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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    37 Abril 2016  
 
 
EDUCAÇÃO

FICA PREPARADO QUE SE FECHAR, NÓIS OCUPA! [1]


VERÔNICA MENDES DE MELO [2]
CHICO MELO AIRES [3]


Estamos vivendo um dos momentos mais difíceis e complexos de nossa jovem democracia, com riscos para alguns direitos duramente conquistados. Este texto fala de luta, luta tem a ver com potência e tem a ver com esperança. Vamos então iniciá-lo trazendo a notícia de uma pequena conquista, uma conquista no âmbito estadual da luta dos secundaristas. O Comitê de Mães e Pais em Luta fez uma denúncia da violência policial durante os protestos dos secundaristas no Estado de São Paulo na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, com pedido de audiência. O pedido foi aceito e a audiência será em Washington, no próximo dia 7 de abril.

“SP vai transferir mais de 1 milhão de alunos para dividir escolas por séries”

Esta foi a manchete veiculada em 23 de setembro do ano passado pelo jornal Folha de São Paulo e foi assim que alunos, professores e funcionários foram surpreendidos pela “reorganização” escolar pautada pelo Governo do Estado. Apesar do anúncio da mudança, não houve apresentação de um projeto para tal “reorganização” pois, segundo seus idealizadores, a mesma ainda não estava definida.

Após alguns dias, a Secretaria de Educação anunciaria que 754 escolas passariam a funcionar em ciclo único e que 94 seriam fechadas.

A primeira reação foi de críticas pela falta de diálogo com a comunidade afetada pela mudança, que nem conseguia saber como ficaria sua situação no próximo ano letivo.

Em resposta, já em outubro aconteceram atos de rua organizados pelos secundaristas. Com aumento da tensão, a primeira escola foi ocupada, Fernão Dias, em Pinheiros.

O movimento dos alunos foi violentamente reprimido. Essa violência ocorreu, principalmente, por meio de ações policiais, pensadas, comandadas e conduzidas pelo Governo do Estado e pelo tratamento enviesado com que a mídia de massa costuma tratar esses eventos.

Essa tem sido a resposta que o Estado tem dispensado a toda e qualquer mobilização e manifestação populares. É necessário ressaltar que essa violência atinge proporções absurdas quando a manifestação defende pautas não vinculadas a partidos ou grupos econômicos e politicamente poderosos; pautas que se chocam com os interesses do capital.

“Às 12h de hoje (09/10/2015), fomos surpreendidos por um ataque cibernético aos canais de comunicação do coletivo O Mal Educado. Pouco após o final da manifestação que reuniu milhares de estudantes secundaristas na Av. Paulista contra a (des)organização da rede de ensino estadual imposta pelo Governo Estadual, tivemos nossas contas invadidas e senhas alteradas, nossa página do Facebook foi desativada e todas as postagens do nosso blog (desde 2012) foram apagadas permanentemente.” [4]

No início de novembro os alunos mudam o foco das ações e o número de escolas ocupadas cresce rapidamente. Foram mais de 200 escolas ocupadas, não apenas por desacordo com a “reorganização”, mas já incluindo outras pautas em suas reivindicações, como maior participação da comunidade estudantil nas decisões da vida escolar em geral e nos investimentos do Estado na educação.

O governador do Estado certamente não esperava a resistência que encontrou por parte dos alunos, que usaram as redes sociais para se organizar. Não contava com a força e a competência das mídias alternativas que vêm surgindo na contramão do monopólio e do controle da informação. Não contava com a exposição de suas estratégias para desqualificar e liquidar o movimento, que o áudio captado e veiculado pelos Jornalistas Livres [5] veio revelar. O áudio se referia ao conteúdo de uma reunião articulada com 40 dirigentes de ensino do Estado de São Paulo, Fernando Padula - chefe de gabinete do Secretario da Educação do Estado - e apoio da Polícia Militar.

A surpreendente organização dos alunos - na forma de lutar e pautar suas demandas, assim como na gestão das escolas ocupadas - impactou pela forma bem sucedida e coordenada. Impactou pela limpeza e manutenção das escolas, fazendo a comida e organizando eventos. Quanta autonomia dessa garotada!!!

Secundaristas de outros estados do país também se mobilizaram e passaram a ocupar as escolas e fazer atos nas ruas, seguindo o mesmo modelo do movimento paulista. Os estudantes do Brasil são apoiados por estudantes de vários países, que enviam declarações de apoio e solidariedade ao movimento: “Tamo junto!”

A mídia hegemônica de modo geral retratou tais características como algo espontâneo e quase que fantástico, como algo que SE produziu do dia para a noite. Isso não nos parece efeito de uma leitura superficial dos acontecimentos, mas sim de uma leitura ideológica que busca deslegitimar e desqualificar a luta, negando e drenando seu conteúdo histórico.

Experiências estudantis anteriores na América Latina foram grandes referências ao movimento em São Paulo. “Em maio de 2006, o Chile presenciou o surgimento e o amadurecimento do movimento de estudantes secundaristas, que configuraram um processo bastante original de luta, com mais de um milhão de estudantes mobilizados em todo o território nacional. Com protestos de rua e principalmente ocupações de colégios, exigindo não só melhoras na educação, mas também mudanças estruturais no país, os “pinguins”, como são conhecidos os estudantes secundaristas no Chile, se tornaram uma nova força mobilizadora na nação” [6] .

Interessante que a luta chilena se desenrolou de modo bem similar ao que ocorreu em São Paulo. Primeiro os estudantes tomam as ruas, depois passam a ocupar as escolas, a partir das ocupações se fortalecem e saem às ruas novamente. Também derrubaram o ministro da educação.

A partir da Revolta dos pinguins muita experiência se acumulou sobre ocupações, gestão de escolas e auto-organização do movimento estudantil pelas bases e, em conjunto com experiências estudantis argentinas, criou-se a cartilha Como ocupar um colégio, usada pelos secundaristas em São Paulo. Esta orienta e contém indicações de como manter uma ocupação funcional. O ponto máximo para a organização são as assembleias gerais. É o espaço de deliberação soberana e tem como princípio a democracia direta.

Nestas assembleias são organizadas as comissões para supervisionar e cumprir as tarefas necessárias à ocupação, como comida, segurança, limpeza, informação e imprensa. Também se indicam pontos fundamentais para o sucesso da ocupação, como o cuidado com as relações externas, a necessidade de se cumprir os combinados, respeitar a democracia direta e de que atividades sejam tocadas na ocupação tanto para os alunos quanto para funcionários, pais e demais pessoas.

Como forma de garantir o funcionamento pela democracia direta são escolhidos delegados para as diversas funções necessárias à ocupação. Esta função é rodiziada e revogável. Eles devem comparecer sempre à assembleia geral - prestando contas de sua função - para que esta tome suas decisões, as quais eles devem acatar.

Outra referência do movimento secundarista foi o Movimento Passe Livre (MPL), que ganhou a luta em São Paulo contra o aumento das tarifas de ônibus, trem e metrô em 2013 com estratégias de manifestação de rua. Com o acúmulo de suas experiências, militantes do grupo auxiliaram algumas ocupações.

Em meados de dezembro a Defensoria Pública informou que a Justiça de São Paulo suspendeu o projeto de “reestruturação”, reforçando a medida já tomada no início do mês pelo governador. Naquela ocasião, após semanas de ocupações de escolas e protestos, Geraldo Alckmin anunciou suspender a “reestruturação”, dizendo que o ano de 2016 seria de “aprofundamento do diálogo e que os alunos continuariam nas escolas que já estudavam”.

Porém, o ano letivo de 2016 começou com manchetes e imagens de crianças sendo surpreendidas por terem sido deslocadas de suas escolas, com notícias de perseguição a professores e alunos participantes do movimento, fechamento de mais de mil salas de aula, com o escândalo das merendas, repressão à formação dos grêmios etc. etc.

Apesar de prometer diálogo, uma vez mais o descaso, a exclusão, a perseguição e a violência para com a comunidade estudantil marcam as ações do Governo no âmbito da Educação Pública.

Com a palavra, os estudantes:

“O final de 2015 foi marcado por uma grande mobilização dos secundaristas, que lutaram contra a reorganização do sistema público de ensino (do Estado de SP) imposta pelo governador Alckmin. Nós estudantes, mostramos que temos voz e exigimos participar das discussões que nos dizem respeito. Saímos das ocupações, mas não saímos da luta. Temos que nos organizar dentro das escolas para compor esse espaço que é nosso.

O grêmio estudantil é uma das ferramentas para permanecermos unidos e lutando. Ele nada mais é que uma forma de organização dos estudantes dentro das escolas, uma forma de discutir e mobilizar ações de interesse dos estudantes. Essa organização é assegurada pela lei n.739 como um direito do estudante, porém essa mesma lei limita o poder real de mobilização estudantil. Não é à toa que a maior mobilização secundarista dos últimos tempos ocorreu sem a participação dos grêmios regidos pelo Estado. Portanto, uma organização estudantil deve ser decidida pelo conjunto dos estudantes, para que atenda aos interesses destes e não do Estado e seus gestores.

Devemos nos organizar em grêmios para agregar e organizar todos os estudantes de nossas escolas, e como só uma escola não muda nada, devemos unir os estudantes em luta nas nossas regiões por fora da UBES e UMES, que nada fazem por nós. O Comando das Escolas em Luta é uma organização que se formou no processo das ocupações e deve ser construído por todos nós secundaristas! Procure o sub-comando de sua região e lute contra as injustiças que acontecem dentro e fora da sala de aula.”

Assinam o documento Como fazer um Grêmio de Luta: Comando e sub-comandos Centro, Zona Oeste, Zona Leste e Zona Norte

E a luta dos secundaristas segue.

NÃO TEM ARREGO!
OCUPAR E RESISTIR
CADÊ A MERENDA?
IMPEACHMENT DO ALCKMIN!
NENHUMA SALA A MENOS!


Para acompanhagir com os estudantes:
Comando das escolas em luta https://www.facebook.com/comando.escolas/
O Mal Educado https://www.facebook.com/mal.educado.sp/?fref=ts
Sociedade civil pró escolas ocupadas https://www.facebook.com/groups/574330092717074/?fref=ts
Apoio às escolas ocupadas https://www.facebook.com/groups/1509170069381297/?fref=ts
Psicólogos apoiadores das escolas ocupadas https://www.facebook.com/groups/435768633282122/?fref=ts
Virou cinema http://revistatrip.uol.com.br/trip/cineasta-carlos-pronzato-lanca-filme-sobre-a-ocupacao-dos-estudantes-de-sao-paulo
Jornalistas livres – SP, 06 de abril de 2016 https://www.facebook.com/jornalistaslivres/videos/357179317739285/?fref=nf


Curiosidades: Um pedido de impeachment contra o governador foi protocolado no dia 01 de março de 2016 pelo empresário e ativista Felipe Gini. O argumento contra Alckmin é de que ele teria descumprido a lei federal que garante o livre direito a manifestação, quando reprimiu brutalmente os estudantes secundaristas que ocuparam mais de 200 escolas no final de 2015, contra o projeto de reorganização escolar defendido pelo seu governo. Além disso, o empresário acusa o governo estadual de descumprir uma ordem judicial que interrompe a reorganização escolar, após o fechamento de centenas de salas de aula neste ano de 2016 [7].


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[1] Trecho do funk Escola de luta, de autoria de MC Foice e Martelo da ZS, que foi e é muito cantada nos atos dos estudantes. (acesso no link: https://www.youtube.com/watch?v=QvdrLD1RbTI
[2] Psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, integrante do grupo do Feminino.
[3] Estudante de biologia – USP.
[4] Acesso no link: https://www.facebook.com/mal.educado.sp/photos
[5] acesso no link: https://www.youtube.com/watch?v=68qbymS6Xvc
[6] Da “revolta dos pinguins” ver https://www.youtube.com/watch?v=HpqD5B257zo
[7] Acesso nos links: https://medium.com/democratize-m%C3%ADdia/popula%C3%A7%C3%A3o-protocola-pedido-de-impeachment-contra-geraldo-alckmin-3ef76add0184#.vzmazd2yb; http://www.revistaforum.com.br/2016/03/01/protocolado-na-alesp-pedido-de-impeachement-contra-geraldo-alckmin

 




 
 
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