PUBLICAÇÕES

    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    40 Novembro 2016  
 
 
NOTÍCIAS DO DEPARTAMENTO

SÍNTESE DOS TRABALHOS APRESENTADOS NO EVENTO ENTRETANTOS 2, NA MESA 3B


MARA CAFFÉ [1]

Sobre ódio, amor e angústia – Cristina Ribeiro Barczinski e Déborah de Paula Souza


Cristina e Déborah refletem sobre o ódio, abordando suas raízes pulsionais, intrapsíquicas e coletivas, dando destaque ao que emergiu a partir das polarizações no campo recente da política brasileira. Apontam as expressões de um ódio nacional arcaico, instituído desde os tempos da colonização e submetido ao recalque através da violência política e da negação sistemática do racismo, este último encoberto pelo imaginário de que somos uma nação mestiça com relações cordiais. As autoras identificam o retorno sistemático ao “nó da nossa história, uma colônia fundada por brancos sobre a matança dos índios e a escravização dos negros”. Como resultado, considerando também o contexto do capitalismo avançado, temos a destruição dos elos associativos que possibilitam o pensamento e a perda da vitalidade da palavra, a “tecelã do tecido social”. Desde a perspectiva de uma psicanálise engajada com os acontecimentos do seu tempo, contrapondo-se à posição ideológica que faz da neutralidade do analista uma condição inerente ao trabalho, as autoras propõem uma escuta aberta aos efeitos nefastos das experiências sociais dessubjetivantes, de modo a “destruir a fábula do país cordial e abrir caminho para o país possível e para os amores possíveis, reconhecendo e nomeando o ódio”. No percurso de suas ideias, Cristina e Déborah mencionam diversas situações políticas como a ditadura civil-militar e a impunidade dos responsáveis por abusos e homicídios; as manifestações de junho de 2013; o movimento recente dos estudantes secundaristas e a ocupação das escolas; a violência policial frente aos movimentos de protesto; o processo de impedimento da presidenta Dilma e os descalabros de políticos como Eduardo Cunha, junto de outros acontecimentos internacionais como a tragédia de grandes contingentes de refugiados e o avanço de Trump nas eleições dos EUA. Em tom de denúncia e desabafo, as autoras sustentam que não há como ficarmos neutros diante de tudo isso.

<“Brasil mostra a tua cara!” – Cultivo do ódio e condições de possibilidade de pensamento na conjuntura brasileira atual – Maria de Fátima Vicente

Fátima menciona uma situação de intolerância religiosa em que o crime de incitação ao ódio não foi sequer considerado pelo juiz em sua polêmica sentença judicial. Identifica na “atual naturalização jurídica da ocorrência de ataques entre cidadãos” um retrocesso em relação às conquistas da redemocratização do país no período pós-ditadura. A autora reflete sobre as manifestações de junho de 2013, cujas forças revolucionárias foram capitalizadas por um movimento conservador frente ao vazio das respostas do governo. A guerra à corrupção veiculada pela Operação Lava-jato ganhou imenso apoio midiático, visando o impeachment da presidenta Dilma. Desde então, vemos crescer um cultivo ao ódio, que se expande nas manifestações populares entre sujeitos vestidos de vermelho, por um lado, e de amarelo, por outro; nas brigas enfurecidas, nos revides da polícia, nos palavrões dirigidos às autoridades políticas e àqueles que pensam de modo diferente. Forjadas no preconceito e na intolerância, surgem o que Fátima designa como expressões obscenas de ódio, cada vez mais banalizadas no trato social. Tais expressões referem-se às “situações que fazem economia da fala na construção da possibilidade de compartilhamento das diferenças, de resolução das divergências” e são impermeáveis ao argumento, fomentando a violência contra o outro e até mesmo a sua aniquilação.

Fátima analisa as expressões obscenas de ódio a partir dos conceitos freudianos de fetichismo (em Três ensaios sobre a sexualidade) e fantasia sadomasoquista (em Bate-se numa criança), mobilizando também algumas noções lacanianas. Compara o “caráter inamovível e a fixidez” dessas expressões às características do fetiche, e entende que as referidas fantasias sadomasoquistas são “uma modalidade pública de prática masturbatória”, ou seja, “um sintoma social que não faz inscrição no laço social, e que se conjuga como onanismo coletivo”. Como alternativa para restaurar a via da alteridade, a autora menciona o trabalho do chiste e o que Freud apresentou acerca da construção da piada obscena, que viria justamente transpor o plano da agressividade em ato ou das expressões obscenas de ódio, instaurando a comunicação na estrutura simbólica terciária.

Outubro / 2016



________________________________
[1] Psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise, professora do Curso de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae.




 
 
Departamento de Psicanálise - Sedes Sapientiae
Rua Ministro Godoi, 1484 - 05015-900 - Perdizes - São Paulo - Tel:(11) 3866-2753
www.sedes.org.br/Departamentos/Psicanalise/