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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    22 Setembro de 2012  
 
 
NOTÍCIAS DO DEPARTAMENTO

O RACISMO E O NEGRO NO BRASIL: QUESTÕES PARA A PSICANÁLISE


MARIA CÉLIA MALAQUIAS [1] e MARIA LÚCIA DA SILVA [2]

(...) Há acontecimentos da infância que se inscrevem difusamente, marcas psíquicas que ficam informes, indefinidas, à espera de um acontecimento e que só depois adquirem sentido. Temos então a ideia de um passado que não é fixo, mas que se ressignifica no presente. Nesse “outro tempo” que não respeita a cronologia, nesse tempo do só depois, há movimento - que retranscreve, que articula novos nexos, rearticula as inscrições do vivido - construindo sonhos no dormir, fantasias e pensamentos na vigília. Há movimento das dimensões pulsionais e desejantes que, misturando os tempos, produz novos sentidos. O tempo não passa no sentido do tempo sequencial, em uma direção irreversível, mas, na mistura dos tempos, as marcas mnêmicas nas mãos do “processo primário” condensam-se, deslocam-se e criam novos sentidos.” (Alonso, 2010)



O Seminário Racismo e o negro no Brasil: questões para a psicanálise, realizado em três etapas, de março a junho de 2012, no Instituto Sedes Sapientiae, tem suscitado novos pensamentos psicanalíticos sobre os efeitos do racismo na constituição da subjetividade dos brasileiros, e possibilitado novos sentidos às relações raciais no Brasil.

O Sedes Sapientiae, um lugar de reconhecida importância histórica para o desenvolvimento da psicologia no Brasil, sobretudo com seu trabalho voltado para as questões sociais, seus posicionamentos e atuações em prol de uma sociedade mais justa, através do Departamento de Psicanálise, abriu-se para uma demanda histórica, e contou com uma Comissão Organizadora diversa, composta por alunas, profissionais do Psicodrama e atuantes do Departamento, para a concretização do evento.

Foram três etapas memoráveis que nos possibilitaram refletir, dialogar e compartilhar uma história de mais de três séculos de um regime escravocrata, de violências física, emocional e mental; muitas inquietantes perguntas e alguns esboços de respostas.

A primeira etapa, o sociodrama - vivência do racismo a brasileira: cenas do cotidiano - foi uma vivência intensa, reeditou cenas do cotidiano das relações entre negros e brancos que emergiam num pulsar intenso, silencioso, gritante, doloroso, num estranhamento, numa identificação, num confronto, num desvelar. Os papéis de vitimas e de algozes, defesa e acusação, se alternavam, se desnudavam.

Nas intensidades das revelações, as relações entre negros e judeus emergiram. Seria possível medir o sofrimento de cada grupo? Existe um sofrimento maior que outro?

Uma participante se expressa: essa é uma “aventura perigosa que exige de nós mesmos coragem, delicadeza e inteligência”.

Todos foram tocados por essa vivência sociodramática que evidenciou a emergência de se cuidar das relações raciais, e das feridas abertas. A experiência nos possibilitou reconhecer, nas narrativas dos presentes, as diferentes trajetórias percorridas e compartilhadas e a existência do sofrimento psíquico produzido pelo racismo.

Um desafio se impôs, aceitar a nossa ignorância em relação ao tema, os nossos medos, as nossas descobertas e o nosso desejo de prosseguirmos juntos, atravessando e sendo atravessados por novas constatações e novas formulações, o que foi dando forma ao processo iniciado.

O sociodrama nos manteve aquecidos para as etapas seguintes, as mesas redondas sob os temas Negritude em cena, Cor e Inconsciente, Educação e humilhação racial, Cinema e literatura nos ajudaram a compreender e elaborar esse fenômeno que afeta a todos, brancos e negros, promovendo o alargamento de nossa consciência critica e política.

No percurso, constatamos a complexidade das relações raciais no Brasil, a complexidade da nossa história de relações. Há carência de espaços para se viver estas relações e a partir disto poder refletir como grande grupo: quem fomos, quem somos, o que queremos, como queremos e como podemos reconstruir, refazer, recriar nossas relações?

Nesta perspectiva, entendemos que a sociedade como um todo se torna mais humana, quando ciência e a comunidade se juntam buscando melhores respostas para suas inquietações.

Por ora, sabemos que só estamos começando, portanto cabe a indagação: Como vencer as resistências ainda existentes?

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[1] Psicóloga. Psicodramatista. Mestre em Psicologia Social. Professora do curso de formação em psicodrama Sopsp-Puc. Pesquisadora sobre psicodrama e relações interétnicas.
[2] Psicóloga, Psicoterapeuta, especialista em relações raciais e de gênero. Coordenadora do Núcleo Psicoterapêutico do Instituto AMMA Psique e Negritude. Empreendedora social da Ashoka. Integrante da Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia. Integrante da ANPSINEP - Articulação Nacional de Psicólogas e Psicólogos Negros e Pesquisadores em Subjetividade e Relações Raciais.




 
 
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