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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    24 Abril 2013  
 
 
PSICANÁLISE E POLÍTICA

FECHAMENTO DO CAPS DO PROATA [1]


ELAINE ARMÊNIO [2]


Noticiamos, manifestando nossa indignação, que o CAPS de Transtornos Alimentares do Proata – que desde 2007 atendia de forma semi-intensiva pacientes no CAPS Itapeva - foi fechado no dia 18/03/2013 e sua equipe foi demitida em consequência do encerramento do convênio e dos subsídios deste serviço pelo Estado de São Paulo. Inovador e pioneiro, o PROATA-CAPS oferecia atendimento intensivo e abrangente para casos graves de transtornos alimentares. O Proata continua seu atendimento ambulatorial, mas agora sem esta retaguarda fundamental para acompanhamento dos casos muito graves.

O tratamento era constituído de atividades diversas, como refeição acompanhada, atividades criativas, saídas acompanhadas para programas culturais, atendimento psiquiátrico, psicoterapia individual e em grupo, atendimento aos familiares e orientação nutricional – e realizava acompanhamento diário das pacientes mais graves. O atendimento em equipe multiprofissional permitia que a transferência com os profissionais fosse mais diversificada, possibilitando maior sustentação do caso e evitando que se estabelecesse uma relação de dependência muito grande com um dos profissionais. A realização de saídas acompanhadas e as atividades em grupo possibilitavam que as pacientes pudessem se descolar um pouco da intensidade de sua problemática, podendo viver e investir em outras situações.

A modalidade de atendimento configurada pelo Caps-Proata evitava o desgaste de uma internação e não requeria, em vários casos, um período de longa duração nesta forma mais intensiva de tratamento. As pacientes mostravam melhoras significativas depois de um período acompanhadas nesta modalidade.

Entendemos que o desmantelamento deste serviço pelo Estado de São Paulo desconsidera a importância e a qualidade do atendimento prestado à população e chamamos a atenção para a gravidade da interrupção do tratamento das pacientes que vinham dele se beneficiando, sem destinar tempo hábil para seu devido encaminhamento e suporte.

Na sequência, inserimos um texto da Coordenadora do Proata - que foi postado no facebook deste atendimento e esclarece, de forma abrangente, o serviço prestado pelo Proata e a importância desta modalidade Caps-Proata no atendimento das pessoas que vivem a problemática do transtorno alimentar.



SOBRE A INTERRUPÇÃO DAS ATIVIDADES DO PROGRAMA SEMI-INTENSIVO DO PROATA E A ASSISTÊNCIA A PACIENTES COM TRANSTORNOS ALIMENTARES GRAVES NO BRASIL



ANGELICA CLAUDINO [3]


O PROATA é um programa multidisciplinar que desenvolve atividades de assistência, ensino e pesquisa na área de transtornos alimentares no Departamento de Psiquiatria da UNIFESP desde 1994. O programa é basicamente formado por uma equipe de colaboradores voluntários que dedicam cerca de 8-10 horas semanais na assistência especializada e supervisão de profissionais em treinamento, envolvendo atualmente mais de 30 membros, excluindo-se residentes e estagiários (de Psiquiatria, Psicologia, Nutrição, Nutrologia, Enfermagem, Terapia Ocupacional e Assistência Social). Ao longo destes anos temos prestado assistência com dificuldades, lutando por espaço físico dentro da instituição para conseguirmos realizar nossas atividades assistenciais, mas também de ensino e pesquisa, apesar de representarmos uma das referências na área de transtornos alimentares com reconhecimento em âmbito nacional e internacional. Em função das dificuldades de espaço físico institucional e o fato de contarmos com equipe de voluntários, conseguimos oferecer assistência apenas em dois dias da semana na UNIFESP, o que, tendo em vista a gravidade clínica e psiquiátrica que muitos dos pacientes apresentam (à exemplo aqueles com anorexia nervosa), sempre representou para o PROATA um grande desafio e risco, já que muitas vezes não dispomos de recursos para internar casos mais graves (além da enfermaria geral psiquiátrica do HSP) e dependemos da disponibilidade de leitos no único serviço especializado com enfermaria de transtornos alimentares do país (no HCFMUSP).

Em 2007 conquistamos, finalmente, a oportunidade de expandir nossas atividades e desenvolver um programa semi-intensivo junto ao CAPS-Itapeva, com a contratação de uma pequena equipe multiprofissional de especialistas em transtornos alimentares para atuar no CAPS (2 psiquiatras, 1 psicóloga, 1 terapeuta ocupacional) - além de contarmos parcialmente também com uma nutricionista e uma enfermeira do próprio CAPS. Apesar da equipe estar contratada por cargas horárias pequenas e diferenciadas (entre 10-20h por semana apenas), com muito empenho e esforço de todos, conseguimos distribuir atividades ao longo de praticamente toda a semana e instituir a possibilidade de oferecer um tratamento semi-intensivo para pacientes mais graves, que podiam ser acompanhados e tratados quase diariamente, inclusive realizando refeições assistidas junto à equipe. Desenvolvemos um projeto cuidadoso e individualizado, buscando atender às necessidades de cada caso e prestar assistência humanizada aos pacientes e seus familiares ou cuidadores.

É certo que pacientes com transtornos alimentares graves demandam, assim como pacientes com autismo, mais profissionais para sua assistência, tratamento este que representa, sem sombra de dúvida, um alto custo para os gestores de saúde, já que limita o número de pacientes passível de ser tratado simultaneamente em regime semi-intensivo. Tais pacientes apresentam grande dificuldade em aceitar a alimentação, restrição e seletividade alimentar extrema e uso de métodos purgativos de risco, que demandam reeducação alimentar com reintrodução gradual de alimentos e vigília dos comportamentos. Em função de tais especificidades, e o fato de o CAPS oferecer refeições padronizadas, a equipe de transtornos alimentares teve que mobilizar-se para vencer este obstáculo ao tratamento e adaptar-se às condições e limitações oferecidas. Buscaram-se recursos externos (doações de particulares) que viabilizassem a aquisição de outros alimentos necessários para a reintrodução da alimentação e o fornecimento de suplementos nutricionais, assim como assegurassem a vinda diária de alguns pacientes sem recursos para bancar o transporte ao programa, ou mesmo para a compra de medicações do alto custo, uma vez que tais benefícios não se acham disponibilizados para pacientes com transtornos alimentares (transporte gratuito e certas medicações), apenas para pacientes com outras patologias mentais.

O tratamento de transtornos alimentares representa, mundialmente, um alto custo para os serviços públicos de saúde. Um estudo de 2010 com base em 30 países europeus apontou gastos médios da ordem de 800 milhões de euros anuais para tratamento de transtornos alimentares (Olesen et al 2010). Tais pacientes realizam alta frequência de visitas a serviços de saúde e de necessidade de internação, além de apresentarem grave prejuízo na qualidade de vida, prejuízo este que se assemelha (ou pode ser até pior que) ao de pacientes esquizofrênicos, segundo dados de revisão sistemática de qualidade de vida de pacientes com transtornos alimentares (Tirico et al 2010 – tese de mestrado defendida na UNIFESP). Pesquisas também demonstram que a disponibilidade de tratamento de anorexia nervosa em serviços especializados para transtornos alimentares reduz os custos de tratamento de tais pacientes, em função da redução de necessidade de internações frequentes ou duradouras. A possibilidade de se oferecer todos os níveis de intervenções para pacientes com anorexia nervosa (internação, seguida de hospital-dia e depois tratamento ambulatorial) reduziu os custos por ano de vida “salva” em mais de 30 mil dólares, dado obtido por um estudo que comparou tal programa completo e especializado a um tratamento de rotina e de intensidade limitada (Crow and Nyman, IJED 2004). Por último, serviços de hospital-dia permitem, muitas vezes, que se evite a internação ou reinternação dos pacientes.

Assim, lutando para vencer as barreiras e oferecer um atendimento humanizado e planejado para atender as necessidades e especificidades de cada caso (dentro do possível), tivemos infelizmente que interromper a oferta deste programa semi-intensivo do PROATA no CAPS, em função do estrangulamento dos recursos disponibilizados pela Secretaria de Saúde para assegurar a manutenção de programas de alta complexidade como este que desenvolvíamos no único serviço da rede pública fora do âmbito universitário. Ainda tivemos que realizar o encaminhamento de pacientes junto aos quais, com dificuldades, havíamos obtido o vínculo ao tratamento, já que patologias como a anorexia nervosa cursam com prejuízo da crítica e da noção de doença e de riscos, levando à séria resistência em se tratar e ao agravamento da desnutrição e do risco de vida. Sabemos que muitos destes ficarão por tempo indeterminado sem assistência especializada, em função do gargalo existente nesta área da Saúde Mental, ainda pouco desenvolvida e reconhecida pelas autoridades de saúde em todo o nosso país. Muitas das pacientes em tratamento no serviço achavam-se doentes há muitos anos (até 10 anos), são oriundas de outros estados, sendo que nunca haviam recebido diagnóstico adequado ou tratamento especializado. Tratava-se do único e primeiro CAPS no Brasil a oferecer um programa especializado de transtornos alimentares, com foco não apenas no tratamento médico-psiquiátrico destas condições, mas também na reinserção destes pacientes em atividades sociais e ocupacionais. Além disso, tratava-se de um local de ensino, no qual residentes de Psiquiatria e estagiários de Psicologia e Nutrição realizaram estágios práticos ao longo destes anos, portanto, o programa também tinha como objetivo auxiliar na formação de profissionais em área tão escassa no país.

Entendemos que a impossibilidade de atuarmos oferecendo assistência especializada e intensiva para indivíduos que apresentam não apenas extremos de desnutrição ou obesidade, mas também psicopatologia grave e persistente - 1/3 de pacientes com anorexia nervosa evoluem de forma crônica e cerca de 40 % apenas apresentam recuperação total do quadro, o restante apresentando frequentes recaídas - simboliza o desconhecimento completo e não reconhecimento de uma categoria de doenças com potencial de comprometer gravemente a vida dos acometidos: anorexia nervosa é a doença mental com maior taxa de mortalidade e que aumenta em 12 vezes o risco de morte em indivíduos jovens, assim como aumenta a morbidade nesta faixa etária, idade em que se espera encontrar indivíduos saudáveis. A falta de atenção e preocupação das autoridades de saúde em assegurar o funcionamento e desenvolvimento de serviços preparados para atender tais casos nos causa, enquanto batalhadores pela assistência, ensino e pesquisa na área, grande indignação, mas não desistência da luta pela causa.


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[1] O PROATA - Programa de Atenção aos Transtornos Alimentares do Departamento de Psiquiatria da UNIFESP) atende pacientes com transtornos alimentares na especificidade de como se apresenta cada caso clínico. O tratamento multidisciplinar é realizado por psiquiatras, médico nutrólogo, psicólogos, nutricionistas, terapeuta ocupacional e terapeutas de família. O serviço existe desde 1994 e colegas do Departamento de Psicanálise trabalham atualmente ou trabalharam no PROATA.
[2] Elaine Armênio é psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae e da equipe editorial deste Boletim Online. Participa do Proata como colaboradora no ambulatório há alguns anos e conhece o trabalho realizado pelo serviço na modalidade Caps a partir das reuniões e da discussão de casos. Escreveu este texto acrescentando alguns dados levantados em uma conversa com Denise Achoa Claudino, que era a coordenadora do Caps-Proata.
[3] Coordenadora do Programa de Atenção aos Transtornos Alimentares (PROATA/UNIFESP).



 
 
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