ARTIGOS

P. Marty e D. W. Winnicott: onde suas ideias se encontram


P. Marty and D. W. Winnicott: where their ideas meet
Ana Luisa Cordeiro

RESUMO
O artigo traça um paralelo entre as ideias de Marty e Winnicott, sinalizando pontos de intersecção encontrados tanto na teoria quanto na clínica.

Palavras-chave: Desenvolvimento, Psicossomática Psicanalítica, Função Materna, Manejo Clínico.

ABSTRACT
This article establishes a parallel between the ideas of Marty and Winnicott showing points of intersection found in this comparison in theory and clinical practice.

Keywords: Development, Psychoanalytic Psychosomatic, Maternal Function, Clinical Management.


Há alguns anos, quando comecei a estudar as ideias de Marty, pesquisei possíveis pontos de intersecção entre elas e o pensamento de Winnicott, autor que eu vinha estudando há mais tempo.

Para contextualizar quem são os autores e suas ideias, que serão abordados ao longo do texto, apresento um breve resumo de seus dados biográficos a seguir.

Na década de 1950, na França, um grupo de psicanalistas, entre eles alguns médicos, partiram de concepções psicanalíticas e desenvolveram uma teoria que visa definir a importância do aparelho psíquico e suas funções como reguladores do funcionamento e do equilíbrio psicossomático (VOLICH, 2000, p. 110).

O ponto de interesse inicial desses psicanalistas foi o estudo das patologias denominadas por Freud de neuroses de angústia (FREUD, 1895 [1894]), também conhecidas como neuroses atuais. Nelas, destaca-se um tipo de angústia que não possui um objeto definido e cuja excitação psíquica transformada em angústia produz sintomas sem a mediatização simbólica, tais como: insônia, náusea, diarreia, vertigem, ansiedade, distúrbios cardíacos e respiratórios, para citar alguns. Embora Freud tenha se dedicado por algum tempo ao estudo dessas manifestações psicopatológicas, ele não se alongou sobre o estudo desse campo. Anos mais tarde, esse tema foi retomado pelo grupo de autores e psicanalistas citado acima, de cuja pesquisa resultou o que hoje conhecemos por Psicossomática Psicanalítica.

Pierre Marty (1918-1993), médico e psicanalista francês, considerado o "pai da Psicossomática Psicanalítica", encabeça este grupo, que ainda conta com nomes como Michel Fain, Christian David, Michel de M’Uzan, Léon Kreisler, entre outros.

Assim, no início da década de 1960, foi criada a Escola Psicossomática de Paris e, em 1972, foi fundado, por Marty, o Instituto de Psicossomática (IPSO), ambos com a colaboração do grupo formado por Michel Fain, Michel de M’Uzan e Christian David (VOLICH, 2000, p. 110). As ideias apresentadas por este grupo ampliaram, de forma bastante significativa, a teoria e a clínica psicossomáticas e sua contribuição para a compreensão das patologias somáticas em vários aspectos, tanto em relação à etiologia das patologias quanto à importância que davam às relações precoces da criança com seus pais, assim como ao campo terapêutico. O IPSO segue funcionando em Paris, desenvolvendo uma tripla função: formar psicossomaticistas, promover a pesquisa e fornecer atendimento clínico.

Donald Woods Winnicott (1896-1971), pediatra e psicanalista inglês, foi uma das principais figuras da psicanálise britânica na geração que se seguiu a Freud. Membro do Grupo Intermediário ou Independente Britânico (Middle Group), colocou-se à parte dos grupos que se formaram em torno de Melanie Klein e Anna Freud, sendo assim um incentivador para aqueles que tinham, como ele, uma inclinação independente.

Inicialmente influenciado pelas ideias de Melanie Klein, por quem foi supervisionado por seis anos, deu início à criação, na década de 1940, de um campo próprio de ideias conhecido por "Teoria do desenvolvimento emocional primitivo" (WINNICOTT, 1945), o que lhe concedeu, na época, e ainda nos dias de hoje, um lugar de autoria que se destaca pela originalidade e especial sensibilidade.

As ideias de Winnicott encontram-se dispersas em um grande número de artigos e obras curtas destinadas ao grande público. Elas evoluíram gradualmente da pediatria tradicional para a psiquiatria infantil, e desta para a psicanálise, tendo alcançado um arcabouço teórico-clínico rico e diverso, dado o grande número de casos que ele atendeu, cerca de 60 mil (KHAN, 2000, p. 11-52).

No estudo no qual estabeleci um paralelo entre as ideias desses dois autores, foram poucos os pontos em comum encontrados. Porém, eles concordam em alguns aspectos que são, a meu ver, essenciais, apresentados e desenvolvidos a seguir.

A obra de ambos sugere que, ao longo da vida, o ser humano vai adquirindo formas cada vez mais sofisticadas e complexas de existir no mundo, o que implica na utilização de recursos mais maduros para lidar com as diversas situações que vão se apresentando. Ambos entendem que a concepção descrita acima não entra em conflito, mas coexiste com a noção central na psicanálise de que movimentos progressivos e regressivos estão sempre operando no psiquismo, seja do bebê, da criança ou do adulto. Esse aspecto, aliás, será levado em conta mais adiante neste artigo.

Para Marty, o desenvolvimento humano inicia-se no estágio mais simples e vai para o mais complexo, e as funções vitais acompanham esse processo, organizando-se e hierarquizando-se. Esse movimento é contínuo e repetitivo (MARTY, 1993, p. 23).

Para Winnicott, o bebê, ao nascer, é um ser em potencial que precisará de um ambiente (mãe/ambiente) suficientemente bom e facilitador para desenvolver-se satisfatoriamente e, assim, constituir seu self (WINNICOTT, 1983, p. 63). O impulso para o desenvolvimento emocional virá naturalmente de dentro do próprio bebê, se as condições suficientemente boas forem satisfeitas.

Tanto Marty quanto Winnicott concordam que, no início da vida do ser humano, as funções fisiológicas e todas as vivências sensório-motoras, ainda bastante rudimentares, possuem um funcionamento não integrado, que explicarei a seguir.

Marty apresenta o conceito de "mosaico primordial", explicando que, no início do desenvolvimento, existe uma justaposição das funções vitais já no embrião. "Essas funções se exercem (ainda) de uma maneira relativamente independente umas das outras, associadas em mosaico, sem se encontrarem organizadas em um sistema comum e autônomo" (MARTY, 1993, p. 23).

Winnicott considera que, nos estados iniciais do desenvolvimento humano, o bebê vive em um estado de não integração. O bebê, ao nascer, ainda não é uma unidade do ponto de vista do desenvolvimento emocional, embora exista em todo ser humano uma tendência biológica em direção à integração. A partir do estado inicial de não integração, a integração vai sendo alcançada primeiramente por breves momentos, ou períodos, e só depois, e de forma gradual, passa a ser um fato (WINNICOTT, 1945).

Tanto o conceito de mosaico primordial de Marty quanto o de estado de não integração de Winnicott postulam que, no início da vida do ser humano, o que prevalece é um estágio inicial não integrado, de ausência de unidade, no qual as funções orgânicas e fisiológicas atuam de forma independente. O que vai permitir a organização dessas funções e a subsequente integração delas será a capacidade da função materna de favorecer e intermediar essa integração. Assim, esses autores são unânimes em ressaltar a importância da primeira relação com a mãe. Sem ela, esse desenvolvimento pode ficar prejudicado ou mesmo impedido de acontecer.

A construção do aparelho psíquico, fundamental para o desenvolvimento e a promoção do equilíbrio psicossomático, vai se dando ao longo da vida a partir dos primeiros contatos com a mãe, que por isso tem um papel central nessa construção (VOLICH, 2000, p. 116).

Nesse sentido, a mãe ajuda seu filho na formação do pré-consciente, instância psíquica central postulada na obra de Marty, à qual ele deu o nome de "reservatório" (MARTY, 1993, p. 24). Nele se encontram representações e associações de várias épocas da vida do sujeito, ligadas entre si, que ao longo da vida enriquecerão o funcionamento mental, propiciando uma boa mentalização, que no futuro o protegerá contra eventuais somatizações.

A mãe tem uma importância central na obra de Winnicott. Em uma de suas frases mais célebres: "isso que chamam de bebê não existe" (WINNICOTT, 1952, p. 165), o autor afirma não ser possível falar ou pensar em um bebê sem, junto com ele, falar de alguém que cuida dele. Na verdade, mãe e ambiente se misturam, formando uma coisa só no início da vida do bebê. A mãe representa ela mesma, o pai, a casa, o ambiente e todos que vivem ali.

O autor ainda ressalta a importância dessa construção feita através da relação mãe-bebê, porém sob um ponto de vista diferente em relação à de Marty. Sua construção parece ser mais ampla, atingindo todos os aspectos da vida do bebê, não apenas o aparelho e o funcionamento mental, mas a psique, o corpo e a mente como um todo, com o objetivo final de alcançar a constituição do seu self.

Para Winnicott, o holding faz parte da função materna em primeiro lugar (WINNICOTT, 1969, p. 200) e significa o ato de segurar o bebê com firmeza, sustentação, segurança, e também carinho e tranquilidade. E será através do holding que o bebê irá adquirir a confiança, a segurança em si, no ambiente e nos outros ao longo do tempo. Vivências importantes para o bebê podem ocorrer e estarão ligadas à maneira como a mãe segura e dá suporte a seu filho. É preciso enfatizar que isso não é algo que possa ser ensinado, deverá acontecer naturalmente.

O bebê deve ser cuidado, limpo, amamentado, aquecido. Esses cuidados fazem parte do que Winnicott chamou de handling (WINNICOTT, 1963, p. 72). É o handling, ou manejo, que possibilita que o corpo do bebê adquira um significado, uma organização, algo que dará início ao processo de elaboração imaginativa do próprio corpo, permitindo que o psiquismo habite realmente esse corpo. O cuidado físico é também um cuidado psicológico.

Encontram-se aí os primeiros indícios do sentimento de continuidade, constância, de ser cuidado e amado. É com base nessas conquistas que ele poderá adquirir a capacidade de cuidar de si mesmo e, posteriormente, dos outros.

Outro aspecto importante é o ritmo (WINNICOTT, 2006, p. 75). A mãe deve sintonizar-se com o ritmo do seu bebê. O ritmo das mamadas, do sono, dos cuidados, entre outros. Esse ritmo pressupõe o tempo interno, o seu tempo subjetivo, que deve ser respeitado, e não abreviado ou invadido.

A apresentação do mundo ao bebê, conceito também conhecido como apresentação de objeto, é igualmente uma função materna. A mãe apresenta o mundo a seu bebê, em doses reduzidas, na medida em que ele consiga assimilá-lo: "é especialmente no início que as mães são vitalmente importantes, e de fato é tarefa da mãe proteger o seu bebê de complicações que ele ainda não pode entender, dando-lhe continuamente aquele pedacinho simplificado do mundo que ele, através dela, passa a conhecer" (WINNICOTT, 1945, p. 228).

A mãe é também um espelho para seu bebê (WINNICOTT, 1975, p. 153), conceito inspirado no estágio do espelho de Lacan, mas que Winnicott utiliza em um sentido diferente. Para ele, o espelho é o rosto da mãe que reflete para o bebê o que ele sente, como ele é, quem ele é. O rosto reflete o que há para ser visto.

Esses são os aspectos fundamentais da função materna para Winnicott, que vão dar condições para que o bebê possa constituir sua personalidade e estrutura interna. Uma mãe suficientemente boa pressente as expectativas e necessidades mais precoces do seu bebê. Ela não é perfeita; ela é natural, presente e espontânea. A partir das experiências vividas pelo bebê nessa relação com sua mãe, ela vai gradualmente dosando a apresentação do mundo a ele.

Todas as experiências vividas pelo bebê nessa relação vão constituir elementos para o que Winnicott chamou de "armazém" (WINNICOTT, 1983, p. 92), o qual se assemelha muito à denominação de "reservatório" utilizada por Marty ao se referir ao pré-consciente.

O "armazém" de Winnicott vai sendo construído com base nas lembranças pessoais e nos fenômenos que constituem a realidade psíquica interna a partir de impressões sensoriais, como sensações, vivências, cheiros, associadas à amamentação e aos cuidados maternos.

Para ambos os autores, a saúde mental tem suas bases assentadas na primeira infância e na relação mãe-bebê.

A regressão (MARTY, 1993, p. 24) (WINNICOTT, 1954, p. 380) é outro conceito em relação ao qual ambos os autores possuem algumas correspondências. Ela pode ser entendida como algo positivo e até necessário. Trata-se de um movimento contraevolutivo para posições ou etapas anteriores, mas que possui um sentido benéfico, pois se constitui como um processo reorganizador, ou uma nova oportunidade de o desenvolvimento normal poder ser retomado, desde que haja as condições necessárias que favoreçam essa aquisição.

Assim, ambos concordam que a regressão pode ser considerada um processo de cura. A doença e os sintomas somáticos e mentais são pedidos de socorro entendidos como sinais de esperança e saúde naquele indivíduo.

Para Marty, a regressão se dá em direção aos pontos de fixação, que têm a função de retardar o movimento contraevolutivo, funcionando, portanto, como pontos de apoio e proteção, nos quais a desorganização pode se deter (MARTY, 1993, p. 24).

Para Winnicott, a regressão é também um retorno a fases ou etapas anteriores (regressão à dependência) (WINNICOTT, 1954, p. 381). E caminha contraevolutivamente para pontos onde o self não pode se constituir, nem tampouco o desenvolvimento prosseguir.

O mesmo sentido da doença como um "sinal de esperança", por constituir uma forma de organização ou pedido de ajuda para que o indivíduo possa se organizar e retomar o seu desenvolvimento, parece se encontrar tanto em Marty quanto em Winnicott. Este reconhece no sintoma um pedido de socorro, que justifica o trabalho analítico ser direcionado às necessidades do paciente, com o objetivo também de retomada do desenvolvimento.

Winnicott concebe o ser humano em um processo, em um continuum, em um acontecer no mundo até a morte (WINNICOTT, 1948, p. 45). Isso seria o equivalente à saúde. E tudo o que interrompe ou impede esse fluir da vida, e do natural devir, pode ser considerado traumático ou patológico. A doença seria, assim, uma manifestação dessa interrupção do devir.

Para citar apenas mais um ponto em comum entre os autores, temos a psicoterapia, entendida como uma maneira e oportunidade de retomada do desenvolvimento. Através dela, aquilo que foi detido e impedido de fluir ou de se estabelecer, pelas vicissitudes e os traumas vividos, pode ser elaborado e ressignificado, ou mesmo construído. Dessa forma, o desenvolvimento pode seguir adiante.

Em sua obra A psicossomática do adulto, Marty sugere que "a psicoterapia constitui o único tratamento que pode ajudar os sujeitos a sair do isolamento geral e da fragmentação funcional nos quais a desorganização os colocou" (MARTY, 1993, p. 18). Para ele, o fim das somatizações corresponde ao fim dos movimentos desorganizadores e, consequentemente, ao fim da depressão essencial (MARTY, 1993, p. 19) que desencadeou e agravou as doenças. E o fim da depressão essencial pressupõe uma mudança no estado psicoafetivo dos pacientes frente ao valor ou significado traumático dos acontecimentos que acionaram todo o processo de desorganização.

Em outras palavras, esses pacientes devem conseguir elaborar e assimilar as experiências sentidas por eles como traumáticas, e buscar ressignificá-las. Elas deixariam de ter, então, o peso traumático de antes. Nesse sentido, a psicoterapia trabalha para permitir o surgimento, ou ressurgimento, de sentidos e significados para a vida. Segundo ele, o objetivo da psicoterapia destina-se "a animar, ampliar e a enriquecer o funcionamento mental do paciente até o nível mais desenvolvido possível" (MARTY, 1993, p. 63).

Esse trabalho deve propiciar ao paciente a aquisição e a manutenção de uma organização progressiva, e nisso se assemelha à função materna. Marty se refere à relação entre analista e paciente como uma "fórmula: da função materna à psicanálise" (MARTY, 1993, p. 63), em que a função materna deve prevalecer quando o trabalho psicoterápico se dirige a pessoas desorganizadas ou mal organizadas mentalmente.

Neste esforço para aproximar algumas ideias centrais de Marty e Winnicott, é possível afirmar que o conceito de função materna está presente de forma central na obra de ambos. Foi Winnicott que universalizou essa função para além da figura da mãe biológica, podendo assim ser exercida por outras pessoas. Desta forma, é a relação mãe-bebê que pode ser reeditada na versão analista-paciente, que opera no manejo clínico proposto por ele com pacientes regredidos (WINNICOTT, 1954, p. 384).

Portanto, se entendemos que é na relação com a mãe que o bebê se constitui como pessoa, também será na relação analítica que isso poderá acontecer para aqueles indivíduos que não puderam viver isso durante o seu desenvolvimento.

A expressão "na relação" será sempre uma constante nesse trabalho. Assim como não existe um bebê sem alguém que cuide dele, na relação analítica também se realizará um trabalho da dupla, da parceria analista-paciente, para que o percurso da análise possa acontecer. A presença do outro, nem que seja apenas testemunhando a tristeza e o caos interno, pode dar um contorno e um sentido a essas vivências.

Até aqui, como já mencionei, procurei estabelecer paralelos entre conceitos de Marty e Winnicott. A seguir, proponho destacar alguns aspectos importantes que caracterizam suas práticas clínicas.

Na obra A psicossomática do adulto, Marty apresenta a investigação psicossomática como um instrumento importante para o estabelecimento de um diagnóstico que possa dar conta tanto do aspecto psíquico quanto somático do paciente. Nessa entrevista, o "investigador" deve ficar atento a todos os detalhes do paciente, desde a maneira como ele chega, como está vestido, sua mímica e, claro, a forma e o conteúdo de sua fala. O objetivo dessa entrevista é obter o maior número de informações para definir a melhor conduta terapêutica a ser indicada ao paciente (MARTY, 1993, p. 47-48). Nesse sentido, inclui buscar situações e experiências traumáticas que possam elucidar o surgimento de sintomas e problemáticas patológicas. Também é fundamental avaliar o desenvolvimento organizador do pré-consciente, a presença ou não de sonhos e a sua capacidade simbólica (MARTY, 1993, p. 52-54).

Quanto às "psicoterapias psicossomáticas", estas se propõem a "auxiliar os sujeitos a estabelecer ou restabelecer o melhor funcionamento possível de seu psiquismo", estimulando e ajudando na criação de novas possiblidades mentais para o paciente, podendo até mesmo alcançar, no tratamento de alguns casos graves, o que o autor denominou "renascimento psíquico" (MARTY, 1993, p. 57, 59).

Enquanto técnica, se for individual, em geral ela é realizada na posição frente a frente, em que o paciente "pode perceber as atitudes, as ações e as reações do terapeuta, pode fazer gestos facilmente e mudar de postura. O face a face permite ao terapeuta, por outro lado, possibilidades de intervenções não verbais sob forma de expressões, de excitações ou de paraexcitações gestuais ou mímicas" (MARTY, 1993, p. 58).

Normalmente, as sessões ocorrem uma vez por semana, respeitando a fragilidade psíquica que esses pacientes costumam apresentar. Sessões semanais mais numerosas podem ser excessivas e intrusivas (MARTY, 1993, p. 59).

As intervenções do analista são pouco interpretativas, principalmente se o paciente em questão apresentar uma precariedade em seu funcionamento psíquico. Visam, no primeiro momento, "fazer com que desapareçam os estados de aflição e as depressões essenciais, geradoras e mantenedoras de doenças somáticas frequentemente graves..." (MARTY, 1993, p. 66). Com isso, o que está em primeiro lugar é a relação que se estabelece entre o terapeuta e o paciente.

Para Winnicott, o que importa é a capacidade de o analista se identificar com o paciente e, assim, perceber quais são suas necessidades e quando estas são indicadas por ele verbalmente ou pela comunicação não verbal. O analista oferece ao paciente o que este necessita, apresentando-lhe o mundo em doses reduzidas, no ritmo e tempo de cada um.

Ele propõe tipos de manejo diferentes, de acordo com os casos a serem atendidos (WINNICOTT, 1954, p. 375). Para pacientes que funcionam como pessoas inteiras, já integradas, mas que apresentam dificuldades, por exemplo, nos relacionamentos interpessoais, a técnica mais indicada será a psicanálise tradicional.

Já para aqueles pacientes cuja personalidade apenas começou a se integrar, ou que não conseguiram se integrar, o trabalho a ser realizado deve levar em conta o reconhecimento da dependência, pois eles se encontram em um estágio do desenvolvimento emocional ainda bastante precário e vulnerável. O atendimento, nesses casos, deve enfatizar o manejo clínico, suspendendo, pelo tempo que for necessário, o atendimento analítico que habitualmente é realizado pela psicanálise tradicional. Isso vai exigir do analista um procedimento diferente do proposto pela psicanálise clássica. O objetivo mais importante do trabalho analítico, nesses casos, não será "reviver o passado" atualizado na transferência analítica, e sim "viver agora" aquilo que não foi possível ser vivido anteriormente (WINNICOTT, 1963, p. 74).

O manejo clínico com esses pacientes consiste no fornecimento de um ambiente adaptado, que pode ter faltado ao paciente ao longo do seu desenvolvimento. E isso deve acontecer com base na capacidade de o analista ser suficientemente bom e identificar-se com seu paciente e com o que ele necessita. Não é de interpretação que se precisa nesse momento, e sim de acolhimento, escuta e um verdadeiro holding.

As funções maternas de holding, apresentação de objeto, handling e espelho, já citadas anteriormente, agora serão funções do analista, principalmente quando ocorrer a regressão à dependência do paciente.

Como vimos, foi possível encontrar semelhanças também no trabalho clínico proposto por estes autores. Tanto Marty quanto Winnicott ressaltam a importância da função materna exercida pelo analista em seu manejo clínico com seu paciente. Esta função deve ser uma constante durante o atendimento a esses pacientes e consiste em um acompanhamento atento dos estados e dos movimentos deles, em que passos à frente e recuos podem acontecer durante todo o processo. A presença do analista junto de seu paciente é fundamental ao longo do caminho.

Em relação à técnica do manejo, vimos também semelhanças na atitude mais ativa e participativa do analista durante as sessões, utilizando intervenções menos interpretativas, destacando o espaço de escuta e acolhimento, na valorização de sua presença real e na posição face a face. É também função do analista, nesses casos, nomear sentimentos, emoções e afetos não representados nem identificados pelo paciente. E, quando necessário, fazer associações e ligações que o paciente não esteja sendo capaz de fazer. Dessa forma, o analista se oferece, como a mãe o faz, para a construção de um mundo interno, representacional, do paciente.

Concluindo, o propósito deste artigo foi estabelecer um paralelo entre as ideias destes importantes autores, Marty e Winnicott, ressaltando os pontos de encontro entre elas na teoria e na clínica. Abordamos conceitos importantes valorizados por eles em suas teorias, como o desenvolvimento humano, a integração, a importância da primeira relação com a mãe, a regressão e a compreensão de que a doença pode ser um sinal de esperança.

Finalizamos destacando aspectos de suas práticas clínicas, que, como disse Marty a respeito das intervenções clínicas do analista com seu paciente, se desenrolam "da função materna à psicanálise" (MARTY, 1993, p. 63), ideia com a qual Winnicott concorda em toda a sua obra.


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ano - Nº 2 - 2020
publicação: 28-11-2020
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Autor(es)
• Ana Luisa Cordeiro
Departamento de Psicossomática Psicanalítica do Instituto Sedes Sapientiae

Psicóloga. Membro do Departamento de Psicossomática Psicanalítica e do Espaço Potencial Winnicott, ambos do Instituto Sedes Sapientiae.
E-mail: analucordeiro@hotmail.com

Notas

[1] Psicóloga. Membro do Departamento de Psicossomática Psicanalítica e do Espaço Potencial Winnicott, ambos do Instituto Sedes Sapientiae.

Referências bibliográficas

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