RESENHA

Tempos de Encontro, Modalidades e Desdobramentos. VOLICH, R.M. Tempos de encontro: escrita, escuta, psicanálise. São Paulo: Blucher, 2021.

Susan Masijah Sendyk


"Ao ser escutado, pude me escutar". É desta forma que Rubens Volich nos abre a perspectiva de Tempos de encontro: escrita, escuta, psicanálise, deixando clara a importância que o encontro com o outro tem para a constituição da subjetividade e consequente construção das relações.

O autor aborda diversos temas instigantes, embasados em suas experiências e participações em simpósios, colóquios, entrevistas, leituras e periódicos, sempre com temas referentes à psicanálise. No decorrer das 522 páginas, encontramos o desejo de desvendar, registrar, cuidar e transmitir, manifestado em uma escrita densa, clara e que contagia o leitor.

 

1. Parte I. Eu, outro, coletivo

 

O texto começa nos tempos do colégio I. L. Peretz, em um encontro que propicia ao autor sonhar e, assim, entre construção e sonho, ele chega ao Instituto Sedes Sapientiae, no Curso de Psicossomática Psicanalítica. Passa por inúmeras experiências acadêmicas, profissionais, políticas e sociais em São Paulo, Tel Aviv e Paris. Mas, essencialmente, o processo de construção de sua obra tem início nos encontros com amigos, colegas, autores, analistas, alunos, pacientes e consigo próprio, que, conjuntamente à sua capacidade de escutar, lhe rendem interesses, trocas e transformações.

Como Pontalis ressalta, "acontece com os livros o mesmo que com os sonhos ou a transferência: para que eles se façam é preciso que haja uma circunstância que os desencadeie" (PONTALIS, 1990, p. 7). Precisaríamos perguntar ao autor qual teria sido a sua, no entanto, penso que ela esteja relacionada com o cuidado com as experiências originárias e a integridade psicossomática do sujeito; o olhar atento ao outro e ao entorno e como a psicanálise sustenta esses elementos.

Ao longo da leitura, vão ficando claros os efeitos das impossibilidades dos encontros e as falhas que causam, novamente, na constituição da subjetividade, dificultando a condição de desejar e simbolizar, criando no sujeito a necessidade de se adaptar, apartando-o de sua própria história, assim como vemos seus efeitos na expressão das violências, manifestas ou sutis.

As reflexões do autor passam, então, para a constituição do sujeito e seus efeitos no âmbito social. Com o instrumental que a psicanálise oferece, parte da contraposição entre o Complexo de Édipo, que dissolve as ilusões fusionais e institui, a partir da dimensão simbólica da castração, a falta e o sujeito desejante; e a Lei do Desejo, que pressupõe a realização imediata de todas as necessidades, que não pondera a falta, apenas a perfeição e a onipotência, e que é embasamento para a adesão a líderes totalitários e suas leis, que legislam em causa própria.

Rubens Volich reflete sobre a questão do estrangeiro com base em Caterina Koltai (2000). O autor ressalta a dimensão ameaçadora do desconhecido em nossas experiências originárias e diz que as recusamos de maneira instintiva, esclarecendo que, no entanto, elas são condição de nossa existência. Aproximar-se do estrangeiro é ter contato com a própria subjetividade, e essa experiência, "oposta ao processo de dessubjetivação, consiste em conscientizar-se deste outro para, aos poucos, poder torná-lo familiar, reconhecendo nesta experiência o próprio desconhecido" (VOLICH, 2021, p. 115).

Assim, Volich evidencia que a experiência do estrangeiro é a experiência da análise por excelência. Viver a transferência permitirá ao sujeito a descoberta de seus sentimentos dirigidos ao outro e vividos por ele, ou seja, a descoberta do estranho em si. Fica claro que o encontro com o estrangeiro é, antes de tudo, consigo mesmo.

Do ponto de vista coletivo, este não reconhecimento incrementa a discriminação, o preconceito e, no limite, o emprego de soluções totalitárias. No campo da doença mental, esta dificuldade recai na marginalização do doente. Neste sentido, o autor debate a importância histórica do movimento antimanicomial e seus efeitos quando da desinstitucionalização do doente mental. O objetivo deste debate é propiciar novas formas de produção de conhecimento e refletir sobre estruturas de poder que considerem a singularidade e o contexto do doente.

Volich ressalta ainda que, nos últimos anos, temos visto um aumento da intolerância, da polarização e da dificuldade do diálogo, o que coloca em risco o desenvolvimento dos preceitos de igualdade e facilita o surgimento de práticas de exclusão. O autor conclui, então, que "liberdade e respeito às diferenças e ao sofrimento do outro são sem dúvida um antídoto [...] contra os males que buscam degradar e destruir a essência do humano e da vida" (VOLICH, 2021, p. 141).

 

2. Parte II. Escutar, escrever, encontrar

 

Nesta parte, o autor revisita a metapsicologia freudiana como inspiração. Começa abordando a preocupação de Freud (1856-1939) em evitar distorções em suas descobertas, o que fazia com que, periodicamente, escrevesse artigos que retomavam seus conceitos, divulgando-os para o público leigo. Da mesma forma, descreve que as gerações seguintes sempre se preocuparam em divulgar suas ideias para além do campo específico, mas hesitando diante de riscos de deturpações. Com esse cuidado, o autor aborda a importância de um alcance maior da psicanálise em meios sociais, culturais e universitários. Nesta perspectiva, realizou também um projeto de acompanhamento de alunos de Medicina e médicos com vistas a uma constante revisão de suas inquietações profissionais nos atendimentos a seus próprios pacientes.

Ainda sobre Freud, Volich traça um panorama da tradução de sua obra, associando o trabalho de tradução ao trabalho psíquico em suas origens e resgatando a complexidade desse esforço de tradução.

Na linha da pulsão, do desejo e na tentativa de traduzir a mensagem do estranho no campo da psicopatologia, o autor retoma a questão da histeria desde as hipóteses sobre a etiologia inconsciente das perturbações motoras e sensoriais até a falha no desejo da histérica e sua impossibilidade de expressá-lo. Ele discute que, embora essa passagem tenha propiciado a compreensão de que o sofrimento histérico necessita ser escutado e olhado para além do sintoma, ainda vivenciamos um duelo sem espadas, que se observa nas dificuldades de comunicação entre médicos e pacientes. Chama a atenção para os possíveis desdobramentos do desencontro com o sofrimento do outro, que acabam por manter as histéricas escravas do desejo alheio, além de seu papel no agravamento dos sintomas, principalmente quando há uma postura defensiva daquele que se propõe a tratar.

Amplia ainda este fórum ao postular a importância de se contemplar a função erógena do sintoma e a sexualidade do paciente. Ressalta que, a partir da histeria, o corpo passou a figurar como lugar onde se manifestam conflitos psíquicos e aborda ainda as diversas manifestações histéricas na contemporaneidade, como a histeria masculina.

O autor segue com o tema da perversão, resgatando as contribuições de Flavio Ferraz (2005). Inicialmente, aborda que, a partir de Freud, a perversão passa a ser analisada fora do campo do juízo moral, sendo situada como parte integrante da subjetividade e da sexualidade. Ressalta a importância de atentar aos aspectos da sintomatologia e da transferência na perversão, sem destacar uma ou outra especialmente, e descreve os mecanismos de defesa dos perversos, manifestos quando da impossibilidade do recalcamento: a recusa e a dissociação. Esta condição refletirá nas recusas do tempo, das faltas e das falhas. Esta mesma condição de impossibilidade de recalcamento recairá na função do ato como descarga e nas satisfações imediatas diante do prejuízo dos processos de pensamento.

Nos capítulos seguintes, Volich reflete sobre a escuta e a palavra possíveis como formas de lidar com o sofrimento, notadamente no limite da vida e da morte e em situações de adoecimentos graves, quando a capacidade de representação pode estar prejudicada. É proposto que, diante desta especificidade, nasça a palavra como convite para se pensar a dor.

Discute ainda o suicídio nesse contexto do limite, ressaltando que Freud foi precursor ao construir uma metapsicologia que o embasasse. Nesse extremo, em que somos convocados a inúmeros lugares que se encontram na impotência, resta a possibilidade da escuta "como última chance para muitos que ainda hesitam diante do último gesto autodestrutivo" (VOLICH, 2021, p. 254).

Volich segue destacando que somos constituídos na relação com o outro e que, em seus meandros, se engendram "as experiências de amor e de ódio, que permeiam [...] as relações desse sujeito consigo mesmo, com os outros e com o mundo" (VOLICH, 2021, p. 252). Próximo a isso, somos convidados à reflexão sobre nossa reação diante do sofrimento do outro. A necessidade de que ele seja compreendido é ainda o gancho para enfocar a importância do vínculo terapêutico, principalmente no que tange à especificidade de escuta, dos movimentos transferenciais, da impossibilidade de representação, do vazio, da violência, da presença pronunciada do ego ideal e do falso self, que podem se desenvolver em desorganizações psicossomáticas e doenças graves.

O autor coloca, a seguir, a questão do feminino e suas ambivalências entre vulnerabilidade, ingenuidade e delicadeza até força, presença e poder. Ele explica que alguns autores procuraram destacar essa figura, entre eles Freud e Melanie Klein (1882-1960), mas que é a partir de Jacques Lacan (1901-1981) que podemos falar de um deslocamento da organização dessas bases identificatórias frente às profundas transformações atravessadas pelo feminino, notadamente no século XX.

Na sequência, critica o reducionismo do pensamento único e ressalta que as neurociências e a psicanálise correm o risco de resvalar ou permanecer nesse contexto apartado; o autor parte da ideia freudiana do Projeto para uma Psicologia Científica e destaca a saída no diálogo possível entre as áreas do conhecimento na busca por um "campo sonhatório" (VOLICH, 2021, p. 299).

Ao abordar as problemáticas e a necessidade de construção de uma nova metapsicologia relativa aos que são considerados pacientes-limite, discute o delicado trabalho de artesão (no sentido de construir) do analista. Com base nos relatos de André Green, compilados por Talya Candi (2010), Volich resgata os impasses encontrados na clínica dos pacientes não neuróticos, com suas diferentes perspectivas de sofrimento, e enfoca como esse contato diverso diz respeito às funções do enquadre, da transferência e da contratransferência, do ato e do silêncio, além da necessidade de alçar a noção de limite como um conceito e seu entendimento do duplo limite como organizador do psiquismo. Ele reflete, então, sobre questões da prática clínica, estabelecendo paralelos entre a atividade terapêutica e a posição do leitor quando em contato com uma obra que "por vezes se traduz por um excesso, potencialmente traumático e que convoca o leitor a uma perlaboração, suscitando novos discursos" (VOLICH, 2021, p. 343).

Ao finalizar o tópico, Volich busca inspiração na vivacidade das experiências infantis de encenação de Joyce McDougall, nos encontros viabilizados com autores de diferentes escolas de psicanálise, no contato com o eu, com o corpo e com o mundo. Refletindo sobre as possíveis montagens para cada sujeito, afirma que "Joyce buscou articular as dinâmicas resultantes do encontro traumático com a sexualidade com as origens e as condições do desenvolvimento dos processos de diferenciação do psicossoma" (VOLICH, 2021, p. 357).

 

3. Parte III. Clinicar, transmitir e cuidar

 

Nesta parte, o autor discute a questão da especialidade para o psicanalista, defendendo a ideia de que esta condição, construída na tentativa de aplacar angústias geradas por crises de identidade, apresenta o risco de este profissional "perder a sua posição de escuta, de observação e descoberta do inconsciente" (VOLICH, 2021, p. 416).

Na sequência, ele descreve o encontro entre aquele que sofre e aquele que acolhe, e a poesia inerente quando há a possibilidade desse acolhimento. Para isso, parte da relação entre médico e paciente e seus desdobramentos, quando a eliminação do sintoma é a única forma de tratar, até nos fazer ver que a essência do cuidar está em propiciar a fantasia e o sonho.

Como proposta para evitar um distanciamento e refletir sobre as relações entre as funções educativa e terapêutica, Volich ressalta a importância de interrogar-se sobre o que se passa na totalidade da vida do paciente e da criança, suas fantasias, percepções e afetos. Assim, é possível reconhecer e acolher um pedido de ajuda que nem sempre é claro para aquele que o solicita, seja um paciente, seja uma criança, em um cuidado que dialoga com a função materna. É essa a função de que depende a atividade de fantasiar e a capacidade de representar e que delineia a "economia libidinal do sujeito, suas linhas evolutivas e os movimentos de organização e desorganização de sua economia psicossomática" (VOLICH, 2021, p. 473).

 

4. Considerações

 

Os encontros originais implicam diversas possibilidades, que podem favorecer o enfrentamento de nosso desamparo e nossas faltas, assim como propiciar recursos para nos confrontarmos e tolerarmos tais condições. Isso justifica o cuidado do autor em destacar a importância de nos confrontarmos com nossas vivências e inquietudes, estranhezas e angústias, e de não negligenciarmos, por exemplo, a violência em nós mesmos, muitas vezes colocada para fora, no outro (estranho), pela dificuldade de constatarmos e suportarmos nosso sofrimento.

Dessa forma, a essência do livro Tempos de encontro: escrita, escuta, psicanálise poderia ser resumida no excerto: "A psicanálise nos mostra que a vida é um jogo no qual, para poder ganhar, é necessário antes de tudo, reconhecer que perdemos" (VOLICH, 2021, p. 485). Assim, podemos pensar nas questões do eu, do outro e do coletivo; estar abertos à escuta e à escrita, propiciando o encontro; e, por fim, propor o cuidado, transmitir conhecimento e nos dedicarmos à prática clínica.

A psicanálise é o campo do encontro propriamente dito. É a partir dos encontros propiciados por ela que outros campos podem ser criados, seja o encontro consigo, seja um novo olhar sobre suas origens ou a abertura para sonhar e construir outros tantos encontros. O livro é, então, uma reflexão sobre as modalidades de encontros e seus desdobramentos em aspectos individuais e sociais.


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ano - Nº 3 - 2021
publicação: 20-11-2021
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Autor(es)
• Susan Masijah Sendyk
Departamento de Psicossomatica Psicanalitica do Instituto Sedes Sapientiae

Psicóloga e psicanalista, especialista em Psicologia Clínica pelo Conselho Regional de Psicologia; especialista em Psicossomática Psicanalítica pelo Instituto Sedes Sapientiae; membro do Departamento de Psicossomática Psicanalítica e Membro do Departamento de Psicanálise do mesmo instituto. E-mail: susanms@terra.com.br.

Referências bibliográficas

CANDI, T. S. O duplo limite: o aparelho psíquico de André Green. São Paulo: Escuta, 2010.

FERRAZ, F. C. Tempo e ato na perversão. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2005. (Coleção Clínica Psicanalítica).

KOLTAI, C. Política e psicanálise: o estrangeiro. São Paulo, Escuta, 2000.

PONTALIS, J.-B. A força de atração. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990.

VOLICH, R. M. Revista Brasileira de Psicanálise, v. 47, n. 3, p. 89-102, 2013.

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