruptura. Ela não entendia. Ela não entendia.

A esse respeito, nós pudemos, nos meses seguintes, trabalhar em torno da noção de alteridade. Eu havia dito a ela que, enquanto ela se sentia "igual", Georges provavelmente se sentia um pouco parecido, mas também diferente.

Ela me perguntou um dia: "Mas a senhora, Madame, a senhora me compreende?".

E eu respondi: "Acredito que compreendo você, mas também com minhas diferenças".

Aquilo a perturbou muito. Alguns meses mais tarde, ela me disse ter tido uma terrível cefaleia, que ela relacionou imediatamente a um acontecimento. Sua mãe e ela trocavam e-mails regularmente. Ela não tinha um software coreano no seu computador, e as duas sempre se correspondiam em inglês. Repentinamente, ela recebeu um longo e-mail escrito com caracteres coreanos. Tratava-se de uma "surpresa" de sua mãe, que ofereceu a ela a instalação à distância de um software com os caracteres coreanos e o instalou. Ela me descreveu uma crise de angústia massiva, próxima de um estado de pânico, que conduziu à cefalalgia. Ela foi incapaz de ler o e-mail. Desligou o computador e olhou para ele como se "contivesse o diabo".

Eu perguntei a ela se o alfabeto coreano era muito íntimo, ou se ele não era suficientemente íntimo.

Sua resposta me surpreendeu à época: "Nem uma coisa nem outra. Mas de repente algo está diferente, e isto é insuportável".

Muitas questões se colocavam. Como compreender uma primeira contradição, a qual não parecia se organizar como conflito. Heikyong era livre, moderna, implicada nos movimentos insurrecionais, vivendo a sexualidade de um modo que podia se alternar com a amizade, mas afirmava não pensar em quebrar a tradição coreana e pretendia assistir a mãe até o final da vida, mãe que ela dizia desprezar e odiar.

Poderia se tratar de uma clivagem? Clivagem funcional que a protegeria do conflito? Clivagem do eu, que seria testemunha de um funcionamento psicótico?

Acredito que as cefaleias atestem tanto a erotização do pensamento quanto a sua barragem.

Nas sessões, a escolha pela comunicação em inglês entre mãe e filha havia sido compreendida como uma "língua estrangeira que as tornava ‘semelhantes’".

Eu sugeri a ela que, nesse caso, sobretudo a diferença das gerações parecia ser abolida.

Acho que ela compreendeu e me disse: "Então, no momento em que conversamos em coreano, não somos mais duas adultas que conversam, mas ela passa a ser a minha mãe coreana que me dá medo?"

Eu respondi: "Coreana, mas estrangeira, que assusta, porque você não suporta o que é diferente".

Eu considerei este momento muito interessante.

Pouco tempo depois, ela terminou seu doutorado, e sua mãe estava "doente". Infelizmente, ela decidiu retornar a Seul.

Sempre pensei que essa partida também fosse fruto de uma resistência. Resistência à mudança? À dependência?

Também pensei que, caso eu soubesse falar coreano, o trabalho com Heikyong teria sido mais frutífero. Devo confessar que esse pensamento me fez questionar se eu não teria sido contaminada pelo horror às diferenças de Heikyong.

Senti-me entristecida e decepcionada, tendo sido deixada com inúmeras aporias, as quais lhes apresento aqui.

ALGUMAS REFLEXÕES

O texto "A relação de objeto alérgica" foi traduzido para o grego em 2015, e publicado por Panos Aloupis, em uma pequena e elegante edição, incluindo uma introdução feita por mim e um comentário notável de Marina Papageorgiou.

Em seu texto, Marina Papageorgiou propõe, com justeza, uma semiologia diferencial entre relação de objeto alérgica e identificação histérica (PAPAGEORGIOU, 2015).

Parece-me que esse "estudo comparativo" se impõe como algo necessário.

Retomei um diálogo antigo entre Michel Fain, especialista no tema da identificação histérica, e Florence Guignard, uma kleiniana eminente.

Esse artigo, publicado na Revista Francesa de Psicanálise com o título "Identificação histérica/identificação projetiva" (FAIN e GUIGNARD, 1984), evoca as semelhanças e diferenças entre identificações histéricas e identificações projetivas.

O artigo é composto por seis longas cartas trocadas entre Michel Fain e Florence Guignard.

Esse diálogo serve como base para um artigo de Jean Bégoin (1983), que classificava a identificação histérica como "uma forma particular de identificação projetiva". Por conta da complexidade das trocas estabelecidas entre os dois autores, este seria um diálogo difícil de resumir aqui. De qualquer forma, tentarei apresentar a minha interpretação pessoal.

Na realidade, apesar de sua relevância, ele permanece sendo "um diálogo de surdos", pois na verdade nenhum dos dois possui qualquer intenção de modificar suas ideias.

Adicionalmente, para Michel Fain, a sexualidade humana tem uma estrutura histérica, o que faz dela um modelo. Não é o que pensa Florence Guignard.

Michel Fain inicia mostrando as semelhanças entre identificação histérica e aquilo que ele propõe chamar de "pseudoidentificação projetiva".

Em seguida, ele sustenta a ideia, na minha opinião, totalmente errônea, de uma correlação entre identificação projetiva e "identificação na comunidade da denegação". "Essa última provém diretamente do ideal de um outro denegando uma parte da realidade", diz ele (FAIN e GUIGNARD, 1984, p. 517).

A identificação projetiva visa, primeiramente, erradicar ou denegar o afeto doloroso para, em seguida, projetá-lo no outro. Pessoalmente, não vejo nenhum parentesco entre "comunidade da denegação" e identificação projetiva, mas isto poderia ser debatido.

Em sua resposta, Florence Guignard se apoia em um texto de Jean Bégoin para considerar que "a teatralidade, a facilidade em pegar emprestado a voz, as mímicas e a gestualidade do outro", ou seja, "em se apropriar de seus processos de pensamento em uma imediatidade estonteante". "Tudo isso procede da identificação projetiva", diz ela (FAIN e GUIGNARD, 1984, p. 517).

Ela conclui dizendo que "seu conceito de comunidade da denegação me parece ser parte integrante da identificação projetiva" (FAIN e GUIGNARD, 1984, p. 517), o que eu entendo que seja errôneo, mas falaremos disto posteriormente.

Devo confessar que fico igualmente surpresa pela diferença entre as descrições da identificação projetiva de Jean Bégoin e Florence Guignard e aquelas dos discípulos atuais de Melanie Klein, como Irma Bremann-Pick e Ron Britton.

Por outro lado, vejo um parentesco entre identificação histérica e projetiva no que diz respeito a uma mesma utilização desse tipo de identificação, para negar a diferença com o objeto vivida como uma perda ou um conflito.

Em um artigo publicado no International Journal of Psychoanalysis (AISENSTEIN e SMADJA, 2010), já havíamos notado a proximidade entre a identificação narcísica, descrita por Pierre Marty, em 1952, e a identificação projetiva de Melanie Klein.

Na carta número 3, Michel Fain aprofunda a reflexão ao se referir a seus trabalhos escritos em coautoria com Denise Braunschweig, mais especificamente à hipótese do reconhecimento, por parte da criança, do contato físico com uma mãe desejante, o que estaria na base de uma identificação histérica precoce: "Ela se originaria da constatação, por parte do sujeito, dos atrativos que um ‘terceiro investido antes de ser percebido’ exercem sobre sua mãe-mulher" (FAIN e BRAUNSCHWEIG, 1975, p. 519).

Essa hipótese quanto à identificação histérica precoce me parece muito precisa, localizando a identificação histérica como sendo anterior à identificação projetiva.

A esse respeito, Florence Guignard responde, na carta 4: "A identificação histérica precoce que você descreve parece-me poder ser compreendida como a forma específica pela qual a identificação projetiva se expressa quando o bebê reintrojeta uma mãe desejante" (FAIN e GUIGNARD, 1984, p. 520). Ela também fala do Édipo precoce, situado por Melanie Klein no segundo semestre de vida da criança.

Encerro aqui os comentários sobre esse diálogo, visto que as cartas 5 e 6 comparam as posições esquizoparanoide e depressiva com o trabalho do sonho e o duplo retorno pulsional, que se distanciam do nosso tema, a relação objetal alérgica.

A meu ver, a questão seria: pode-se falar de um quiasma identificação histérica/relação objetal alérgica em função de um parentesco destas duas identidades clínicas com a identificação projetiva?

No plano clínico, gostaria de lembrar que, para Melanie Klein, a utilização da "identificação projetiva" é o que permite fazer a economia da contratransferência. Isso foi motivo de sua ruptura com Paula Heimann na ocasião da publicação de seu artigo princeps sobre a contratransferência (HEIMANN, 1950).

Em seu artigo de 1952, sobre "As dificuldades narcísicas do observador diante do fenômeno psicossomático", é da contratransferência que Pierre Marty fala, mesmo que não a nomeie como tal.

 

CONCLUSÃO

Para terminar, voltarei à clínica, trazendo os dois pacientes já mencionados: Leonard Zelig, de Woody Allen, e minha paciente Heikyong.

No caso de Zelig, a empatia e a facilidade de apropriação, com um imediatismo alucinante, dos processos de pensamento do outro, assim como de suas mímicas, entonações e hábitos, parecem-me estar do lado da identificação histérica.

A confusão à qual ele induz o outro e que coloca em perigo a alteridade deste último me parece, no entanto, estar do lado da relação alérgica.

Esses dois modos aparentemente opostos me levam ao questionamento quanto à possibilidade de imaginar uma regressão da identificação histérica à relação objetal alérgica.

Pierre Marty não faz nenhuma alusão a isso, e Michel Fain nega essa ideia, escrevendo que "elas não se situam em uma sucessão linear" (FAIN e GUIGNARD, 1984, p. 523).

Entretanto, a clínica é, por vezes, mais complexa que a teoria. Ora, a fragilidade da organização edipiana não daria margem a tais regressões, ligadas à descontinuidade do funcionamento mental?

Essa permanece uma questão aberta para nossos debates. Podemos efetivamente ser surpreendidos por uma contradição (a qual, entretanto, deveria se tornar dialética) entre a hipótese de Michel Fain, de uma identificação histérica precoce, e a seguinte afirmação contida na carta número 5: "elas não se situam em uma sucessão linear" (FAIN e GUIGNARD, 1984, p. 523).

Retomaremos esse ponto nos debates.

Por outro lado, para Heikyong, uma personalidade alérgica sem sintomatologia alérgica, os recursos histéricos faltam dramaticamente. É provável que, no período do complexo de Édipo, ela tenha sido "dividida violentamente entre seus objetos identificatórios", como escreve Pierre Marty, vide um inacabamento edipiano patente. Quando confrontada com a alteridade, ela tem cefaleias e se desorganiza psiquicamente sob o modo da despersonalização.

Eu a classificaria facilmente como estando no campo da relação de objeto alérgica "essencial", como propõe Pierre Marty no artigo de 1958, o que se inscreveria em um questionamento que, para mim, permanece aberto, e diz respeito às relações entre estado-limite, psicose fria ou branca e neurose ou psicose de comportamento, estas últimas tendo sido descritas por Marty (1998).

Assim, termino com mais aporias e questões abertas que respostas ou conclusões.



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ano - Nº 2 - 2020
publicação: 28-11-2020
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Autor(es)
• Marilia Aisenstein
Ex-presidente da Sociedade Psicanalítica de Paris, membro da Sociedade Helênica de Psicanálise, do Instituto de Psicossomática de Paris (IPSO) e do conselho editorial da Revue Française de Psychanalyse e autora de inúmeras obras e artigos no campo da Psicossomática Psicanalítica. E-mail: marilia.aisenstein@gmail.com.


Notas

 

 [1] Nota de tradução: No texto, o termo "aménagement" aparece sempre entre aspas. 

  [2] Tradução: Pedro Marky-Sobral  

 [3] Nota de tradução: No texto "écartelé", que também pode denotar uma divisão violenta, como um esquartejamento.

 [4] Nota do tradutor: Texto publicado em português (AISENSTEIN e SMADJA, 2012).

 [5] Nota de tradução: No texto original, "Chevalier d’Assas", Louis d’Assas.

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