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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    40 Novembro 2016  
 
 
NOTÍCIAS DO DEPARTAMENTO

ENTRETANTOS 2: ABERTURA


CHRISTIANA FREIRE[1] com NOEMI MORITZ KON[2]





Christiana e Alessandra. Foto de Silvia Nogueira de Carvalho



O Entretantos II reúne seus diversos grupos num ato comemorativo dos trinta anos de história do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae. Proposto como um encontro que acompanha o espírito do Entretantos I, ele incentiva a reunião dos vários integrantes e grupos de nossa comunidade, para partilhar a produção de conhecimento construída à maneira de cada um.

Ampliado agora com as produções individuais de seus membros e aspirantes, estimulados a deixar seus espaços privados para pensar conjuntamente, Entretantos II adquire uma nova dimensão com a apresentação dos novos grupos criados no Departamento. Um Departamento que vem ganhando força e organicidade pelas inúmeras e expressivas propostas de estudo, pesquisa e intervenções clínicas.

É com grande alegria que observamos um trabalho tão vigoroso de diálogo, num espaço coletivo orientado pelas trocas horizontais, a partir das quais analistas de diferentes gerações e diversas filiações teóricas e clínicas possam escutar, problematizar e reconhecer os trabalhos uns dos outros.

Também tem sido gratificante acompanhar, na condição de articuladora da área de Formação Contínua, a criação de novos grupos. Viabilizar a abertura e inclusão de lugares e espaços de trabalho no Departamento para aqueles que estavam afastados, ou que tinham pouca oportunidade de inserção nos grupos formados. É revigorante favorecer a abertura à produção de outras narrativas, e dar lugar a outras propostas que trazem novos ensejos de ampliação e complexificação de nosso campo.

O vigor dos novos grupos e a qualidade de seus trabalhos admitem uma função vitalizadora, expandindo e multiplicando vínculos de trabalho em nossa associação.

A abertura ao ainda não existente e ao diferente nos leva a pensar até que ponto seria possível sustentar o campo psicanalítico sem considerar o que o empurra a se expressar. A psicanálise, como bem compreendemos, consiste em escutar o não sabido para fazer abertura ao novo. O mesmo vale para a instituição, que assim também pode se movimentar.

Alguns trabalhos nesse evento se propõem a debater o tema da passagem do conhecimento no processo de transmissão, com suas implicações políticas e éticas no que diz respeito aos riscos do exercício do poder; submeter-se ao instituído, em um fazer por reprodução é certamente empobrecedor, mas isso tampouco significa que devamos desconsiderar ou deixar de reconhecer nossas filiações e referências norteadoras e constitutivas, necessárias para a construção de identidade. É numa conversa permeada pelo reconhecimento e pelo estranhamento que parece se fazer a abertura para a escuta do que não sabemos. E nessa construção, num movimento de re-significação, reinventamos, incorporamos e criamos, fazendo a passagem para o crescimento.

A proposta primeira desse evento, Entretantos I, concebido por Cristiane Abud, levado à Incubadora de ideias e sustentado pelo Conselho de Direção 2013-2014, inaugurou a possibilidade de que os diferentes grupos pudessem dar a conhecer seus trabalhos. Ao colocar outra vez essa atividade em movimento, um novo desígnio se estabeleceu, sem ser previamente antecipado: o de fazer produzir pensamento em todos que desejam dele participar, em cada grupo de trabalho, em cada membro ou aspirante que deseja ocupar esse lugar de transmissão e compartilhamento de suas produções.

Um campo libidinizado, um corpo institucional erogenizado se constitui, incitado por uma iniciativa, um convite propositivo, de querer conhecer e partilhar.

A abertura que se faz ao incluir trabalhos de novos grupos, potencializa e opera a produção dos diferentes espaços, mas também gera movimento e novas organizações no já estabelecido, fazendo desse dispositivo um operador produtor de pensamento, reflexão e análise no interior dos diversos grupos de trabalho.

Ao aceitarmos o convite para produzir nesse espaço, concordamos não só em expor nosso trabalho, mas principalmente em correr o risco de sermos escutados a partir de um outro ponto de vista, diferente daquele que me é próprio e próprio ao grupo a que pertenço. Um risco salutar por colocar em movimento aquilo que está estabelecido entre meus pares e por fazer trabalhar nossos construtos teóricos.

Idealizamos que o importante trabalho cotidiano de pesquisa teórica e clínica que vem sendo realizado pelos diversos grupos do Departamento de Psicanálise, no decorrer de muitos anos, possa se enriquecer e ganhar outras possibilidades, potencializadas pela troca grupal.

Assim, Entretantos é um dispositivo político, que pode permitir um espaço de visibilidade e lugar para todos os integrantes de nosso Departamento.

Sua forma reflete valores sustentados em nossa Instituição: proposição de um espaço orientado pelo princípio democrático, capaz de abarcar as diferenças contempladas na heterogeneidade de seus agrupamentos. Princípio norteador para a gestão de muitas propostas de trabalho, e tido como fundamental em meio à discussão política de sucessivas gestões do Conselho de Direção.

É muito bom ver tantas pessoas participando de um evento dessa natureza. Sustentamos com isso o desejo de que essa força pungente possa ocupar os espaços políticos do Departamento, suas jornadas e Assembléias, no sentido de que novos integrantes possam contribuir, complexificando as diretrizes que vêm orientando nossas ações. Tão importante seria que um número maior de pessoas pudesse participar das instâncias gestoras do Departamento, para que ele se fortalecesse ainda mais, para que conquistas democráticas adquiridas fossem mantidas e para que outras tantas em andamento, ou a serem criadas, fossem amadurecidas e concretizadas!





ENTRETANTOS 2: ABERTURA


ALESSANDRA SAPOZNIK[3]




Bom dia a todos,

Em primeiro lugar, um sincero agradecimento à presença de vocês nessa primeira fase do Entretantos II: 30 anos de Psicanálise e Política.

Falar da história de como nasceu a ideia desse evento passa também por falar um pouco da minha história. Se o faço aqui é apenas para introduzir como chegamos a pensar a parte do evento que diz respeito à psicanálise e à política.

Após dois anos fora do Brasil, imersa no que viria a ser a pior crise social e econômica da Europa desde a crise de 29 e tendo a oportunidade de acompanhar de perto o florescimento de movimentos cidadãos como o 15-M, de estar ligada a um grupo que estudava os efeitos do trauma da guerra civil espanhola nas seguintes gerações, retorno ao Brasil um tanto desenxabida com a perspectiva de voltar à minha protegida bolha burguesa. Precisei estar fora para me dar conta do quanto ela me incomodava.

Porém, para o meu alento, retorno e encontro um cenário político bastante revitalizado: a instauração da Comissão da Verdade em 2012, a iniciativa inédita do governo federal de criar as Clínicas do Testemunho, a secretaria de Direitos Humanos de São Paulo muito ativa, desenvolvendo políticas para trabalhar com a população de rua, com os imigrantes e refugiados. E nessa mesma época acontecem as manifestações de junho de 2013, que trouxeram à tona uma força política que parecia adormecida e mais: a população se deu conta de que poderia ocupar as ruas e lutar pelo uso do espaço público, pelo transporte gratuito, enfim, podia fazer política.

Já desde essa época começo a falar com o Mario Fuks, interlocutor que me acompanha ao longo de minha trajetória psicanalítica, que precisávamos pensar em criar espaços de discussão no Departamento para entender o que estava acontecendo. Para mim, o Departamento parecia o espaço privilegiado para dar voz a essas questões, uma vez que a política foi sempre uma de suas marcas, seja na sua atuação na Saúde Mental, seja na sua participação no movimento Articulação, entre outras. Uma das questões que me intrigava e que segue me intrigando é por que os psicanalistas falam tão pouco de política. Não me refiro ao âmbito das discussões privadas e sim ao âmbito institucional.

Por que o percurso formativo de um analista está tão orientado para pensar a clínica, por que no curso de psicanálise não há um seminário sobre clínica e política? Em uma conversa na reunião de professores do curso de Conflito e Sintoma, Ana Maria Sigal retoma a amplitude do termo política e a importância de localizarmos com mais precisão a quais concepções nos referimos quando utilizamos o termo.

Penso que após escutar as quase 50 vozes que compõem esse evento, vamos poder avançar na resposta a essa pergunta.

Ao preparar essa fala de abertura, encontrei no livro comemorativo de 21 anos da História do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae um trecho que merece ser destacado:

A comissão retomava alguns aspectos da “Carta de Princípios”, que foi posteriormente estruturada em um item: “O departamento se propõe a promover e desenvolver trabalhos no campo psicanalítico, em todas as dimensões que supõem a complexidade de sua prática (teórica, metodológica, político-institucional, formativa), levando em conta o contexto histórico-social na qual esta prática se inscreve. Entendemos que o contexto histórico-social sobredetermina a prática psicanalítica, e que esta pode incidir transformando o mesmo. Neste sentido, é princípio do departamento não cair no cientificismo neutro, nem tampouco numa prática apolítica”. Um aspecto que foi acrescentado depois das discussões na assembléia foi a diretriz de que o departamento deveria ser um espaço de articulação da psicanálise com outros campos do conhecimento.

Esse trecho me emociona porque confirma que o espírito que esteve presente na fundação desse Departamento permanece vivo, 31 anos depois. Dito de outra maneira, podemos constatar que a transmissão dos princípios que norteiam o nosso coletivo se deu e segue dando frutos. Sinto-me honrada de poder fazer parte desse momento.

Que no ano de 2016, em meio a tanta pulsão de morte à solta, a tanta compulsão à repetição que, no momento no qual o pacto social foi rompido, que estejamos aqui reunidos para reafirmar a afinidade que a psicanálise tem com a democracia me parece a forma mais digna que temos de resistir.

Não poderia pensar em uma maneira melhor de comemorar nossos 31 anos.

Desejo que esses encontros operem realmente como um fórum de discussão para processar as tantas questões que estão nos afetando e afetando a vida de nossos analisandos.

Agradeço imensamente o esforço, que não foi pequeno, de todos os membros da Comissão Organizadora para que esse evento pudesse acontecer. Igualmente agradeço o apoio dos colegas do Conselho de Direção, que prontamente acolheram a proposta. E sempre é preciso lembrar o precioso trabalho da nossa assistente, Claudia Dametta.

Obrigada.


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[1] Psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise, professora do curso Clínica Psicanalítica: Conflito e Sintoma do Instituto Sedes Sapientiae. Articuladora da Área de Formação Contínua no Conselho de Direção do Departamento.
[2] Psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise, professora do curso Clínica Psicanalítica: Conflito e Sintoma do Instituto Sedes Sapientiae, Noemi Kon integrou a comissão organizadora de Entretantos 2, composta com Alessandra Sapozink, Cristiane Curi Abud, Eva Wongtschowski, Mario Pablo Fuks e Cristiana Freire.
[3] Psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise, professora do curso Clínica Psicanalítica: Conflito e Sintoma do Instituto Sedes Sapientiae. Doutorado em andamento na Facultad de Filosofía da Universidad Complutense de Madrid. Articuladora da Área de Eventos no Conselho de Direção do Departamento.




 
 
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