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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    40 Novembro 2016  
 
 
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MESA 2A – SÁBADO 17 DE SETEMBRO DE 2016


NATALIA GOLA [1]


Três trabalhos que, ao se encontrarem inadvertidamente na mesma mesa, teceram, numa linda parceria instantânea, uma trama preciosa de criatividade e esperança. Os trabalhos apresentados por Marcus Goes, Myriam Uchitel (Grupo de Trabalho e Pesquisa: Faces do Traumático) e Maria Beatriz Costa Carvalho Vannuchi (Tiche) discorreram, cada um a seu modo e a partir de diferentes recortes da realidade, sobre o traumático e os efeitos do trauma no psiquismo e no campo social.

Marcus traz sua experiência com adolescentes em situação de vulnerabilidade: Do que proteger as crianças e os adolescentes? – dispara ele. A partir dessa questão vai problematizando a noção de vulnerabilidade e, acompanhado de Winnicott, constata que a possibilidade de brincar depende dessa condição. Como não aprisionar e engessar sujeitos dentro de uma fôrma padrão, furtando-lhes o direito de descobrir na brincadeira e na experimentação o jeito e as possibilidades de cada um? Como não lhes impor, a partir da premissa da evitação de uma situação de criminalidade, uma adaptação mortífera? O risco frente a situações traumáticas é, segundo o autor, o da imobilidade, o da ausência de força. Um trauma que acontece lentamente e que pode soterrar o sujeito. O trabalho é conseguir manter o pique da brincadeira, da possibilidade criativa numa roda em que se proteger, atacar e evitar o pior, imperam.

Myriam, por sua vez, representando o Grupo de Trabalho e Pesquisa: Faces do Traumático, discorre sobre os efeitos do trauma e sobre as possibilidades de intervenção nas múltiplas expressões deste. O trauma é aquilo que não encontrou enlace, tanto no psiquismo quanto no social. A partir da proposta do Colóquio, afirma que o ponto de ligação entre psicanálise e política é a ética frente ao sofrimento.

Passando pelos campos de concentração e de extermínio, pelo “atual” trabalho escravo, campos de refugiados, catástrofes naturais e situações de inoperância humana, apresenta o traumático como a desproporção entre o evento e a possibilidade de metabolização. Citando Silvia Bleichmar, diz: “... a catástrofe não é um momento agudo, disruptivo, mas um acontecer crônico. Cada vez mais as catástrofes sociais ou históricas são vistas como algo da ordem do impossível de ser enfrentado, entendendo o traumatismo como o resultado da incidência singular dessas catástrofes padecidas coletivamente”. O trauma na impossibilidade de se processar, perpetua-se como catástrofe. Pensa que o trabalho com o trauma comporta o reconhecimento do sofrido, ligação de afetos, construção, recomposição simbólica, permitindo a saída da situação traumática e também o avanço em direção ao inédito, potência de produção de mudanças.

Tiche, em seu texto, faz um relato do trabalho feito pela Clínica do Testemunho do Instituto Projetos Terapêuticos em parceria com a Comissão da Anistia, entre 2013 e 2015. Discorre sobre os efeitos de fratura na sociedade brasileira a partir da política de terror na ditadura civil-militar e os sérios danos causados a suas vítimas diretas, bem como a seus familiares.

“A violência de Estado, pela imposição de silêncio, pelo uso disseminado da tortura e de sua ameaça, ataca as condições de pensamento... no corpo social, o silêncio é repleto de medo e segregação”. O testemunho opera enquanto dispositivo da suspensão do silêncio, construção de memória e restauração do laço com o outro. Espaço transicional para se jogar carretéis e dar margem a figurações e palavras que possam vir a conectar algo que ficou sob a sentença do traumático. Tessitura das narrativas que traça intersecções entre as histórias pessoais e a História brasileira.

A autora lança ainda a hipótese de que “a omissão da sociedade em trabalhar o saber produzido por todas as iniciativas da Justiça de Transição e nos relatórios das diversas Comissões da Verdade, aliada à recusa do poder judiciário de fazer a sua parte, julgando as instâncias e pessoas responsáveis por esses crimes, constitui um verdadeiro pacto de denegação, o que condena o corpo social à re-traumatização, pela repetição das práticas e figuras da violência”.

Após as apresentações dos trabalhos, tivemos uma fecunda e emocionada discussão. Os efeitos? Enlace, reconhecimento, construção, ligação, elo, troca, conexão, compartilhamento. Fez-se tecido do que antes era ruptura e angústia.


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[1] Psicanalista. Membro do Departamento de Psicanálise e professora do curso Clínica Psicanalítica: Conflito e Sintoma do Instituto Sedes Sapientiae.




 
 
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