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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    23 Novembro de 2012  
 
 
NOTÍCIAS DO CAMPO PSICANALÍTICO

CONGRESSO DE PSICOPATOLOGIA FUNDAMENTAL ACONTECEU EM FORTALEZA


ELAINE ARMENIO [1]


O V Congresso Internacional de Psicopatologia Fundamental: Dietética, corpo, pathos, ocorreu em setembro de 2012. O resultado foi excelente, as pesquisas e textos apresentados trouxeram a riqueza da clínica e interessantes aportes teóricos e a organização foi afinada nos horários e no desenrolar dos trabalhos.

Os participantes, em sua maior parte, eram professores, orientadores e jovens pesquisadores ligados a universidades de várias partes do Brasil. A apresentação dos trabalhos aconteceu nos formatos de cursos, conferências, simpósios, seminários clínicos, pôsteres e das mesas-redondas - que tiveram sempre uma audiência boa e uma escuta ativa, com trocas frutíferas. As temáticas foram abrangentes, oferecendo uma cobertura dos vários ângulos e problemáticas do tema proposto. Uma parte significativa dos trabalhos está disponibilizada on line nos anais do Congresso, no site do Laboratório de Psicopatologia Fundamental.

O lugar do corpo na cultura é central e os ideais contemporâneos perseguem o corpo perfeito. As dietas, o ideal do corpo magro, as intervenções cirúrgicas foram discutidas em seus aspectos sociais, na performance do cotidiano e na mídia.

No universo dos blogs, as figuras da anorexia e da bulimia são plataformas de uma batalha por um estilo de vida cuja estética melancólica tem efeito no semblante, nas roupas e nos corpos esquálidos.

No simpósio A convocação do corpo na clínica psicanalítica, Maria Helena Fernandes apresentou o texto, “O corpo e os ideais na clínica psicanalítica”, discutindo as problemáticas da fetichização do corpo, o corpo ideal como negação do envelhecimento e da morte - um corpo perfeito e inatingível. Na anorexia, a busca de exaltação e de invulnerabilidade.

Muitos trabalhos trouxeram a melancolia presente nas figuras clínicas contemporâneas dos chamados transtornos alimentares: anorexia, bulimia e obesidade. No curso de Ana Cecília Magtaz, Distúrbios da oralidade na melancolia, a tese central é a melancolia definida por Freud como neurose narcísica, que pode estar presente nas neuroses de transferência e na perversão. Outros trabalhos pensam a questão do vazio nestes transtornos -vivido como incomensurável na obesidade e esculpido na anorexia.

O excesso, a dor, o sacrifício e a tortura do corpo presentes em muitas práticas como o ato de se cortar, não se alimentar, exercitar-se de forma exaustiva foram pensados por outros autores. O ato de se cortar foi discutido de forma exemplar nos dois trabalhos de Viviana Venosa. No texto “O corte no corpo na bulimia” (mesa 54) traz o belo relato de um caso clínico em que o ato de se cortar de uma moça acontece frente à dor vivida desde pequena, quando a mãe a abandonou. O corte traz o alívio diante desta dor e faz apelo a que o outro possa ver e cuidar do seu sofrimento. Um episódio conduzido de forma inusitada pela analista abre lugares possíveis para a paciente. No outro trabalho (mesa 53), pensa a metapsicologia do ato de cortar-se. Os dois textos são parte de sua pesquisa de mestrado sob orientação de Nelson da Silva Jr., co-autor destes artigos.

Nelson também esteve presente com um trabalho sobre “Fernando Pessoa e o mal-estar na identificação”. Coordenou algumas mesas de pesquisadores orientados por ele na pós-graduação da USP. As pesquisas apresentadas foram interessantes e são bem estruturadas, como a de Débora F. L. de Moraes, “Sublimação e o duplo efeito da leitura de Clarice Lispector”.

Em duas mesas-redondas os relatos de casos e as pesquisas eram de colegas do PROATA (Projeto de Atenção aos Transtornos Alimentares da Unifesp), do qual Viviana Venosa faz parte e onde eu trabalho como colaboradora. Os casos relatados na mesa 39 por Tereza Cristina B. M. Passos e Adelle M. R. de Sousa são de adolescentes vivendo questões agudas na relação com a mãe, atrapalhadas com a sexualidade e com o processo de identificação da adolescência; são trabalhos que evidenciam a intensidade e a gravidade destas problemáticas contemporâneas. Na mesa 54, Fernanda Carvalho traz a questão do corpo em um caso de anorexia. Maria Castanheira, que também é membro aspirante do Departamento de Psicanálise, apresentou nesta mesa questões sobre a obesidade.

O corpo ideal, perfeito, faz parte fundamental da loucura contemporânea em especial da loucura feminina em quase todas as figuras clínicas e nos transtornos alimentares. Vários trabalhos vão discutir estes ideais e a problemática feminina atual: o corpo magro intensamente almejado, as dietas e preocupações com o corpo ocupando uma centralidade ímpar na vida das pessoas e figurando como questão fundamental do mal-estar contemporâneo. Na mesa 36, Danuza F. de Souza discute a moda, o feminino e a anorexia no trabalho “Anorexia: questões da feminilidade”. Tânia Coelho dos Santos oferece um curso onde discute a insatisfação feminina, elencando fragmentos clínicos e analisando reportagens de revistas femininas de diferentes épocas e cenários culturais e sociais.

Na mesa 84 apresentei o trabalho “A magreza feminina: um ideal moderno?” onde amplio um tópico do meu trabalho anterior, “A estética da magreza” (2008). Discuto a transformação do lugar da mulher na sociedade no final do século XIX através de trabalhos artísticos como a Olympia de Manet e a Casa de Bonecas de Ibsen, fatos sociais como o início do feminismo e as batalhas femininas para conquistar sua inserção no campo de trabalho e nos cursos universitários, assim como o início da luta pelo direito a votar. E, no início do século XX, os desdobramentos e as consolidações destas lutas nos anos 20 – e depois, mais exemplarmente, nos anos 60. Estas transformações são acompanhadas por mudanças na estética do corpo feminino, configurando o ideal da magreza composto por ideários sociais e culturais cada vez mais complexos.

O Congresso inaugurou este ano uma atividade nova – Entrevista com um psicanalista. A convidada deste ano foi Silvia Leonor Alonso, para contar sobre o seu percurso na clínica psicanalítica e Manoel Berlink conduziu a entrevista. O relato de Silvia Alonso sobre o seu percurso na clínica trouxe a riqueza de sua história e de sua atuação como psicanalista e a maneira como esta memória foi compartilhada teceu uma ambiência calorosa e agradável com o público.

Silvia Alonso relatou a sua formação em Tucumán, contando que esta cidade da Argentina, onde foi proclamada a independência do país, é um centro importante de arte e cultura. A formação como psicanalista era uma decisão tomada desde o início da graduação. Durante sua formação, participou de trabalhos pioneiros em hospitais, que acompanhavam os movimentos políticos e novas concepções de atendimento institucional, pois os movimentos sociais, a posição e participação política eram parte integrante de algumas associações psicanalíticas. Com a ditadura na Argentina, a situação ficou muito difícil para os psicanalistas que desenvolviam trabalhos fundamentados em uma política democrática e de esquerda. Silvia resolve mudar de país e vem para o Brasil no final dos anos 70, aonde está desde então.

A transmissão da psicanálise começa cedo no seu percurso e com uma importância fundamental; desde o início se dedica ao ensino da psicanálise. No Sedes, é professora do Curso de Psicanálise desde 1980. A pesquisa sobre o feminino também está presente desde o início de sua carreira. Começa com um trabalho em uma maternidade na Argentina e segue atualmente no Grupo de Pesquisa do Feminino, que configurou e coordena desde 1997 aqui no Departamento de Psicanálise. Esta entrevista não está transcrita nos anais do Congresso, mas quem tiver interesse pode ler on line a entrevista que Silvia Alonso concedeu à Revista Percurso nº 27.

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[1] Psicanalista. Membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae.




 
 
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