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TEMA

PARIS, JANEIRO DE 2020



Cada encontro com Diana Tabacof em nosso grupo de estudos era tão gostoso e enriquecedor que foi instigando em nós o desejo de conhecer pessoalmente o trabalho desenvolvido no IPSO. A ideia foi brotando, tomando forma e, em janeiro de 2020 um grupo de onze psicanalistas, grande parte do Departamento de Psicossomática Psicanalítica, aterrissou em Paris.

Diana, nossa querida anfitriã, organizou com muito cuidado nossas atividades no IPSO - Institut de Psychosomatique Pierre Marty e no Institut de Psychodynamique du Travail, fundado por Christophe Dejours.

Similar ao formato das Jornadas de Sensibilização,[1] com seminários, supervisões e acompanhamento em tempo real de entrevistas de Investigação Psicossomática seguidas de discussão, o programa no IPSO foi uma experiência muito enriquecedora. As investigações e o seminário clínico, coordenados por Diran Donabédian e Claude Smadja, trouxeram-nos instigantes análises. Tivemos também a surpresa de um encontro com Marilia Aisenstein, em que nos falou sobre seu trabalho com a transferência e a contratransferência nos atendimentos de pacientes operatórios. Assistimos à supervisão de dois casos de crianças com Gérard Szwec e tivemos uma aula de história viva da psicossomática na casa de Claude Smadja. Diana Tabacof nos acompanhou nas atividades, contextualizando e apresentando a evolução das ideias do IPSO do ponto de vista teórico e clínico. Uma honra escutar esses grandes mestres da Psicossomática Psicanalítica!

Inesquecível o encontro no Institut de Psychodynamique du Travail com Christophe Dejours, que, com sua sabedoria e sensibilidade, muito generosamente nos falou sobre a evolução de suas ideias. Quis escutar a todas nós e responder às nossas questões; o tempo programado se estendeu por horas. Um deleite!

 

 

Um pouco sobre o funcionamento do IPSO

 

O IPSO Pierre Marty[2] - Institut de Psychosomatique Pierre Marty, fundado por Pierre Marty, Michel Fain, Michel de M’Uzan e Christian David, nos anos 1960, tem como objetivo a transmissão do pensamento e da clínica psicanalítica da Escola de Paris de Psicossomática.

Em 2004, o IPSO foi integrado à L’ASM[3]- L’Association de Santé Mentale du 13º Arrondissement de Paris - Associação de Saúde Mental do 13º Distrito de Paris, da qual fazem parte, entre outros, o Hospital Sainte-Anne[4] e Le Centre Alfred Binet.

O IPSO dedica-se à prevenção e ao tratamento de pacientes com doenças somáticas, com dois centros de assistência: um dirigido a adultos e o outro, a bebês, crianças e adolescentes. Desenvolve, além dos atendimentos, as atividades de formação e pesquisa e a edição da Revue Française de Psychosomatique, na qual são publicados pesquisas, reflexões e debates sobre os principais temas em psicossomática psicanalítica que surgem nas atividades promovidas no IPSO.

O Centro de Ensino e Formação em Psicossomática oferece duas modalidades principais de ensino: "Formação em Psicossomática" de longa duração, para profissionais ligados às sociedades vinculadas à IPA, e "Sensibilização à Psicossomática, de curta duração, para profissionais da saúde.".  

As atividades regulares ao longo do ano e as atividades pontuais são organizadas por Diana Tabacof e Anne Maupass, respectivamente diretora e diretora adjunta da Comissão de Ensino[5] Sensibilização e Formação são atividades contínuas;  como atividades pontuais são oferecidas a Jornada, atividade científica que acontece todo segundo domingo de junho, e os Sábados do IPSO, organizados em dois módulos por ano.

Existem também os Grupos Formadores[6] compostos por, no mínimo, quatro profissionais formados pelo IPSO que atuam em diferentes países e vários Grupos Emergentes, entre eles o Brasil. Esses grupos produzem, entre outras atividades, colóquios a cada dois anos; o próximo está previsto para ocorrer em Buenos Aires.

 

Como chegam os pacientes?

São poucos os pacientes que procuram os serviços espontaneamente ou por algum sofrimento ou sintoma de natureza psíquica. A maioria chega encaminhada pelo médico, em função do aparecimento de algum sintoma somático.

Em seu percurso, o paciente passa inicialmente por um médico, que o encaminha à equipe de psicanalistas e a um consultant. O consultant é um psicanalista institucional com histórico mais sólido, do IPSO ou de outras instituições, como o Centro Binet ou a Sociedade Psicanalítica de Paris. É ele quem recebe o paciente, trabalha as entrevistas da investigação psicossomática, uma ou duas, e envia o paciente para o psicanalista.

As entrevistas são semidiretivas, gravadas e transmitidas simultaneamente em outra sala, para terapeutas do IPSO, colegas de outros departamentos e alunos da formação e sensibilização, para onde se dirige o consultant após a entrevista, para discussão do caso.

Qualquer dificuldade com o paciente - real, médica, hospitalar - não é tratada pelo analista; é enviada para o consultant, que tem uma função clínica muito importante; atua como um terceiro entre o paciente e o analista. Ele cria uma relação com o médico fora do IPSO e, se precisar, com o psiquiatra, e é feita uma reunião de equipe semanal sobre o paciente.

Na unidade de crianças, o consultant vê os pais, a criança com os pais e pode ver individualmente cada um dos pais.

Na unidade de adultos, ao final das entrevistas é feito o preenchimento da classificação P. Marty específica das patologias.[7]

O paciente do IPSO tem diversos dossiês: Clínico, Classificação P. Marty, Médico e Autorização para o vídeo, que não pode sair do IPSO.

 

Nossas atividades no IPSO

 

Dentre nossas atividades no IPSO, participamos de entrevistas de investigação em psicossomática, seminários clínicos, supervisões e encontros teórico-clínicos. Faremos um relato mais detalhado dos encontros com Marilia Aisenstein, Claude Smadja e Christophe Dejours.

 

Acompanhar o rigor metapsicológico das formulações teóricas presentes no trabalho de investigação psicossomática, na clínica, no tratamento e na transmissão de conhecimento proporcionou ao grupo uma experiência muito gratificante, principalmente em relação ao aprendizado que proporcionou. Escutar um colega discorrer sobre um caso com rigor metapsicológico põe em destaque a relação de inerência clínica/teoria, tão cara à psicanálise. As discussões contam com membros do IPSO e de outros departamentos da L’ASM, assim como psicanalistas em Formação e Sensibilização, o que as enriquece muito, ampliando o olhar e as trocas sobre o paciente.

 

Investigação Psicossomática - Smadja e Donabédian

Tivemos a oportunidade de observar duas entrevistas de Investigação Psicossomática: de um jovem adulto, conduzida por Claude Smadja; e de uma mãe acompanhada de seu filho, para quem buscava atendimento, conduzida por Diran Donabédian.

Dessas entrevistas, é importante ressaltar a prevalência da técnica da investigação psicossomática em sua essência, semidiretiva, com espaços para associação do paciente, permitindo a observação de processos mentais e somáticos, a presença ou ausência de associações, a economia psicossomática, expressões corporais, modo de relação e histórico do paciente.[8]

Ao sair da entrevista, Smadja e Donabédian, consultants nesses casos, dirigiram-se à sala onde assistimos ao vídeo da entrevista em tempo real, para discussão do caso com todo o grupo.

 

Supervisões - Gérard Szwec

Acompanhamos a supervisão de Szwec de dois casos muito interessantes de atendimentos de crianças, um deles feito por Emmanuelle Sabouret e o outro, de terapia conjunta pai-mãe-criança, feito por Flore Canavese. Ao acompanhar essas supervisões, ficou bastante marcada a importância da diversidade de olhares com profissionais de vários departamentos e posicionamentos teóricos diferentes, tanto para o paciente quanto para o pensamento clínico.

Foram muito ricas e instigantes as reflexões de Szwec nas supervisões, especificamente no atendimento familiar, em que os pais acabavam sempre perdendo do filho nos jogos. A pergunta que ele levantou sugeria como hipótese um contrainvestimento dos pais sobre a própria agressividade.

 

Seminários Clínicos - Dominique Cupa e Jenny Chan

Participamos de um concorridíssimo seminário clínico orientado por Smadja e Donabédian, com a sala transbordando de gente, o que nos sinalizou a importância desse espaço de trabalho. Nele, assistimos a uma apresentação cuidadosamente elaborada de Dominique Cupa sobre um longo processo terapêutico de um paciente que apresentava uma dor crônica, incluindo uma análise aprofundada do histórico da vida do paciente e do tratamento. Foram muito interessantes as associações teóricas levantadas, como a hipótese da eclosão de "momentos operatórios" em organizações não operatórias. Ou seja, a ideia de que, em momentos de crise, o pré-consciente é "colocado em parênteses", e o paciente pode apresentar sintomas somáticos no lugar de uma somatização.[9]

Outro ponto alto dos seminários foi escutar Jenny Chan discorrer sobre violência e somatização, apresentando seu trabalho com presidiários, em que se referiu a pacientes que, após o delito, podem somatizar ou psicotizar. Generosamente, ela nos deu a dica do site "cairn.info", com acesso à Revue Française Psychosomatique e ao importante trabalho de Christophe Dejours, "Le corps entre ‘courant tendre’ et ‘courant sensuel’", destacando o tópico "L’amour".

 


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ano - Nº 2 - 2020
publicação: 28-11-2020
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Autor(es)
• Denise D. Moreira
Departamento de Psicossomática Psicanalítica do Instituto Sedes Sapientiae
Psicóloga, Psicanalista, Especialista em Psicossomática Psicanalítica;
Rua Artur Azevedo, 1767, cj 127 – São Paulo, SP, Brasil.
denisedmoreira@gmail.com

• Mila Bitelman
Departamento de Psiquiatria PAES – Programa de Atendimento e Estudos de Somatização, Unifesp
Psicóloga, Psicanalista, Aperfeiçoamento em Psicossomática Psicanalítica;
Rua Juquis, 273, cj 44, São Paulo, SP, Brasil.
milabitelman@uol.com.br

• Éline Batistella
Departamento de Psicossomática Psicanalítica do Instituto Sedes Sapientiae
Psicóloga, Psicossomatista e Mestre em Psicologia Clínica;
Rua Gandavo, 236. São Paulo, SP. Brasil.
elineb@uol.com.br

• Ana Maria Soares
Departamento de Psicossomática Psicanalítica do Instituto Sedes Sapientiae
Psicóloga Clínica, Especialista em Análise Corporal, Especialista em Psicossomática Psicanalítica;
Rua Conselheiro Pena, 171 – Cotia, São Paulo. Brasil
ananasoares@yahoo.com.br


Notas


[1] Les Journées de Sensibilisation. As Jornadas de Sensibilização são compostas por dois módulos de 14 horas em finais de semana, para profissionais da saúde.

[2]Institut de Psychosomatique Pierre Marty; http://www.ipso-marty.org

No primeiro Colóquio Internacional de Psychosomatique, em Barcelona, em 2000, nasceu a Association Internationale de Psychosomatique Pierre Marty (AI).

 https://www.psychosomatique-aippm.org/  

[3] L’ASM 13 é organizado em seis departamentos. São eles: Departamento de Psiquiatria de Adultos; Departamento de Psiquiatria de Crianças e Adolescentes; Departamento de Ensino, Pesquisa e Publicações; Departamento Médico-social; Departamento de Psicossomática IPSO P. Marty; Departamento CCTP Jean Favreau. Os centros de consultas da Sociedade Psicanalítica de Paris e do IPSO pertencem à L’ASM.

[4] Centre Hospitalier Sainte-Anne14º Arrondissement, especializado em psiquiatria, neurologia, neurocirurgia, neuroimagem e adição.

[5] Diana Tabacof é diretora da Comissão de Ensino; Anne Maupass é diretora adjunta. Anne Maupass é analista de crianças e supervisora no Centro Binet.

[6] Grupos Formadores: Paris, Argentina, Grécia, Espanha, Toulouse, Aix en Provence. Grupos Emergentes: Brasil, Turquia, Rússia, Londres, New York, Bulgária, Paraguai, Colômbia.

[7] Classificação IPSO Pierre Marty. Ver em: MARTY, P. A psicossomática do adulto. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1993. p. 37.

[8] Sobre investigação psicossomática, ver:

- MARTY, P.; DE M’UZAN, M.; DAVID, C. La Investigación Psicosomatica: Siete observaciones clínicasMadrid: Biblioteca Nueva, 2013.

- SMADJA, C. Los modelos psicoanaliticos de la PsicosomaticaMadrid: APM Biblioteca Nueva, 2013.

- KREISLER, L. A nova criança da desordem psicossomáticaSão Paulo: Casa do Psicólogo, 1999.

[9] No artigo "Contratransferência e transferência em casos difíceis", Marilia Aisenstein fala de sua tendência a diferenciar sintomas de fenômenos somáticos, a partir de um caso clínico. "Seriam os sintomas a projeção de um afeto projetivamente vivido sobre a sensorialidade?", questiona. Disponível em: https://www.scribd.com Acesso em: out. 2020.

Referências bibliográficas

AISENSTEIN, M. Transferência e contratransferência nos casos difíceis. Disponível em: https://www.scribd.com . Acesso em: out. 2020.

 

KREISLER, L. A nova criança da desordem psicossomáticaSão Paulo: Casa do Psicólogo, 1999.

 

MARTY, P. A psicossomática do adulto. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1993. p. 37.

 

MARTY, P.; DE M’UZAN, M.; DAVID, C. La Investigación Psicosomatica: Siete observaciones clínicas. Madrid: Biblioteca Nueva, 2013.

 

SMADJA, C. Los modelos psicoanaliticos de la psicosomaticaMadrid: APM Biblioteca Nueva, 2013.

 

 

 


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