COMUNICADO DO MOVIMENTO ARTICULAÇÃO DAS ENTIDADES PSICANALÍTICAS BRASILEIRAS ACERCA DE NOTA TÉCNICA ENVIADA AO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO - MEC Brasil, 20 de fevereiro de 2022 Na contramão da história da Psicanálise no Brasil e no mundo e da formação séria e ética desenvolvidas por várias instituições psicanalíticas, a notícia da abertura de um curso de Bacharelado em Psicanálise surpreendeu, preocupou e mobilizou a comunidade psicanalítica e a sociedade em geral. A psicanálise é uma prática não regulamentável, uma vez que depende de um rigor ético e lógico próprio a esse campo, implicando assim, uma formação permanente e singular. Embora sua teoria já tenha um lugar historicamente constituído na universidade, os requisitos para que alguém se autorize na sua prática são incompatíveis com diretrizes acadêmicas e curriculares. Assim sendo, a oferta de uma suposta garantia antecipada nos moldes de um bacharelado constitui-se numa oferta enganosa, pois a exemplo do que se passa no campo das artes, o fato de alguém cursar uma graduação nessa área, não faz deste um artista. Com o agravante de que, no caso do psicanalista, o ofício exercido implica lidar com vidas. Diante disso o Movimento Articulação das Entidades Psicanalíticas Brasileiras (que reúne há mais de 20 anos instituições que têm como ponto central sustentar a não regulamentação da psicanálise) vem atuando no sentido de se posicionar contrariamente a esta proposta, assim como a toda e qualquer tentativa de regulamentação da psicanálise. Inicialmente elaboramos um Manifesto dirigido à sociedade em geral esclarecendo nossa posição, subscrito por expressivo número de instituições de formação em psicanálise no Brasil e no exterior, suscitando também manifestações de apoio na mídia (impressa e digital) e nas universidades. No dia 31 de janeiro de 2022, dando prosseguimento às ações cabíveis, enviamos aos órgãos competentes no MEC, a saber, Conselho Nacional de Educação - CNE e Coordenação Geral de Regulação de Educação Superior - COREAD, uma nota técnica fundamentando nossa posição contrária à criação do referido curso, que segue para conhecimento: MOVIMENTO ARTICULAÇÃO DAS ENTIDADES PSICANALÍTICAS DO BRASIL Nota técnica sobre cursos de graduação em psicanálise As instituições abaixo relacionadas formam há mais de 20 anos o grupo de trabalho Movimento Articulação das Entidades Psicanalíticas do Brasil. O objetivo desse Movimento, além de pesquisa e debate a respeito da multiplicidade que caracteriza a formação de um psicanalista, é zelar pela ética e rigor conceitual da psicanálise, tal como proposto e sustentado, desde sua invenção, há mais de um século, por Sigmund Freud, como um ofício não regulamentável. Assim, qualquer tentativa de adaptar a formação do psicanalista aos padrões universitários, seria, por si mesma, uma distorção dos princípios que a regem.
A formação de um psicanalista não se amolda a um curso por tratar-se de experiência singular e permanente, na qual um a um constrói seu próprio e particular percurso, fruto de constante questionamento da sua prática, e em interlocução com psicanalistas com percursos mais avançados. Neste momento, apoiados por cerca de aproximadamente 100 outras instituições, nacionais e internacionais, privadas e públicas, vimos manifestar nosso protesto sobre a apropriação da psicanálise, como objeto de ensino universitário, em nível de graduação, com finalidade de formar pessoas aptas a praticar a clínica psicanalítica. Nosso protesto considera que, ao inventar esse método de investigação do inconsciente, Freud, ilustre neurologista vienense, debruçou-se sobre casos clínicos cujos sintomas não eram explicados pela medicina de sua época e, partindo de rigorosa investigação científica, fiel às observações de sua clínica, deu um passo além, consistindo este no descobrimento do funcionamento inconsciente. Assim, diante de tal descoberta, afastou-se da ciência da época e se aproximou de um seleto grupo de seguidores, com os quais compartilhava suas descobertas clínicas, minuciosamente descritas em sua extensa obra, rico objeto de estudo para todos que se aproximam da psicanálise com vistas a sua prática. Desde o início, o desenvolvimento da psicanálise parte da sua transmissão um a um, com base na discussão teórica, apresentação de casos em supervisão e a análise pessoal, experiências estas apoiadas no conceito de transferência, que envolve uma livre escolha pessoal e um tempo próprio. No seu texto análise leiga, Freud diz: "a análise é leiga: é uma experiência subjetiva, singular, que implica uma ética peculiar" "O saber médico e o modo universitário de transmissão de saber são radicalmente insuficientes, inadaptados, para formar o saber necessário ao futuro analista. Somente a análise pessoal, possibilita a justeza desse saber." Freud e os analistas húngaros, quando solicitados a assumir uma posição no Congresso de Innsbruck, em 1927, acrescentaram: "a ciência analítica não deve ser protegida por diplomas médicos e sim por analistas analisados." Assim, causa-nos estranheza que apesar de se referir à prática secular da psicanálise, a organização de um curso, em nível de graduação, proposta pela Uninter, estar a cargo de psicólogos da área de saúde mental, não tendo sido consultados nenhum dos representantes da psicanálise, promovida há quase 100 anos, no Brasil, por entidades nacionais e internacionais e há cerca de 130 anos em inúmeros países do mundo. Entendemos que o modelo universitário e a lógica acadêmica não só fazem resistência ao discurso analítico, já que não se sustentam no saber não sabido do inconsciente e sim na aquisição do conhecimento; como ainda pretendem, ao final, garantir ao aluno uma capacitação que, por estar apoiada em um saber adquirido, lhe será totalmente inútil diante do inusitado da experiência analítica. Desta forma, entendemos que o programa proposto por este curso enxerta levianamente o nome da psicanálise em temáticas que poderiam se adequar à formação em psicologia clínica, caracterizando uma superposição de competências. Aliás a definição de psicanálise apresentada na proposta do curso, "A Psicanálise estuda o ser humano a partir da análise do inconsciente" está de acordo com a Psicoterapia de base analítica, prática já incluída nas atividades do psicólogo e que não tem a pretensão de formar psicanalistas. É urgente, então, alertar ao incauto e à opinião pública em geral, que a Universidade nada sabe sobre o tornar-se analista que, com sua garantia antecipada pela obtenção de um diploma, ignora a exigência ética de formação permanente, já que, como nos alerta Freud, cada caso deve ser tomado como um caso novo, observado e tratado em sua singularidade.
É impossível formar psicanalistas na Universidade. Este só pode advir de sua experiência no divã com o inconsciente, de sua análise pessoal e formação permanente junto a seus (ím)pares numa Escola de psicanálise. Ressaltamos também que o tempo de uma análise, sendo esta fundamental para a formação de um analista, é variável e imprevisível, motivo pelo qual não é possível o enquadre da formação em um espaço delimitado de tempo. Por todas essas razões, repudiamos veementemente toda iniciativa que desvirtue o estatuto rigoroso, da inserção séria e ética da psicanálise nos diferentes países em que ela vem se desenvolvendo, há mais de um século, por aqueles efetivamente afetados no particular da sua subjetividade, pelo discurso analítico. É imperioso dizer que um curso de bacharelado em psicanálise, ainda que amparado legalmente, distorce a lógica de uma formação válida, incluído que está na onda ultra capitalista de uma transformação do saber inconsciente em mercadoria, fazendo dela mais uma. A ética e o rigor psicanalíticos devem estar acima de qualquer proveito/lucro que se possa obter a partir do legado de Freud. Cabe ressaltarmos que Freud, desde 1914, preocupado com os desvios em relação aos princípios fundamentais da psicanálise, afirmou, em seu trabalho "A História do Movimento Psicanalítico" (1914) que tais desvios não deveriam ser reconhecidos como psicanálise e disse, ainda: ..." cada um tem o direito de pensar e escrever o que quiser, mas não tem o direito de apresenta-lo como uma coisa que não é". Entendemos que a deturpação da formação, que promete um psicanalista formado a partir de um diploma universitário, se constitui em um sério desvio, com graves consequências para a atividade psicanalítica. Instituições que compõem o Movimento Articulação das Entidades Psicanalíticas Brasileiras :
1. ALEPH Escola de Psicanálise - Belo Horizonte, MG 2. Associação Psicanalítica de Porto Alegre - APPOA 3. Centro de Estudos Psicanalíticos de Porto Alegre 4. Círculo Brasileiro de Psicanálise - CPB 5. Círculo Brasileiro de Psicanálise - Seção Rio de Janeiro - CBP- RJ 6. Círculo Psicanalítico da Bahia - CPB 7. Círculo Psicanalítico de Minas Gerais - CPMG 8. Círculo Psicanalítico de Pernambuco - CPP 9. Círculo Psicanalítico de Sergipe - CPS 10. Círculo Psicanalítico do Pará - CPPA 11. Círculo Psicanalítico do Rio de Janeiro - CPRJ 12. Círculo Psicanalítico do Rio Grande do Sul - CPRS 13. Corpo Freudiano do Rio de Janeiro - Escola de Psicanálise 14. Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiæ - SP 15. Departamento Formação em Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiæ - SP 16. Escola Brasileira de Psicanálise/EBP Escola do Campo Freudiano 17. Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano /EPFCL - Brasil 18. Escola Lacaniana de Psicanálise - Rio de Janeiro 19. Escola Lacaniana de Psicanálise de Vitória 20. Escola Letra Freudiana - Rio de Janeiro 21. Espaço Brasileiro de Estudos Psicanalíticos - EBEP- Rio 22. Espaço Oficina de Psicanálise (Rio) 23. IPB - Intersecção Psicanalítica do Brasil 24. Laço Analítico/Escola de Psicanálise - LAEP 25 Maiêutica Florianópolis Instituição Psicanalítica 26. Praxis Lacaniana/Formação em Escola 27. Sigmund Freud Associação Psicanalítica 28. Sociedade de Psicanálise da Cidade do Rio de Janeiro 29. Tempo Freudiano Associação Psicanalítica - Rio de Janeiro 30. Federação Brasileira de Psicanálise - Febrapsi 31. Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo - SBPSP 32. Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro - SPRJ 33. Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro - SBPRJ 34. Sociedade Brasileira de Psicanálise de Campinas - SBP Campinas 35. Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre - SPPA 36. Sociedade Psicanalítica de Recife - SPRPE 37. Sociedade Psicanalítica de Pelotas - SPPel 38. Sociedade de Psicanálise de Brasília - SPBsb 39. Sociedade Brasileira de Psicanálise de Porto Alegre - SBPdePA 40. Sociedade Brasileira de Psicanálise de Riberirão Preto - SBPRP 41. Sociedade Psicanalítica de Mato Grosso do Sul - SPMS 42. Sociedade Psicanalítica de Fortaleza - SPFor 43 Sociedade Brasileira de Psicanálise de Minas Gerais - SBPMG 44. Associação Psicanalítica do Rio de Janeiro - APERJ 45. Sociedade Brasileira de Psicanálise de Goiânia - SBPG 46. Grupo Psicanalítico de Curitiba - GPC 47. Grupo de Estudos de Psicanálise de São José do Rio Preto e Região - GEP Rio Preto e Região 48. Grupo de Estudos Psicanalíticos de Santa Catarina - GEP-SC
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