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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    38 Junho 2016  
 
 
NOTÍCIAS DO SEDES

A COMEMORAÇÃO DOS 20 ANOS DO GRUPO ACESSO


CRISTINA BARCZINSKI[1]


O Grupo Acesso – Estudos, Intervenções e Pesquisa sobre Adoção da Clínica Psicológica do Instituto Sedes Sapientiae - comemorou no sábado 21 de maio seu 20º aniversário. A festa se deu na forma de um evento que reuniu diversas frentes da equipe, que trabalham de forma autônoma. O reconhecimento de um percurso importante em uma área tão delicada e complexa deu o tom ao evento e lotou o auditório do Instituto.

Marcia Porto Ferreira, coordenadora do grupo, abriu os trabalhos, relembrando Madre Cristina, com seu compromisso social e senso de humor. Também citou a importância de Maria Ângela Santa Cruz, que em 1996 participou ativamente do movimento que transformou a clínica-escola do Sedes em clínica social [2]. Num movimento de inquietude em relação ao papel da clínica, buscou-se naquele momento priorizar a demanda do paciente, não a necessidade dos cursos. Daí foi elaborado o Projeto Clínico-Ético-Político, que representou uma verdadeira revolução quanto aos critérios que orientavam os atendimentos. A partir dessa pactuação institucional surgiu o grupo Acesso, que se perguntava quais seriam os efeitos sobre as crianças que perdem seus objetos primários.

O grupo tomou como objeto o universo da adoção e do acolhimento institucional, tendo como alicerce a psicanálise, sustentado pela formação clínica. A partir desse enquadre ficou visível que, dentro desse universo, uma série de segredos, não ditos, em seu silêncio, gritavam e que esses conteúdos precisavam ser acessados para que pudessem ser elaborados – daí o nome do grupo.

Após essa breve introdução, seguiram-se quatro apresentações. Na primeira, Cintia Peiter, pesquisadora da temática há 10 anos, apresentou um caso clínico em que a paciente, abandonada na maternidade ao nascer, protegia-se de um novo abandono recusando a aproximar-se de candidatos a serem seus pais adotivos.

Maria Luiza Ghirardi discorreu sobre o tema da devolução de crianças adotadas, trabalhando sobre o retraumatismo que essa experiência de inquietante estranheza provoca na criança e, ainda, sobre as angústias dos pais adotivos em relação à fantasia de devolução do filho adotivo aos pais biológicos ou de serem por ele rejeitados. Embora não haja prevenção possível para a devolução - grande temor dos profissionais do judiciário -, é possível trabalhar junto a adotantes sobre a idealização, a frustração e o luto envolvidos no processo, desenvolvendo assim maiores probabilidades para uma adoção bem sucedida.

A seguir, Sandra Ungaretti apresentou o trabalho do Núcleo Abrigos do Grupo Acesso junto aos técnicos e educadores dos abrigos que, embora geralmente atentos às crianças, muitas vezes não se dão conta do efeito de suas palavras e ações sobre os abrigados. Por outro lado, por conta da perspectiva de separação, buscam se defender do envolvimento com as crianças e os adolescentes, adotando uma conduta desimplicada. Ressaltou-se que os abrigos podem ser lugares de vida, assim como a família não é o único formato possível para o desenvolvimento e a subjetivação de uma criança.

Cristina Seguim trouxe o caso clínico de uma criança deixada pela mãe na maternidade. Embora a mãe tenha voltado para buscar a filha, o bebê acabou sendo abrigado, passando a desenvolver comportamentos atípicos (recusa de comida e contato físico, acompanhados de gritos estridentes). Os educadores foram orientados pelo Núcleo Abrigos sobre como interagir e alimentar a menina e tiveram seu trabalho filmado, podendo assistir às mudanças no comportamento dela. Ali havia sofrimento psíquico.

Essa apresentação foi comentada pelo psicanalista convidado, Daniel Kupermann, que ressaltou a importância do cuidador ser cuidado, da função de testemunho que o trabalho com o Grupo Acesso pode representar. Mencionou a condição de estrangeiro própria a qualquer ser humano, radicalizada na adoção. Kupermann lembrou que, segundo Ferenczi, a pulsão de vida é uma função compartilhada. Precisamos de bons encontros ou de boas práticas para aumentar nossa vontade de viver - este é o princípio da ética do cuidado. Segundo ele, a recusa da alimentação da menina pode ser pensada como uma luta por reconhecimento, pela convocação de um olhar materno, uma voz e um sorriso que a façam reconhecer a si própria.

O evento continuou à tarde com mais três apresentações. Maria Velano dedicou-se ao tema do apadrinhamento, que marca o papel da comunidade em relação às crianças abrigadas e foi proposto para três abrigos de São Paulo pela Vara Central da Família. Nesse projeto, foram criados grupos de conversa que, depois de um período inicial de estranhamento, favoreceram o desenvolvimento de laços entre os padrinhos. Esses grupos foram especialmente importantes para os adolescentes abrigados que não só já perderam a esperança de serem adotados como se encontram em processo de desabrigamento, por terem completado 18 anos. Nesses casos, o padrinho pode ser um importante agente do processo de separação. A experiência tem sido tão forte que um grupo de padrinhos produziu um pequeno e tocante documentário sobre a experiência.

Debora Albieiro apresentou a capacitação de tutores do Projeto Aprendiz, em que uma empresa particular contratou o Grupo Acesso para elaborar uma proposta de intervenção, dado o alto índice de desistência do programa. O Projeto Aprendiz propõe uma experiência de trabalho para jovens em situação de vulnerabilidade e inscritos em escola regular ou escola técnica, trabalho este acompanhado por tutores que são funcionários da empresa. O grupo trabalhou com o imaginário social sobre essas crianças, sobre como funciona o serviço de acolhimento e sobre a função dos tutores. Os tutores a princípio apresentavam queixas dos adolescentes, com patologizações rápidas e genéricas. Nas supervisões a esses grupos, procurou-se entender o contexto em que apareciam comportamentos agressivos e falta de atenção, auxiliando o tutor a modificar sua visão assistencialista do adolescente, vendo-o como sujeito desejante.

Celina Giacomelli descreveu o dispositivo das duas equipes clínicas, compostas por 43 terapeutas muito engajados, em regime de formação permanente. Essas equipes não só atendem crianças e adolescentes abrigados como acompanham os próprios abrigos.

Em seguida, Dalia del Guercio trouxe o caso clínico de Ana, de 58 anos, que adotou duas crianças abrigadas. Embora já seja bastante comprometida pela psicose, é extremamente cuidadosa com os filhos, pedindo à terapeuta que lhe fale exatamente o que ela deve fazer para acertar como mãe. A terapeuta conta de sua dificuldade em metabolizar os relatos desconexos, dos afetos indisciplinados gerados por pacientes difíceis. Apesar da precariedade do ambiente familiar, a paciente é bastante implicada em sua análise, que já dura três anos, não falta e repõe as sessões quando necessário.

Maria Rita Kehl, psicanalista convidada a comentar o caso, observou como as crianças continuam, de certo modo, desabrigadas com uma mãe psicótica. Por outro lado, argumenta que o estranhamento gerado por esta mãe sobre os filhos talvez seja menor, por serem estas crianças filhas adotivas. Apontou que, na verdade, essa história traz o lado trágico de todos: afinal, o que nossas mães fizeram ou sentiram por nós? Ao final do evento, depois de concluir que a adoção não é necessariamente um final feliz e que o abrigo pode ser um lugar de potência, Marcia Porto Ferreira agradeceu a presença de todos, convidando o público para o lançamento do livro Laços e rupturas – Leituras psicanalíticas sobre adoção e o acolhimento institucional, organizado por ela e por Maria Luiza Ghirardi. Esse livro apresenta a experiência acumulada do Grupo Acesso nessas duas últimas décadas e contém artigos, trabalhos acadêmicos e outros escritos oriundos de diversos eventos.


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[1] Psicanalista, aspirante a membro do Departamento de Psicanálise e integrante da equipe editorial deste Boletim.
[2] A este respeito, sugerimos a leitura do artigo Maio de 2008 – 12, 30, 31, 40, 60 anos depois, de Maria Ângela Santa Cruz no Boletim Online n° 5, escrito na ocasião do aniversário de 60 anos da Clínica do Sedes. http://www.sedes.org.br/Departamentos/Psicanalise/index.php?apg=b_visor&pub=05&ordem=7&origem=ppag




 
 
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