ARTIGOS

Acupuntura: Uma forte Aliada no Controle da Dor


Acupuncture: A strong ally in pain control
Dra. Lucília de Brito Tavares

RESUMO
Dor é um tema enigmático. Trata-se de uma das experiências humanas mais antigas e comuns. Sua forma de descrição, percepção e interpretação difere entre todos os indivíduos. O maior desafio para o tratamento da dor está relacionado aos casos crônicos, pois a dor persistente pode limitar diversas atividades e impactar negativamente na qualidade de vida dessas pessoas. Esses pacientes experimentam o sofrimento físico e emocional por diversas razões, caracterizando o componente afetivo da dor. No entanto, alguns indivíduos podem ter uma predisposição maior ao desenvolvimento de dores crônicas que outros, seja por fatores genéticos ou experiências vividas. Estudos recentes têm permitido uma compreensão maior da fisiologia da dor para o desenvolvimento de novas abordagens para o seu controle. Porém, até o momento, não há um único tratamento que seja eficaz para tratar todos os aspectos da dor crônica, sendo importante o envolvimento de uma equipe multidisciplinar. Pesquisas atuais no campo na neuroimagem possibilitaram a exploração dos efeitos da acupuntura em humanos e permitiram um entendimento melhor dos mecanismos cerebrais envolvidos nesse tipo de terapia. Dessa forma, a acupuntura pode ser uma forte aliada no controle da dor crônica, inclusive em seu aspecto emocional.

Palavras-chave: Dor, Percepção, Sofrimento, Tratamento, Acupuntura.

ABSTRACT
Pain is an enigmatic topic. It is one of the oldest and most common human experiences. Its form of description, perception and interpretation differs among all individuals. The biggest challenge for pain treatment is related to chronic cases, as persistent pain can limit different activities and negatively impact the quality of life of these people. These patients experience physical and emotional suffering for several reasons, characterizing the affective component of pain. However, some individuals may have a greater predisposition to developing chronic pain than others, whether due to genetic factors or lived experiences. Recent studies have allowed a greater understanding of pain physiology for the development of new approaches to its control. However, so far, there is no single treatment that is effective to treat all aspects of chronic pain, and the involvement of a multidisciplinary team is important. Current research in the field of neuroimaging has enabled the exploration of the effects of acupuncture in humans and allowed a better understanding of the brain mechanisms involved in this type of therapy. Thus, acupuncture can be a strong ally in the control of chronic pain, including its emotional aspect.

Keywords: Pain, Perception, Suffering, Treatment, Acupuncture.


Introdução     

                

A presença constante de dor pode propiciar limitações em diversas atividades e impactar diretamente na qualidade de vida de quem experimenta esse tipo de incômodo. Pacientes com dor crônica, persistente, apresentam dificuldades em manter o mesmo desempenho no trabalho ou realizar tarefas domésticas rotineiras como faziam antes da instalação do quadro doloroso. Sem o controle adequado da dor, essas limitações podem predispor o aparecimento de vários sentimentos, como raiva, tristeza, ansiedade, desesperança, medo, impotência e outros. Com isso, esses pacientes tendem a se isolar e, muitas vezes, apresentam alterações significativas em seus relacionamentos, sejam familiares, sociais ou profissionais. Devido a tantas mudanças em suas vidas e sem perspectivas de melhora, o sofrimento se instala e dá origem ao componente emocional da dor.

Diante disso, o objetivo deste artigo é demonstrar que a acupuntura pode ser uma forte aliada no controle da dor; assim como no seu aspecto emocional, com base em estudos recentes, permitindo uma compreensão maior sobre os mecanismos de ação desta técnica milenar.

O entendimento da dor constitui um desafio, e, desde os tempos mais remotos, o ser humano tenta elucidar as razões para a ocorrência de dor e maneiras de controlá-la, pois, apesar de ser uma das experiências humanas mais antigas e comuns, a forma de descrevê-la, percebê-la e interpretá-la é diferente entre pessoas de todas as culturas até os dias atuais (POSSO et al, 2017). Cada indivíduo interpreta a dor de forma única.

Há na história diversas abordagens sobre dor, e, no momento atual, o conceito mundialmente aceito foi publicado em 2020, pela Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP - International Association for the Study of Pain). Refere-se à dor como

 

[...] uma experiência sensitiva e emocional desagradável associada, ou semelhante àquela associada, a uma lesão tecidual real ou potencial. É caracterizada sempre por uma experiência pessoal sendo influenciada, em graus variáveis, por fatores biológicos, psicológicos e sociais. Dor e nocicepção são fenômenos diferentes. A dor não pode ser determinada exclusivamente pela atividade de neurônios sensitivos. As pessoas aprendem sobre o conceito de dor através de suas experiências de vida, e, embora a dor geralmente cumpra um papel adaptativo, ela pode ter efeitos adversos na função e no bem-estar social e psicológico. O relato de uma pessoa sobre uma experiência de dor deve ser respeitado. A descrição verbal é apenas um dos vários comportamentos para expressar a dor; a incapacidade de comunicação não invalida a possibilidade de um ser humano ou um animal sentir dor. (SRINIVASA et al.,  2020, p. 17)

 

O maior risco para a instalação do componente emocional da dor é entre pacientes com dor crônica. Em termos de definição, a dor aguda é caracterizada por uma resposta fisiológica a estímulos nocivos como traumas, cirurgias e algumas doenças. Seu início é súbito, porém com duração limitada e remissão após resolução da patologia de base. Já a dor crônica se estende por um período de tempo maior e pode ou não apresentar relação com a doença de origem; pode haver alteração da sensibilização do sistema nervoso periférico ou central (BALLANTYNE, 2019).

O ponto em que a dor aguda se transforma em crônica é discutível, mas a maioria das definições afirmam que seria entre 3 e 6 meses a partir do início da dor (FILSHIE et al, 2016). Os indivíduos com dor aguda conseguem ter uma analgesia satisfatória com o uso de analgésicos, muitas vezes, simples e com alívio em um curto período de tempo. O problema maior está na dor persistente, que leva os pacientes a um calvário, procurando vários médicos em diferentes especialidades, em uma busca frustrante para receber um tratamento bem-sucedido. Alguns pacientes podem ter predisposição maior ao desenvolvimento de dores crônicas que outros, seja por fatores genéticos ou experiências já vividas. Na ausência de uma patologia que justifique tal condição, com frequência, atribui-se a uma causa psiquiátrica ou até mesmo "fingimento". Por outro lado, a dor constante, que não é diagnosticada corretamente, pode levar esses pacientes a sofrer física e emocionalmente degradações em sua qualidade de vida, notados por um aumento constante e significativo do estresse, que, por sua vez, agrava ou predispõe uma condição psiquiátrica. Além disso, outras situações se somam e agravam ainda mais o quadro, como distúrbios do sono e o imobilismo pelo medo de se movimentar e provocar a dor. O paciente se movimenta menos e fica impedido cada vez mais de conviver socialmente. Há, ainda, o absenteísmo no trabalho, implicando diretamente em questões financeiras; o uso de vários tipos de medicamentos e seus efeitos adversos; a utilização de ferramentas inadequadas de enfrentamento; e a crescente angústia, raiva e depressão pela falta de um diagnóstico e tratamento efetivo. Essa pluralidade de problemas conduz a um esgotamento das emoções, com possível intensificação da dor, caracterizando, assim, o aspecto emocional da dor crônica.

Os pacientes com dor crônica vivem em um mundo complexo, onde o sofrimento atinge também toda a família e amigos, por não saberem ou não entenderem como ajudar. Por outro lado, os profissionais que tratam esses pacientes se sentem muitas vezes impotentes e desapontados, chegando até a desacreditar a veracidade das queixas. Devido a todas essas frustrações, às lacunas em suas vidas causadas pelo tempo perdido durante as crises de dor e aos prejuízos emocionais, esses pacientes necessitam de um acolhimento diferenciado. Cabe ressaltar o envolvimento de uma equipe multidisciplinar, com particular atenção para a abordagem da psicanálise, com evidentes benefícios nesses casos.

Estudos recentes em neurofisiologia da dor permitiram o desenvolvimento de novos medicamentos, intervenções e o uso de técnicas sofisticadas (estimulação da medula espinhal, sistemas implantáveis de entregas de drogas e outros) para o tratamento da dor crônica. Porém, apesar desses recursos avançados, o índice de cura da dor ainda permanece indefinido. A melhora nos aspectos emocionais, físicos e sociais também continua em níveis insatisfatórios (BALLANTYNE, 2019).

 

Entendendo a dor

 

Várias estruturas importantes do tronco cerebral podem estar envolvidas no processamento da dor, como a formação reticular, as áreas gigantocelulares e magnocelulares do sistema reticular medial e a parte posterior do núcleo medial ventral. Danos aos núcleos talâmicos laterais (que recebem estímulos nociceptivos) resultam em prejuízos significativos na localização da dor. O córtex cingulado anterior está envolvido com o componente afetivo da dor e a ínsula na localização, nos aspectos afetivo-motivacionais e cognitivos da dor. O dano à ínsula não influencia o limiar da dor, mas reduz seu componente afetivo, denominado assimbolia da dor. Além disso, a imagem funcional mostrou ativação relacionada à dor nas partes anteriores da ínsula. O giro cingulado parece estar envolvido no processamento da dor e recebe informações dos núcleos talâmicos mediais. A amígdala também desempenha papel na dor, especialmente àquela associada ao medo, ansiedade e depressão. O hipocampo está situado no lobo temporal medial profundo e é importante no processamento da dor e no comportamento relacionado ao aprendizado (FILSHIE et al, 2016).

A elucidação da fisiologia da dor está sendo implementada com um número maior de pesquisas em ciências básicas. Esses estudos têm permitido maior compreensão para o desenvolvimento de novas abordagens no tratamento da dor aguda e crônica. O sistema de dor pode ser caracterizado como um conjunto complexo de vias e uma rede de sistemas com a habilidade de fazer inúmeras alterações neuroplásticas, afetando constantemente o processo. As mudanças na sensibilidade do nociceptor e suas conexões (periféricas e centrais) são essenciais para o processamento da dor e mediadas por uma variedade de compostos e interações neuroimunes. O melhor conhecimento sobre a "matriz da dor" permitiu um entendimento maior do processamento da dor nos centros superiores do cérebro e a interação das áreas que interferem na experiência emocional, discriminativa, cognitiva e geral da dor (FILSHIE et al, 2016).

As técnicas de neuroimagem abrangem uma ampla variedade de tecnologias que possibilitam mapear ou localizar funções, avaliar a morfometria cerebral e investigar a atividade dos neurotransmissores, combinando testes sensoriais e comportamentais pela ressonância magnética funcional (fMRI) (FILSHIE et al, 2016; MARTUCCI e MACKEY, 2018).

Esses estudos possibilitaram uma compreensão melhor do processamento da dor no sistema nervoso central (SNC) humano. Avanços na neuroimagem permitiram demonstrar: 1) que provavelmente os processos do SNC parecem estar alterados em pacientes com dor crônica e 2) a existência de vários circuitos envolvidos na modulação da experiência da dor. Além disso, viabilizaram evidências da forma como a modulação da experiência da dor pode se manifestar por alterações farmacológicas, psicológicas e fisiológicas no SNC e no organismo por meio de processos exógenos e endógenos (MARTUCCI e MACKEY, 2018).

 

A acupuntura e a dor

 

A acupuntura é uma das práticas médicas mais antigas da Medicina Tradicional Chinesa (MTC), sendo um dos tipos de terapias mais populares em todo o mundo até os dias de hoje. Os chineses notaram que, ao inserir agulhas no corpo e manipulá-las, podia haver efeitos terapêuticos, introduzindo-se, assim, o conceito de acupuntura (IFRIM et al, 2019).

Na China Antiga, há mais de três mil anos, a dor era caracterizada como resultado de um desequilíbrio entre o yin e o yang, duas "forças" opostas e, no entanto, complementares, que interagem entre si de forma dinâmica em proporções exatas (HSING et al, 2019). Nesse sentido, a predominância do yin resulta em ‘han’ (frio), provocando danos ao ‘xing’, forma de uma substância, que atualmente é conhecido como lesão ou dano tecidual, levando ao inchaço. Por outro lado, a predominância do yang resulta em ‘re’ (hipertermia ou calor), que gera danos ao ‘qi’, energia que circula nos 12 meridianos, levando à dor. Provavelmente, essa foi a primeira descrição dos sinais e sintomas de dor nociceptiva e inflamatória na literatura médica. Com base nesse princípio, qualquer tratamento da dor pela MTC, independentemente de abordagens farmacológicas ou não, tem como foco principal o restabelecimento do equilíbrio entre yin e yang, incluindo o uso de analgesia pela acupuntura (CHEN, 2011). As agulhas para acupuntura eram confeccionadas em vários tipos de materiais, como pedra ou cobre, e inseridas em pontos específicos, localizados ao longo dos 12 meridianos, com a finalidade de harmonizar e restabelecer o fluxo de energia para eliminar a doença ou dor e restaurar a saúde (POSSO et al, 2017).

À medida que o conhecimento e a compreensão do corpo se desenvolveram ao longo da história, as ideias antigas não foram descartadas, mas absorvidas. Novas evidências surgiram, contribuindo para um melhor entendimento dessa técnica (FILSHIE et al, 2016).

No final dos anos 1960, a acupuntura era considerada pelos profissionais da área da saúde como uma forma de tratamento complementar ou alternativo. Em 1965, Melzack e Wall propuseram a teoria da dor do controle do portão, segundo a qual a compreensão da percepção da dor se baseava em um equilíbrio entre excitação e inibição, ou seja, uma estimulação sensorial poderia inibir um estímulo nociceptivo, mesmo que parcialmente. Essas ideias prevaleceram em todo o mundo nos 45 anos seguintes (FILSHIE et al, 2016).

Na década de 1970, a acupuntura alcançou notoriedade, em especial pela visita do então presidente dos EUA, Richard Nixon, à China, em 1972. James Reston, um jornalista que acompanhava a comitiva, teve uma apendicite aguda e precisou de cirurgia de urgência. Sua dor no pós-operatório foi aliviada com acupuntura. Posteriormente, médicos ocidentais visitaram a China com a finalidade de entender um pouco mais sobre essa técnica. A partir dessa época, houve um impulsionamento nas produções científicas para tentar compreender melhor os supostos mecanismos de ação da acupuntura (FILSHIE et al, 2016).

Outra evidência importante foi a descoberta dos opioides endógenos, em 1974, e a sua relevância com a acupuntura. Níveis elevados de beta-endorfina foram encontrados no líquido cefalorraquidiano humano após a realização da acupuntura para analgesia. Estudos como estes começavam a fornecer uma base fisiológica, e a acupuntura passou a ser utilizada amplamente em vários países (FILSHIE et al, 2016).

Outro fato importante que se destacou na história da acupuntura foram os conceitos de Janet Travell e David Simons sobre dor miofascial e pontos-gatilho. Esses pontos-gatilho miofasciais (PGM), como eram chamados, poderiam ser a causa de muitas dores esqueléticas e foram definidos como "um local hiper irritável dentro de uma faixa tensa de um músculo esquelético" (FILSHIE et al, 2013, p. 71). E, dessa forma, há uma correlação entre os locais dos pontos de acupuntura clássicos e os pontos-gatilho registrados na literatura ocidental (FILSHIE et al, 2016).

 

Como a acupuntura funciona?

 

A acupuntura caracteriza-se pela inserção de agulhas muito finas, estéreis e descartáveis em determinados pontos distribuídos pelo corpo. Através de estudos histológicos, demonstrou-se que há uma rica inervação nesses pontos, que se relacionam diretamente aos músculos esqueléticos, ao tecido conjuntivo, bem como às células com papel neuroimunomodulador (BALLANTYNE, 2019).

As agulhas de acupuntura podem evocar uma sensação peculiar desta técnica, que os chineses denominaram ‘de qi’, que pode ser percebida diferentemente da sensação de picada da agulha, o que evidencia que o nervo foi estimulado satisfatoriamente (FILSHIE et al, 2013).

A acupuntura estimula um reflexo axônio na rede terminal das fibras A-delta, promovendo liberação local de várias substâncias, dentre elas o peptídeo relacionado ao gene da calcitonina (CGRP - calcitonin gene-related peptide), sintetizado no gânglio da raiz dorsal e transportado para a periferia, na direção inversa à transmissão nervosa, promovendo a melhora do fluxo sanguíneo local e otimizando a circulação sanguínea em áreas comprometidas. Ainda através da estimulação de fibras A-delta, há a inibição da via nociceptiva no corno dorsal da medula espinhal, devido à liberação de encefalina, que possui uma potente ação analgésica segmentar. Embora sua função principal seja aliviar a dor, parece haver outros benefícios. Esse efeito segmentar pode ser empregado em condições viscerais, seja dor ou reflexos autonômicos comprometidos (FILSHIE et al, 2013).

A acupuntura passou a receber maior credibilidade na comunidade científica quando ficou demonstrado que sua aplicação leva à liberação de opioides endógenos. Foram identificados quatro peptídeos opioides com ação em diferentes áreas do Sistema Nervoso Central (SNC): a beta-endorfina, encontrada no cérebro e a encefalina, na medula espinhal, ambas liberadas na acupuntura; a dinorfina, no tronco cerebral e na medula espinhal e a orfanina, também conhecida como endorfina, com distribuição para o prosencéfalo, o mesencéfalo e a medula espinhal, com inúmeras funções na nocicepção, no controle autonômico e funções sensoriais. Essas substâncias se correlacionam a diferentes tipos de receptores opioides, e a evidência do seu envolvimento na acupuntura é a reversão dos seus efeitos pela naloxona (FILSHIE et al, 2016).

Outro mecanismo de ação não menos importante é através de um sistema endógeno conhecido como controle descendente inibitório da dor, com um amplo poder de analgesia. Há liberação de beta-endorfina e pelo menos dois tratos descendentes são ativados, inibindo a transmissão de vias nociceptivas no corno dorsal da medula em cada nível segmentar. Esse mecanismo envolve a liberação de serotonina, um importante transmissor no controle da dor matriz, e noradrenalina localmente, no corno dorsal (FILSHIE et al, 2013).

Dessa forma, evidencia-se que tanto a liberação de opioides endógenos como o sistema de controle descendente inibitório da dor, ativados pela acupuntura, constituem importantes mecanismos no controle da dor. Diante desse fato, há a possibilidade de utilizar dosagens menores de medicações para o tratamento da dor e, consequentemente, menor risco de efeitos adversos desses medicamentos.

Na eletroacupuntura, as agulhas são conectadas a um estímulo elétrico, e diferentes modos de eletroestimulação podem ser aplicados, com liberação de diferentes peptídeos opioides.  A estimulação de alta frequência (100Hz) é utilizada para fornecer analgesia em quadros álgicos de curto prazo, levando à liberação de serotonina, noradrenalina e dinorfina como neurotransmissores. Já a frequência baixa, de 2-15 Hz, utilizada em quadros dolorosos de longa data, promove a liberação de encefalina e endorfinas. Em ambas as estimulações, a tolerância do paciente é respeitada (FILSHIE et al, 2016).

Estudos recentes, que utilizaram a neuroimagem para explorar os efeitos da acupuntura em humanos, permitiram um entendimento melhor sobre os mecanismos cerebrais envolvidos nesse tipo de tratamento. Pesquisas envolvendo a utilização da ressonância magnética funcional (fMRI), o método mais comum na aplicação da neuroimagem, demonstraram que a acupuntura pode induzir alterações hemodinâmicas nas redes funcionais do cérebro, geralmente associadas a sensações de qi. Nessas circunstâncias, a estimulação por acupuntura provoca a desativação de uma rede límbico-paralímbico-neocortical, que abrange o sistema límbico, bem como a ativação de regiões cerebrais somatossensoriais. Além disso, extensas atenuações de sinal, distribuídas principalmente no lobo temporal medial, no córtex cingulado posterior, no córtex pré-frontal medial e em uma grande parte do córtex parietal, também foram relatadas. A amígdala, uma estrutura relacionada ao componente afetivo da dor, e o hipotálamo apresentam diminuição da ativação durante a estimulação por acupuntura. Esses estudos levam a uma compreensão melhor da fisiologia da dor e da sua relação com os mecanismos de ação da acupuntura (FILSHIE et al, 2016).

 

Acupuntura: uma forte aliada no controle da dor

 

A acupuntura, pelos seus mecanismos de ação elucidados, pode produzir uma variedade de efeitos neurais na medula espinhal, no tronco encefálico, no sistema límbico, no hipotálamo e no córtex. Além disso, pode promover alteração da percepção, da atividade autonômica e das respostas imunológicas. Tem ação também sobre os tecidos no local da inserção. Esses efeitos são importantes para reduzir o impacto da dor crônica. Além disso, também podem modular o sistema nervoso autônomo, tendo influência nos órgãos internos. Como esses conceitos estão cada vez mais estabelecidos, estão sendo realizados estudos para melhor elucidação dos componentes psicológicos (FILSHIE et al, 2016).

Os pacientes com dor crônica precisam de algo mais do que o alívio da dor. Na grande maioria das vezes, há um comprometimento psicossocial e comportamental sobrepondo-se ao quadro álgico nesses indivíduos: "o componente afetivo da dor", seu aspecto emocional, que faz dessa experiência um sofrimento extremo. Em alguns casos, a dor pode provocar uma incapacidade não justificada pela sua intensidade ou reações inapropriadas do ponto de vista emocional, físico ou autonômico (FILSHIE et al, 2013).

Além do controle da dor, os pacientes submetidos ao tratamento com acupuntura também relatam sensação de calma geral, relaxamento que alguns descrevem como um equilíbrio, além de possibilitar a melhora do sono. Essa melhora no bem-estar do paciente com dor crônica é de grande valia, pois permite a esses indivíduos lidar melhor com as queixas dolorosas, que passam a incomodar menos (FILSHIE et al, 2013).

Cada vez mais os pacientes estão buscando auxílio através da Medicina Integrativa, na qual a acupuntura está inserida, que se ocupa do ser humano como um todo, e não somente com o órgão doente. Esses conceitos, aliados a pesquisas científicas recentes, têm gerado maior credibilidade à acupuntura na comunidade médica (HSING et al, 2019).

 

Considerações finais

 

Não há um único tratamento eficaz para tratar todos os aspectos envolvidos na dor crônica, sejam os psicossociais, comportamentais ou contextuais e físicos, os quais influenciam, em alguma medida, a adaptação e as respostas à dor. Dessa forma, para um resultado mais efetivo, constata-se a necessidade da presença de uma equipe multidisciplinar que acompanhe o paciente.

Com o avanço da tecnologia, os tratamentos passaram a ser mais sofisticados e direcionados à causa da dor. Isso tem possibilitado uma intervenção precoce e maiores chances de sucesso no controle do quadro álgico. A acupuntura, apesar de ser uma técnica milenar, faz parte desse contexto, e seus benefícios são claros. Nos últimos anos, o número de estudos clínicos aumentou consideravelmente, inclusive com a utilização da neuroimagem, e esse avanço científico tem possibilitado um entendimento maior dessa prática.

O processamento e as respostas em relação à dor estão relacionados ao sistema límbico. Evidências recentes oferecidas por estudos de imagem sugerem que a acupuntura atua também sobre esse sistema (FILSHIE et al, 2013).  Desta forma, além de ter ação no controle da dor, a acupuntura age também no seu componente emocional.


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ano - Nº 3 - 2021
publicação: 20-11-2021
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Autor(es)
• Dra. Lucília de Brito Tavares
Santos – São Paulo – Brasil

Médica pela Faculdade de Ciências Médicas de Santos. Especialização em Acupuntura médica e área de atuação em dor para médicos pela Faculdade de Medicina - USP. Especialista em Acupuntura médica e área de atuação em dor para médicos pela Associação Médica Brasileira (AMB). Certificado em Acupuntura médica e área de atuação em dor para médicos pela Associação Médica Brasileira (AMB).

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IFRIM, C. F. et al. Acupuncture and_the retrospect of its modern research. Rom J. Morphol Embryol, v. 60, n. 2, p. 411-418, 2019.

MARTUCCI, K. T.; MACKEY, S. C. Neuroimaging of pain: Human evidence and_clinical relevance of Central Nervous System processes and_modulation. Anesthesiology, v. 128, n. 6, p. 1241-1254, jun. 2018.

POSSO, I. P. et al. Tratado de dor: publicação da Sociedade Brasileira para Estudo da Dor. Rio de Janeiro: Atheneu, 2017.

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