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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    15 Dezembro de 2010  
 
 
ARTE

Delicadeza


ELAINE ARMÊNIO (1)

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Oysterpiano (Pianostra), Rebecca Horn, 1992


A exposição da artista plástica alemã Rebecca Horn, denominada "Rebelião em Silêncio", realizada no CCBB-SP em setembro de 2010, trouxe alguns dos seus trabalhos em vídeos, filmes e obras.

Esta exposição me fez refletir um pouco sobre a delicadeza. Primeiro vou me deter em um trabalho dela que parece aludir ao feminino. Esta obra encanta à primeira vista pela delicadeza de sua forma - um piano delicado: hastes finas, dispostas horizontalmente ao nosso olhar, mas perpendicular à parede e alinhadas e ligadas a um suporte preso nela, como pode ser vista na figura. Nas extremidades destas hastes temos conchas abertas, com uma pérola sobreposta no seu interior. Refere-se a questões femininas, do corpo feminino e dos seus ornamentos?! Se assim pode ser pensado, com que beleza e sutileza se dá esta apresentação!

A disposição das hastes e o maquinário de sua estrutura revelam a existência de um movimento tranquilo, suave, que faz supor neste movimento um som, uma música tocada em pianíssimo. Variadas formas de dizer da delicadeza?

Mas, se não temos o som, o movimento faz parte da obra e acontece de tempos em tempos. Há graça e ritmo harmônico na animação que se dá com vagar e movimentos suaves. Traz a lembrança do maquinário e do ritmo de um relógio de corda, que marca o tempo em uma materialidade: dos engates das engrenagens que vão pulsando e fazendo o tempo decorrer se gastando ponto por ponto até finalizar a corda e começar tudo de novo, através da ação externa de um sujeito que manualmente lhe dá corda.

A possibilidade de viver o tempo e poder fruir da sua duração aparece como necessidade, comentário e tentativa de resgate em muitas apresentações da arte contemporânea. Contrapondo-se ao turbilhonamento do tempo e da experiência do excesso, que paralisa o sujeito e desfaz a experiência e a memória.

Em várias de suas obras, que um ensaísta denomina de "máquinas delicadas", encontramos o mecanismo como o do trabalho acima descrito: uma máquina de escrever que bate nas teclas das letras que compõem a palavra inglesa Love (Love Olympia, 2008); um leque de penas que abre e fecha (Roda de pena gigante); borboletas de metal que batem suas asas de um belo azul (Borboletas cinéticas); uma grande tina com água, em uma sala com pouca claridade, em que uma haste perfura a água de tempos em tempos promovendo movimentos concêntricos, que fazem uma dança de luz em um círculo iluminado na parede (Cinema verdade para Pessoa), e muitos outros trabalhos com inspiração semelhante.

Há uma busca pela alma nesta alquimia de mecânica, gestos, riscos, material orgânico e metais, objetos onde o vivo e o inanimado coexistem.

Nesta exposição, em uma mesma sala, encontramos várias destas "máquinas delicadas" e elas se movem cada uma em um determinado tempo, com intervalos que parecem arbitrários, pois não sabemos quando cada uma vai começar se mover, e, quando vai parar e qual outra iniciará seu movimento. Sabemos que voltarão a se mover e ficamos numa antecipação que é feita de espera e de surpresa. Uma expectação infantil que se surpreende e que acha graça a cada vez que os movimentos acontecem.

A delicadeza desses objetos parece ser feita do ritmo suave e tranquilo e da fragilidade desses movimentos que podem cessar. Surgem como obras da ausência, colocam em jogo a ausência e a perda; dialetizam não o visível e o invisível, mas o vivo e o inanimado. O pensar que envolve a perda, a transitoriedade, o efêmero, o frágil é o de uma cultura que, incluindo a perda, faz possível a delicadeza.

A delicadeza faz parte dos começos, dos recomeços, da convalescença, estes gestos tateantes e tímidos do que se está estruturando e do que volta a se fazer depois de uma perda. Os primeiros passos de um nenê e todos os seus movimentos de conhecimento do mundo, as primeiras incursões amorosas na adolescência. Os movimentos de um corpo machucado ou depois de um período de imobilidade. O sentir de uma alma combalida por um luto.

Outros trabalhos da artista Rebecca Horn trazem experimentações em performances que envolvem próteses criativas e a novidade, os movimentos e os gestos delicados que cada uma das próteses propicia. Em uma delas ela faz para suas mãos umas luvas com dedos muito longos (Luvas de dedos), feitas de um material leve, e na performance, usando esta luva, ela tateia o chão, as paredes, os objetos, uma pessoa, com toques muito suaves; em outra performance coloca penas em suas mãos e usa-as para acariciar a outra mão (Dedos de penas); e ainda peixinhos mínimos que passeiam e nadam sobre os pelos do tórax de um homem (Dois peixinhos relembram uma dança). E muitas outras performances experimentais.

Em alguns trabalhos contemporâneos podemos reconhecer movimentos como esses da artista que parecem o início, o recomeço de situações comuns, como em uma dança do grupo da Trisha Brown onde temos um conto de fadas com roupagem futurista, mas onde os gestos são tateantes e tímidos, sensíveis e delicados.

A delicadeza na obra da artista Rebecca Horn me mobilizou a pensar esta qualidade do humano às vezes rara, mas complexa, interessante e difícil de abordar por palavras quando procuramos seus sentidos e sinônimos e não quando a definimos pelo que ela não é - pelos seus antônimos.

Que outros elementos compõem a delicadeza? Com que outras faces se apresenta?


(1) Elaine Armênio é psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae e da equipe editorial do Boletim Online.




 
 
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