ARTIGOS

Como escutar aquilo que um bebê-criança pequena-adolescente-adulto ainda não fala, mas já pode contar?


How to listen to what a baby-small child-adolescent-adult does not speaky yet, but can already tell?
Eloisa Tavares de Lacerda

RESUMO
A escrita deste texto parte do relato de quatro sessões clínicas, de seus efeitos transferenciais e de seus restos – aquilo que resistiu à escuta. O último encontro permite inferir que o relato não fecha questões e leva à pergunta deixada como título. Contudo, na polifonia das vozes, nos fragmentos transcritos do que se fala ou se cala, é possível delinear-se um movimento rumo a um sujeito por vir e à possibilidade de que algo se transmita no que aqui se escreve.

Palavras-chave: Psicossomática Psicanalítica, Transferência, Caso clínico, Infância.

ABSTRACT
The writing of this text is based on the report of four clinical sessions, their transferential effects and their leftovers - that which resisted listening. The last session allows us to infer that the narrative does not close questions, and leads to the question left as a title. Yet, in the polyphony of voices, in the transcribed fragments of what is said or kept silent, it is possible to delineate a movement towards a subject to come, and the possibility that something be transmitted in what is written here.

Keywords: Psychoanalytic psychosomatics, Transference, Clinical case, Infancy.


 

Trabalhar com a prevenção da saúde somatopsíquica da delicada e complexa relação mãe-bebê é tarefa das mais importantes e sérias. Para resgatar, ou mesmo construir, um vínculo forte e sadio desde a mais tenra idade, é preciso contar com o tempo, o espaço físico e profissionais qualificados que possam suportar a angústia dessas cenas iniciais da vida de um bebê e de sua mãe e seu pai. 

Por que falar de angústia? Porque nessa clínica dos primórdios, a linguagem verbal ainda não comparece, e quaisquer intervenções do psicanalista precisariam estar respaldadas na possibilidade de ele poder criar ali, onde a sensorialidade impera, formas de ler, escutar e contar as situações traumáticas desses tempos iniciais, valendo-se de outros recursos que não as palavras, principalmente se também para a mãe as palavras não comparecem.

O que nos move a levar adiante esse trabalho e acolher essas demandas pode ser uma aposta no que Levine (2014) chama, em entrevista ao Jornal de Psicanálise, de presença ativa e transformadora do analista.

Na psique ainda em formação, a sensorialidade serve tanto para captar o mundo e os objetos em volta quanto para se expressar para o mundo. Nessas primeiras trocas entre o bebê e sua mãe e seu pai, a sensorialidade é fundamental.

 

Uma intervenção pontual em quatro encontros

O caso em estudo é de Mauro,[1] um menino de 6 anos, e seus pais. Os atendimentos foram solicitados pela psicanalista de Mauro, uma criança que, segundo ela, apresentava "mutismo". Não se tratava de uma solicitação à psicanalista que sou, mas à fonoaudióloga que havia atuado no campo da neurologia infantil, dos transtornos da sensório-motricidade oral e também da linguagem em seus primórdios (LACERDA, 2017), que pressupõe, conforme Aragão (2018, p. 14), a constituição da subjetividade do bebê "a partir de suas experiências corporais".

 

A sessão com Mauro

Encontro Mauro na sala de espera com sua mãe, que avisa que ele está com rinite alérgica e me entrega o lanche que eu havia pedido para poder observar o funcionamento do aparato fonoarticulatório do menino.

Na sala de espera, ele me puxa pela mão, mostrando que quer entrar sozinho. Assim que entramos, solta minha mão e vai direto para um baú que tem dentro alguns desenhos infantis. Assim que abre, fala, sem me olhar: /di ôto/, e entendo que me diz que o que tem ali dentro é "de outro", e não dele. Digo que é de outro, sim. Ele nem me olha, e fecha o baú.

Surpreendo-me com a possibilidade de ele discriminar o que reconhece como não sendo dele e sinalizar que é de um outro. Apesar do "mutismo", de não "falar com a boca", percebo que já existe nele um percurso do que chamamos de processo de aquisição da linguagem. Penso, então, na importância de indicar à psicanalista e aos pais que Mauro já está fazendo uma passagem de infans a sujeito falante, com sua "fala em constituição". Penso, enfim, em como "traduzir" para eles o que (se) conta (de) Mauro nesse /di ôto/, o que pode se fazer narrativa e se transmitir, como propõe Golse (2003).

A reação de Mauro aos desenhos permite que se levante a hipótese de que ele está na posição de intérprete, ainda que a fala lacônica indique que não. Quando diz /di ôto/, Mauro pode estar "dizendo" o que viu no baú de forma condizente com a situação, mas penso que ainda não sustenta essa posição. Com base no tempo de atendimento, não estou convicta de que ele já seja um intérprete da fala de outro e de sua própria.

Noto a respiração ruidosa de Mauro, o nariz entupido. Sento-me e arrumo seu lanche na mesa ao lado do computador. Sem me olhar, ele pega sua garrafa de suco e toma um pouco, deixando muito líquido escorrer. Em seguida, volta a beber sem deixar escorrer nada. Não me olha, mas sei que está ligado. Vai até a outra mesa da sala, distante da que escolhi, pega um telefone de brinquedo e começa a mexer nele. Falo: Alô, Mauro, é você? Triiimm! Ele não entra na brincadeira e vai se sentar de costas, no outro canto da sala.

Busco uma troca sensorial possível, uma sintonia, no sentido formulado por Boubli (2020), entre ritmos que possam permitir alguma entrada nesses "mutismos". Digo-lhe que mamãe, papai e sua psicanalista me pediram ajuda para saber por que ele não fala com a boca, e pergunto se quer minha ajuda. Ainda sem me olhar, faz alguns sons nasais /hum/, alguns gemidos, e fala duas vezes: /mã/. Então, ele se aproxima, olha para minha roupa e puxa meu fecho ecler, fechando minha blusa até o pescoço. Posteriormente, em conversa com a equipe da instituição em que é atendido, sua Atendente Terapêutica me conta que a mãe dele, quando está em casa, se veste de forma "muito sexy". Penso que /di ôto/ também poderia "dizer" que o que a mãe mostra é "de outro". Sabendo, então, que a mãe tem/teve um namorado, penso que ele pode ter captado essa "mensagem". Mas será que ela poderia mostrar a ele o que é de outro, e não dele?

No computador, Mauro se senta a meu lado, de frente para a tela, e liga o aparelho. Digo que não vamos brincar no computador e desligo. Ele suporta minha intervenção enquanto estamos ali próximos. Mostro-lhe, então, uma folha de papel, e digo que sei um jeito bem legal de você poder me falar sobre suas coisas, porque assim eu vou entender se você quiser me falar. Então, começo a desenhar um menino. Ele olha, entre atento e encantado. Digo que esse boneco é um menino como ele. Depois, desenho uma mulher. Ele não dá muita atenção; digo que é uma mamãe. A seguir, desenho um homem. Ele se mostra interessado - digo-lhe que é um papai, e ele sorri. Desenho, então, um coração e uma casinha, mas ele não se manifesta mais.

Quando resolvo improvisar uma Prancha de Comunicação Alternativa[2] na sessão, ele se interessa: com meu indicador aponto para mim, falando eu; depois, aponto para o coração na prancha, dizendo amo, e, enfim, para a casinha, dizendo casa => eu amo a minha casa. Ele me olha e, na prancha, aponta a casinha, o coração, o papai e, por último, o menino, e me olha novamente. Resolvo arriscar e falo O Mauro ama a casa do papai. Mas ele não confirma. Penso que Mauro talvez não tenha ainda uma organização de pensamento que lhe permita enunciar a frase na ordem, como fazem os meninos da idade dele. Depois me intriga imaginar que ele me disse algo muito importante, mas que se assustou quando eu o "traduzi". E se recolheu.

Continuo pensando que, nesse momento em que me "fala" através da prancha, Mauro se dá conta de que talvez fique exposto, por se ver descolado do desejo de sua mãe. Essa leitura de sua "fala com a prancha" me foi confirmada nas conversas com os pais, pois venho a saber que esse assunto, relacionado ao seu trânsito entre as casas de seus pais, é algo difícil para ele.

Em determinado momento, um dos braços de Mauro "some" dentro da manga da camiseta. Aproveito a situação e inauguro a brincadeira do cadê/achou, e ele dá muita risada enquanto falo: Ué, cadê o braço do Mauro? Braço, cadê você? Tem alguém aí escondido? E procuro atentamente por seu braço na manga da camiseta. Mauro se delicia e recomeça o esconde-esconde! Fica satisfeito a cada vez que digo: Achei! quando seu braço ou sua mão aparece. Até que, de repente, ele para, vem até a minha cadeira, muito próximo de mim e, ainda de pé, se "cola" em mim e se "pendura" no meu colo. Passado o susto de-se-ver-em-meu-colo, ele se levanta, volta para o outro extremo da sala e pega o telefone. Senta-se, agora, virado para mim e arrota algumas vezes, olhando para mim. E eu pontuo: Mauro, dá pra fazer outros sons mais legais com a boca... Dá pra dizer o que você quer fazer agora! O que você acha? Silêncio.

Mauro faz mais "barulhos" e mais sons com a boca, agora sem me olhar. Levanta-se, vai até o baú, senta-se, bate com os pés no baú e me olha. Pergunto se ele quer me dizer alguma coisa e digo que pode falar, se quiser. Então, ele se recolhe e vai para mais longe de mim. Passa a fazer sons vocálicos, aparentemente sem intenção de se comunicar.

No início do encontro, os sons emitidos por Mauro são mais guturais e, ao final da sessão, aparecem alguns sons vocálicos e consonantais, além de risadas, língua para fora e para dentro, boca fechada, em uma postura completamente bem-organizada. Essa movimentação precisa de Mauro com sua boca permite avaliar que seu Sistema Sensório-Motor Oral está íntegro e que, do ponto de vista orgânico/fisiológico, existe a possibilidade de ele usar sua boca para falar. Então, se não o faz, penso que isso se deve a algo mais relacionado à sua subjetivação.

Depois de 40 minutos, Mauro está agora mais recolhido, mas, quando falo: Mauro, vamos chamar a mamãe?, ele me olha, vai até a porta e espera para sairmos juntos. Lá fora já se encontram seu pai e seu irmão Leo, e Mauro mostra satisfação em ficar com eles enquanto sua mãe vem comigo.

 

A sessão com a mãe

Apresento-me, e ela já começa a me perguntar: Você quer saber da história dele? Porque ela já começa antes de ele nascer! Respondo que acho natural, porque as histórias de vida de todas as crianças começam antes de elas nascerem. Ela ri, e eu também. Sinto que ela se descontrai um pouco, mas passa a me contar direto que a alimentação no seio foi até os 4 meses, e, quando foi trabalhar, teve que ir intercalando o leite do peito com outras coisas, tipo frutas e papinhas! Daí até os 10 meses ele se desenvolveu normalmente, e já pronunciava /mamã/, /papá/, /úa/ e /áua/, mas depois parou de falar e ficou assim até os 6 anos! Não sei se foi porque ele começou terapias de fono e de psico e depois parou!

E segue contando que, quando Mauro fez 5 anos, soube da existência de uma instituição de atendimento a crianças. Fomos lá para ele ter um tratamento mais direcionado, e a Dra. Rosa indicou a psicanalista. Antes ele passou dois anos por um tratamento sem evolução alguma! Silêncio. Bom, mas ele ficou mais concentrado... Quando consigo um espaço em sua fala, pergunto pela história dele, insisto em saber o que aconteceu quando Mauro tinha 10 meses. 

A mãe conta que, quando Mauro fez 8 meses, seu pai saiu de casa, porque já tinha outra. Ele dizia que Mauro veio pra prender ele, mas eu não planejei isso, não! Conforme fala desse tempo da gravidez, percebo que está tomada por essa ideia de algo que não nomeia, mas em sua fala aparece como "um golpe" para prender o marido. Falo que é difícil um relacionamento de 14 anos acabar, e que, muitas vezes, entre conflitos, os casais insistem em reativar uma chama que já se extinguiu. Digo que separar não é fácil mesmo.

Ela me dá a impressão de que escuta isso pela primeira vez. E pergunto-lhe: Essa história não teve um momento de amor entre vocês, não? Ela se emociona, mas depois de um tempo quieta volta à história que começou a contar. Leo foi ficar com o pai quando Mauro tinha 10 meses, e eu pontuo: Então, quando ele tinha 10 meses, o irmão saiu de casa! Como foi que isto aconteceu? Foi de uma hora pra outra? Ela diz que procurou um jeito de Mauro não sentir a ausência do irmão, de quem tanto gostava, e resolveu deixá-lo passar o dia com o irmão. Mauro ia todos os dias depois da creche para a casa do pai, e ela o pegava à noite, depois do trabalho.

Procuro dar um contorno a essa mãe, que passou por muitas perdas. Sobre a saída de Leo, ela conta que o filho falou que eu ficaria com três filhos, enquanto o pai dele ficaria sozinho. Então ele disse que eu ficava com dois, e o pai com um. E aí ele se foi... Chora quieta e depois passa a contar que só teve perdas nesse tempo. Vinha se apoiando em sua irmã caçula, que era como uma filha, porque era de uma idade próxima à da minha filha mais velha e estavam sempre juntas. Fico sabendo que, logo depois do fim do casamento, a irmã havia morrido em um acidente de carro, e ela fala, em um fio de voz, que tudo ficou perdido para mim... e chora quieta.

Quando volta a falar, diz que dois meses depois que Leo foi morar com o pai, ela perdeu seu emprego na universidade. Digo-lhe que posso fazer ideia de como deve ter sido tudo muito difícil mesmo. Ficamos em silêncio por um tempo, até que lhe pergunto se ela já fez ou faz análise. Não tenho condições... O pai só paga os mil reais para o Mauro. Somos eu e ela (a filha mais velha do casal) que bancamos a casa... Mas agora ela entrou na faculdade e não vai mais ajudar... Minha análise é Deus mesmo. É com ele que eu falo!  Respondo que isso é bom, se a ajuda. Mas pontuo: Não seria importante falar de suas questões para um analista? Minha questão é o Mauro, ela argumenta, e segue falando: Eu já fiz tudo para ver se está bem. Tudo que se pode imaginar eu já fiz para descartar, e não deu nada: audição é normal; neurológico... e quando der vou fazer um teste de cordas vocais. E volta aos aspectos relacionados à fala e à articulação de seu filho, enquanto fala da dieta atual dele: Hoje é péssima a alimentação dele, porque as coisas que come ele vomita. Só come papinha, pizza, Coca-Cola e banana! O resto ele vomita, e quando vê alguém comendo, ele vomita!

Resolvo finalizar o encontro e pergunto se ainda tem algo a falar ou perguntar, porque agora quero chamar o pai. Eu quero saber por que às vezes ele fala e geralmente não fala? Se ele não tem nenhum problema de audição e nem na boca? No outro dia ele falou /vem Tatá/ para a irmã, e faz coisas como, na falta de luz, ele pega o meu celular e liga, e mostra onde está a lanterna para a irmã! Por que será que ele não fala? Eu tenho medo de ele regredir!

Procuro dar um contorno a essas questões, e encerro sinalizando que irei atender os três juntos no dia seguinte. Pergunto se ela aceita, e de pronto responde que sim, mas que o pai não vai aceitar. Insisto na resposta dela e aviso que vou ligar para confirmar.

 

A sessão com o pai

A conversa com o pai foi mais fácil, porque aparentemente está com a vida mais organizada e parece ter mais espaço para o filho - coisa que não percebi ainda na mãe. Por outro lado, foi difícil, porque o tempo todo fazia "ataques velados" à mãe de Mauro.

Depois que me apresento, digo que quero saber de Mauro. Joaquim me diz: Ele tá na fase de brincadeiras mais de homem, de games e computador! Agora quero brinquedos para a idade dele. Peço que me fale mais dele, da rotina e da convivência com ele. Conta que, até o ano anterior, Mauro ficava com eles (pai e irmão) todos os dias até de noite, quando a mãe ia pegá-lo para dormir na casa dela. Então, diz que Mauro ficava mais tempo com ele que com a mãe. Agora meu contato com ele diminuiu. É só de final de semana, mas depende do que tenho de compromisso, e também fico sempre com ele nas quartas-feiras. Já ameacei a Fátima que, se ela não tiver mais tempo para ele, vou pegar a guarda dele!

Não entro nessas questões, porque sei que é assunto para a analista de Mauro, e volto ao filho deles: Quem falou com Mauro sobre todas essas mudanças na rotina dele? E fico sabendo que ninguém falou nada. Percebe-se aí a perturbação da ritmicidade essencial, de que fala Cicconne (2018), a desorganização da rotina. Contudo, ele não estranha a pergunta e conta que não se casou de novo, mas eu namoro! E moro com Leo, e trouxe minha mãe para morar comigo... Depois que me separei fui para a casa de minha mãe, e, depois que fui para minha casa, chamei ela para morar comigo.

Fala da separação: Foi porque Fátima pensava que família eram os pais dela, mesmo casada comigo! Quando observo que ele também pensou na mãe e está morando com ela, conta que vai se mudar para a praia e deixar a mãe no apartamento da cidade. E completa dizendo que Fátima lutou tanto pela família dela, e agora a família está toda esfacelada! Procuro saber, então, do que é que ele está, de fato, falando, já que a situação dela é terrível! Mas ele não responde, e passa a falar da rotina de Mauro, dizendo que o filho ainda toma mamadeira, mas não comigo! Ele vai ficar com fome, mas não dou mamadeira e nem vitamina! Só coisa para ele comer. Acho que na casa da mãe ele come assim por conveniência dela!

Diz que o filho chama /babai/ quando ele não está perto, e que já tem uma certa autonomia para ir ao banheiro fazer xixi e cocô, mas quem lava ele de chuveirinho sou eu, porque ele ainda não sabe, ainda dou o banho nele. Insisto que ele pode deixar o filho se limpar e tomar banho sozinho, sentir que seus pais confiam que ele pode aprender isso. Depois que me ouve, começa a dizer que não é fácil uma criança usar o chuveirinho. Sugiro o papel higiênico, mas ele me responde: Eu detesto papel, não uso nunca! Contesto, dizendo: Então é uma escolha sua, mas não me parece que ele detestaria usar o papel. Acho mais fácil que aprender a usar o chuveirinho, e, um dia, quando ele for grande, pode decidir se usa papel ou água.

O pai conta que Mauro pede tudo o que quer com gestos, mas não é uma criança como as outras, porque nunca faz escândalos para ter o que quer. Ele sai da Ri Happy sem um brinquedo e sem manha, como faziam os outros dois! Na conversa, pergunto: Você já falou com Mauro que quer que ele fale com a boca? Responde: Já, às vezes eu pego ele e digo: olhe para mim. Eu preciso que você fale comigo! Ele presta atenção, mas não fala nada.

Assim que faz uma pausa e dá um espaço, peço que conte a história de Mauro. Faz-se um longo silêncio. O único filho nosso que foi programado e desejado foi a Tata. Leo não foi programado nem desejado, mas foi curtido quando nasceu... Já foi um choque, apesar de ter chegado num ambiente favorável... Já Mauro não foi programado, nem desejado, e não tinha nem ambiente favorável! Procuro saber mais sobre esse ambiente, e ele começa a contar que em 6 meses morando em casa, sem ter nada com Fátima, ela foi levar os meninos na casa de praia e tivemos uma relação. Seis meses que eu já tava levando uma vida de solteiro! E engravidou... E a morte da irmã dela! Com 1 ano e meio, Mauro já passou a ir direto pra minha casa, porque eu já não morava mais com ela desde os 8 meses dele.

Volto ao assunto da "gravidez não desejada" e à forma como aconteceu. Falo que, mesmo com a separação decidida, eles ainda têm uma aproximação. Pergunto-lhe se não precisaram dessa "reaproximação de corpos" para manter a decisão da separação, afinal, foram 14 anos de casados. Joaquim volta a falar: Três anos antes de Mauro nascer, eu já queria separar, mas, por culpa, não consegui... Procurei ajuda de uma psicóloga por uns nove meses, porque fiquei muito deprimido...

Mantenho-me em silêncio, e ele diz agora que hoje eu tenho muita fé que um dia, tenho certeza disso!, Mauro vai pedir para morar comigo! Fica emocionado, mas a emoção dura pouco, e passa a outro assunto. Barro o outro assunto, dizendo que gostaria de saber o que eles contaram para o filho sobre ele mesmo: Alguém falou ao Mauro sobre a história dele? Sabia que as crianças precisam ser faladas para que venham a falar? Você já me contou duas situações muito importantes da vida de Mauro: a mudança da rotina dele, que deixou de ir para sua casa este ano, e o nascimento dele. O pai me diz: Me lembrei de uma coisa importante. Durante muito tempo, ele ficava vendo o DVD de 1 ano dele! Procuro saber do que se trata: Foi festa de 1 ano? O que tem nesse DVD? Mas ele devolve a questão, perguntando-me se é bom para Mauro ver o filme de novo. Resolvo encaminhá-lo com essa questão para a psicanalista do filho.

No momento de nos despedirmos, pergunto se poderemos fazer um último encontro com eles todos. Digo que gostaria de contar ao Mauro a história dele, mas que preciso saber se seus pais poderão suportar isso sem constrangimentos, para não deixar Mauro aflito. Joaquim é taxativo em dizer que aceita o encontro com uma condição: Se for bom para Mauro, eu topo, porque sei que a psicanalista já batalha com a mãe dele e não muda nada: mamadeira e fralda noturna, tudo igual! Finalizo nosso encontro dizendo que entendi que ele aceitou meu pedido, e ele concorda, entre apreensivo e emocionado.

Ao final, falo do lado positivo de contar a história da concepção de Mauro, pois penso que ele está sentindo falta de saber, que todas as crianças gostam de saber e precisam disso! Noto que fica emocionado. Daí emenda dizendo que sua namorada, a de sempre desde que me separei, foi pela primeira vez passar uma temporada na casa de praia, um mês com eles. Diz que está experimentando essa aproximação. Termino quando ele volta a falar da concepção do filho e de meu pedido, dizendo: Não acredito que um de nós tenha premeditado tudo o que aconteceu entre a gente!

 

A sessão com todos juntos

Mauro chega com sua mãe, e seu pai já está na sala de espera. Ao entrar, Mauro vai direto para o lugar em que ficou sentado na sessão do dia anterior. Sento-me a seu lado. Sua mãe fica ao meu lado esquerdo e de frente para Mauro, e o pai, do lado direito do filho e na minha frente. Noto, antes de começarmos a conversar, que Mauro traz na mão o que parece ser uma garrafinha de guaraná. Depois de sentado, mostra que trouxe uma garrafinha de guaraná, mas que dentro tinha um brinquedo: um pequeno jacaré de borracha que chamo de bebezinho.

Assim que nos sentamos, a mãe tira uma fralda de dentro da bolsa e joga-a na direção do pai. Mauro está com o nariz escorrendo. Imediatamente, como respondendo ao comando da mãe, o pai pega a fralda e limpa o nariz do filho, sem avisar que iria fazer isto. Nesse momento, Mauro se retrai e resolvo intervir, dizendo que Mauro não é um bebê, portanto, não seria adequado o uso da fralda de pano, e nem limpar o nariz dele. Mauro cresceu. E um menino da idade dele já tem condições de limpar o próprio nariz com suas próprias mãos! Noto espanto e constrangimento no olhar de seus pais, mas percebo (e mostro a eles) que Mauro parece estar gostando do que lhes falo. Ouvindo isso, ele sorri para mim. Enquanto procuro "suavizar" essa interdição, pego um lenço de papel e coloco-o na frente de Mauro. Digo-lhe que, se sentir que o nariz está escorrendo, ele pode assoar o nariz com o lenço. Ele fica quieto, mas olha para o lenço.

Noto que Mauro está mais confiante e mais calmo. Percebo que, a cada vez que é convocado como "falante", ocupa esse lugar, para espanto, ou encantamento, dos pais. E Mauro parece saborear tudo isso, pois sua expressão é de prazer! Em determinado momento, seu nariz escorre, e ele não hesita: pega o lenço de papel, me olha, e assoa o nariz. Digo aos três: Olha só como o Mauro cresceu! E olha que ele pode fazer mais coisas do que vocês acham que ele pode! Então, depois de um instante, o pai resolve fazer cócegas no filho. Percebo, pela intensidade da brincadeira e pelo fato de ele não parar quando Mauro procura se esquivar, que aquilo é uma pura descarga desse pai, sua forma de manifestar que está contente com o que o filho já pode fazer.

Resolvo "barrar" a brincadeira. Mostro que Mauro está se esquivando. E esse esquivar-se conta do modo de Mauro mostrar como vivencia essas sensações que atravessam seu corpo e interferem, como afirma Konicheckis (2018), no seu percurso de subjetivação. O pai para com as cócegas, mas pega a mão direita do filho e começa a estalar seus dedos freneticamente. Então me dou conta de que a expressão do pai é de pesar, por ter sido "barrado", impedido de "adentrar" o corpo desse filho. Mas ele insiste no estalar dos dedos, e Mauro retira a mãozinha e se vira para mim, balançando-a, como se estivesse com dor. Imediatamente, digo ao pai que aquele jeito de brincar dói. Ele responde que é brincadeira de macho! E ri nervosamente. Então digo em alto e bom som: Não pode! Ele desconsidera o que digo, e percebo que não é só isso: o fato é que ele não consegue parar. E repito: Não pode!

Nesse momento, percebo que Mauro está meio encantado com esse Não pode! Digo que ele mesmo pode falar para seu pai que isso dói, e que Não pode! E Mauro passa a provocar o pai. Põe sua mão perto das mãos do pai e, quando este tenta pegá-la, me olha e falo Não pode! Ele ri, interessado na brincadeira nova que criamos, e se repete... O pai não se dá conta do jogo do filho e sempre vai ávido pegar sua mão. Até que Mauro diz para o pai em alto e bom som: Não! Nessa hora, ele me procura, satisfeito, e digo que queremos, sim, que ele fale com a boca, porque ele já cresceu e pode falar como um menino! A partir daí, Mauro começa um novo jogo: pega sua mão direita e vai tentando estalar seus dedinhos e me olha para eu barrar. Digo: Não pode, papai, não pode! Só quem pode estalar os dedos de Mauro é ele mesmo! E fazemos esse novo jogo repetidas vezes.

Em outra oportunidade, aproveito para "barrar" também o banho dado por um adulto, o chuveirinho, a fralda noturna e a mamadeira. Tudo isso infantiliza Mauro e ele se ressente, porque já é um menino de 6 anos! Digo-lhes: Mauro quer muito agradar vocês, mas fica numa situação difícil, pois tem que ir contra o que já pode querer: se comportar como um menino da idade dele. Acontece que, para agradar vocês, tem que se comportar como um bebê, e deixar vocês manipularem seu corpo como se o corpo dele não fosse dele ainda.

Sei que isso que passamos juntos nesse encontro é muito pesado e denso, mas sei também que o tempo de Mauro está passando. Procuro mostrar a esses pais o quanto Mauro ainda usa o próprio corpo para "se dizer", e que, se eles também usam seus corpos para dizer/pedir algo, o "falar com a boca" que tanto querem de Mauro - ou não querem? - vai ficar fora da comunicação entre eles. Enfatizo que todas as crianças sempre vão querer corresponder ao que seus pais mostram desejar para elas e procuro aproveitar meus minutos finais com eles para organizar as intensidades que vão aparecendo ali, "em tempo real".

Parece-me que tanto o pai quanto a mãe "investem" alto nesses cuidados que invadem o corpo de seu filho, em nome da higiene, da educação, mas derrapam, porque aparentemente não conseguem investir afetivamente no filho, aprisionado no contexto desfavorável. Nesse contexto, Mauro fica "solto" de sua própria história, difícil, mas que precisa ser contada de forma que ele possa se enganchar nela como um acontecimento que marcou a vida (seu nascimento), e não a morte (o descasamento dos pais). O nascimento dele precisa ainda ser contado e celebrado.

Sinalizo a eles que precisam arranjar um jeito de separar sua história de final de casamento da história do nascimento de Mauro. E digo que vamos contar a história de Mauro para ele agora, que corre de sua cadeira levando seu pequeno-jacaré-bebê e vai sentar-se na poltrona mais distante e de costas para nós três. Eu começo  a contar a história:

Quando o papai e a mamãe estavam vivendo um momento difícil, porque já não conseguiam mais ficar juntos de namorados, eles um dia se encontraram e ficaram com muita vontade de namorar mais uma vez, para saber se ainda queriam continuar juntos. Daí eles ficaram bem juntinhos, namorando, e foi assim, Mauro, que eles fizeram você, nesse dia mesmo! Mas, depois, ficaram confusos e muito tristes, porque o casamento acabou, e nem perceberam que também ficaram muito espantados e contentes, porque você ia nascer. E agora, como me pediram ajuda, estou ajudando vocês a separar a tristeza do fim do casamento e a alegria do seu nascimento.

Quando você nasceu, a mamãe estava muito triste, porque a irmã dela, sua tia, morreu quando você ainda estava dentro da barriga dela. Então a mamãe estava sempre triste e não conseguia dizer pra você que era pela irmã que perdeu, e pelo casamento que acabou. Agora a gente sabe que a tristeza dela não era por você, mas ela estava muito confusa, não sabia falar disso para você! E então o papai foi morar numa outra casa, porque ele já ia se mudar mesmo. Só não se mudou logo, porque você nasceu, e ele preferiu ficar mais tempo com você, que era um bebê fofinho...

Enquanto eu contava essa história tão difícil, Mauro se virava de longe e me olhava nos olhos. Da posição em que estava, somente eu podia vê-lo e saber que estava conectado conosco. Falando baixinho, eu ia sinalizando a seus pais a cada vez que Mauro se virava para olhar e/ou nos ver todos ali. Quando finalizo a "historinha de Mauro", ele já está sentado de frente para mim, segurando com cuidado seu pequeno-jacaré-bebê. 

Nesse momento, percebo que seu pai e sua mãe estão muito emocionados e fico em silêncio, dando esse tempo, que penso ser precioso, a eles todos. Mauro, por algumas vezes, se aproxima de sua mãe, que se queixa de dor no exato momento em que ele a toca. Em outro momento, pega a garrafinha do jacaré e bate de leve duas vezes na cabeça de cada um de seus pais, e eu falo papai e mamãe, nomeando. Faz isso algumas vezes, mas nenhum dos dois se manifesta, então falo: É, Mauro! São seu papai e sua mamãe, mas não são mais namorados, não é? Então ele volta para a poltrona e fica de longe acompanhando a cena.

Percebo que o tempo está terminando, e seu pai é o primeiro a dizer que tem outro compromisso e me pergunta qual a minha impressão do filho dele: É um contexto favorável? Como percebo que não temos mais tempo, arrisco dizendo que aposto que é favorável, sim, porque penso que vocês não "estragaram" o filho de vocês, não! Mas, se vocês não reformularem algumas atitudes na lida com Mauro, se não puderem falar com ele dessa história e de tudo o que já falamos nestes dois dias, pode ser mais difícil ele sair "dessa" sem o apoio de vocês. Acho importante que possam recorrer à psicanalista, que vai poder ajudar muito se vocês puderem unir seus esforços para ajudar seu filho, mesmo que façam isso separadamente! Depois digo: O filho de vocês está íntegro e muito organizado do ponto de vista motor, e com possibilidade de usar adequadamente sua boca tanto para comer quanto para falar. Bem, somos nós, os adultos que investem afetivamente nele, que iremos ajudar Mauro a sair do corpo para o "corpo da linguagem"!

Depois desse fechamento, o pai agradece, se despede e sai. Quando me volto para a mãe, ainda no mesmo lugar, ela diz que também quer me fazer uma pergunta. Para estranhamento meu frente a essa mãe que não conseguiu se deixar tocar pela experiência vivida com o filho, Mauro aproxima o jacaré-bebê do decote da blusa da mãe, mas ela imediatamente o repele. Nesse momento, intervenho, dirigindo-me a Mauro: Ué, Mauro, a mamãe nem sabia o que você queria mostrar e já afastou você! Vamos dizer que você quer mostrar algo a ela? O que será, mamãe, que ele quer falar pra você?

Mauro chega pertinho da mãe, me olha, sorri e começa a enfiar o pequeno jacaré dentro da blusa dela, pelo decote, e, em um gesto meio aflito, vai fazendo-o descer escorregando por dentro da blusa, até que o jacaré-bebê chega na altura da barriga da mãe. Ele se aproxima mais da mãe e, em um movimento único, retira o bebê-jacaré pela barra da blusa, que está quase na altura do sexo de sua mãe, puxando-o como se faz com um bebê ao nascer. Segura-o com suas mãozinhas juntas, com todo o cuidado. Assim que o retira de lá, me olha encantado e esperando que eu diga algo. No mesmo instante, vou dizendo à mãe que o Mauro está nos mostrando que o bebê nasceu: Que bonitinho, Mauro, como ele é fofinho! Ele é todo perfeitinho... e foi você que ajudou ele a nascer. A mãe se emociona com o nascimento desse bebê. E, enquanto ele vem guardar o jacaré na garrafinha, percebo o quanto estou emocionada com o que esse menino foi capaz de (se) contar do que já sabia, mas que precisou ser autorizado a contar, e agora já sabe que será escutado. Falo isso para eles dois.

Despeço-me de Mauro, dizendo-lhe que gostei muito de conhecê-lo e de brincar com ele, porque ele é um menino muito esperto, e reitero que todos nós estamos querendo que ele fale com a boca. Tchau, Mauro... E ele se vai com sua mãe...

E aqui não termina essa história. No tempo que o tempo tem, ela continua. Quem sabe, agora, com esse menino que já sabe contar e se contar.

           
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ano - Nº 4 - 2022
publicação: 26/11/2022
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Autor(es)
• Eloisa Tavares de Lacerda
Departamentos de Psicanálise e de Psicossomática Psicanalítica do Instituto Sedes Sapientiae

Psicanalista. Membro dos departamentos de Psicossomática Psicanalítica e de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae. Fonoaudióloga. Mestre em Distúrbios da Comunicação pela PUC-SP. Professora aposentada da PUC-SP. Implantou e coordenou o curso "Clínica Interdisciplinar com o bebê: A saúde física e psíquica na primeira infância" da Cogeae/PUC-SP (2003-2010). Implantou e coordenou o Serviço de Assistência Relação Pais/Bebê da Derdic/PUC-SP (2004-2011). Implantou o Grupo de Estudos Clínica Psicossomática dos Primórdios do Departamento de Psicossomática Psicanalítica do Instituto Sedes Sapientiae. Autora de dois livros e diversos artigos e capítulos. Organizadora do livro Clínica da constituição do laço: Corpo-linguagem-psicanálise. Atende em consultório particular. E-mail: elolacerda@uol.com.br


Notas


[1] Para proteger a identidade da família e dos profissionais envolvidos, foram usados nomes fictícios para cada um deles.

[2] Esse recurso foi criado para possibilitar a comunicação àqueles que não conseguem falar/escrever, mas que têm linguagem e poderiam se beneficiar usando desenhos, fotos e letras em uma folha. Atualmente já existem sites na internet com pranchas prontas.

Referências bibliográficas

ARAGÃO, R. O. A sensorialidade e os processos de subjetivação. Primórdios, Rio de Janeiro, v. 5, n. 5, p. 13-23, 2018. Disponível em: http://cprj.com.br/publicacoes-cprj-5/. Acesso em: 20 set. 2021.

BOUBLI, M. Entre soma et corps, les dynamiques organisatrices et désorganisatrices du rythme. Journée Rythmes et intersubjectivité. Aix en Provence, França, 2020. [Entre soma e corpo, as dinâmicas organizadoras e desorganizadoras do ritmo. Tradução Viviane Veras.] No prelo.

CICONNE, A. A ritmicidade nas experiências do bebê, sua segurança interna e sua abertura para o mundo. Tradução Antônio Romane. In: ARAGÃO, R. O.; ZORNIG, S. (Orgs.). Continuidade e descontinuidade no processo de subjetivação do bebê. São Paulo: Escuta, 2018.

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LACERDA, E. T. de. A escuta da primeira infância em vivências clínicas: desenvolvimento neuro-sensório-motor e constituição psíquica do bebê. In: LACERDA, E. T. de (Org.). A clínica da constituição do laço: corpo-linguagem-psicanálise. São Paulo: Escuta, 2017.

LEVINE, H. Entrevista. Jornal de Psicanálise, v. 47, n. 87, p. 19-33, 2014. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/jp/v47n87/v47n87a03.pdf. Acesso em: 20 set. 2021.

 


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