DIÁLOGOS IRREVERENTES, NOVO ESPAÇO PARA O DIÁLOGO
por Emir Tomazelli
A evocação platônica contida na idéia dos “diálogos” não é somente imaginária, é nossa disciplina. Mesmo sabendo o quanto nossos egos querem voltar a sua solidão, e ao seu isolamento sabemos que estamos condenados ao diálogo, e é justamente essa aparente contradição o que faz mais interessante estudarmos juntos, pelo diálogo, o tema: relações objetais.
A “irreverência” contida na idéia desses diálogos também nos alegra, pois fornece uma via picante, mais quente, para estudar a psicanálise. Pensamos que os acréscimos culinários revigoram a força da curiosidade e da experimentação. É disso que vivemos: conversas, sabores e riscos!
“Diálogos Irreverentes” são uma série de encontros psicanalíticos que privilegiam o estudo e a expansão do pensamento psicanalítico e particularmente da obra de Melanie Klein.
É um projeto de estudo compartilhado com o público, a respeito dos temas e dos autores que nos cercam e agradam. Ao longo dos próximos anos, procuraremos fazer um percurso de problemáticas que nos significam muito. Retomaremos o corpo, o feminino, a insanidade como equilíbrio psíquico e a saúde psíquica, a angústia, o conhecimento, a tristeza, o desmedimento, a inveja e o negativo do desejo, o sexual e a verdadeira pulsão agressiva, Eros destrutivo, a verdade, o desejo de não saber e a complexa clínica irracional da contratransferência, serão os alvos futuros.
Desta vez escolhemos o “pai”. Pareceu-nos importante retomá-lo como uma questão do kleinismo. Julgamos, pela posição que ocupa, por esse silêncio que o envolve, que ele não seja objeto menos operante e menos presente, tão óbvio que acaba como que não observado. Pode revelar-se como alucinação, clandestino e insidioso ou apenas como um ícone que anuncia a brutalidade primitiva: não é palavra, é o falo, é o órgão, é imagem e é pura emoção.
Com este pai abrimos o evento, ele é nossa afirmativa primária e nos dá uma direção. Marca o começo de uma longa trajetória. É por isso que a partir do pai fixaremos o início de uma marcha rumo à construção do conhecimento. Tema tão querido de Klein.
Além de recuperar uma tradição, estes encontros estão pensados como uma maneira de constituir um território de debates que sejam instigantes, maduros e não ortodoxos e que dêem suporte a uma discussão viva, atual e aberta ao novo que existe escondido no passado de nosso aprendizado.
O compromisso que temos com o desenvolvimento do pensamento científico é imenso, tão grande quanto nosso desejo de incentivar o estudo cuidadoso e aprofundado das obras que estudamos, pois temos conosco o pressentimento de que ele pode levar à construção de uma clínica mais consistente que revela o rigor no qual está assentada.
Por outro lado, e com o propósito de exercitarmos a expressão de nossas convicções e anseios, queremos trazer a público o reflexo de uma parte significativa do trabalho metapsicológico que vimos desenvolvendo há mais de vinte anos como professores deste departamento, e como psicanalistas que vêm conquistando seu espaço de trabalho e pensamento próprios no campo da transmissão da psicanálise.
Nossos estudos, nossas preocupações, nossa apreensão e nossa compreensão da grande dificuldade que envolve aprender e ensinar psicanálise - e principalmente o pensamento kleiniano - desemboca aqui neste evento com essa problemática. A forma do evento e os nossos convidados fazem parte dessa meditação pública que passa pela transmissão da psicanálise. Que eles sejam hoje a materialização de nosso interesse em mantermos conosco interlocutores capazes de construir pensamentos para pensarmos nossas questões.
Afirmar que Freud antes de tudo, e Bion, Winnicott, Meltzer, Steiner, Rosenfeld, Segal, e tantos outros têm sido nossos parceiros nessa jornada de convívio, seria um mínimo. Eles têm sabido o quanto nós os lemos e tentamos compreendê-los. Afirmar que foram também nossos acompanhantes na dificílima tarefa de digerir Klein é, sem sombra de dúvida, engrandecer estes queridos parceiros contra-fóbicos que nos ajudaram a manter nossa direção e nossa sanidade intelectual, enquanto tratávamos de saber o que estudávamos.
Porém, para nós, o que verdadeiramente queremos agora é prestar-lhes uma homenagem pública ao nosso modo, isto é, fazer-lhes uma exigência de trabalho que faça jus a nossa resistência em aprendê-los. Klein, Bion e Winnicott, esse são os nomes conjurados para falar do pai: esse totem minúsculo.
Não nos escapou, é claro, que estes “Diálogos Irreverentes” são também uma homenagem a Jacques Lacan, a sua figura e ao seu gênio instigante. Temos certeza que ele leu Melanie Klein e, mais que isto, compreendeu-a muito bem, sabendo usá-la a seu modo e a seu favor.
Enfim... esta é a proposta e esta é a reverência que fazemos à psicanálise que estudamos. “Diálogos Irreverentes I”, ao abordar a função do Pai, faz um convite à comunidade psicanalítica e convoca a todos para um “retorno profundo” a Klein. Um retorno consciente às questões radicais que ela levantou.
É desta posição, de sincero respeito e compromisso intelectual com o que nos envolvemos e estudamos, é desta posição que damos como abertos os “Diálogos Irreverentes”.
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