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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    41 Abril 2017  
 
 
NOTÍCIAS DO DEPARTAMENTO

ENTRETANTOS II, PARTE 2, MESA 6A


 

RENATA CAIAFFA[1]

 


A segunda parte do ENTRETANTOS II, dia 29/10/16, vem marcada pelos traços deixados pelo encontro anterior, em 17/09/16. Foi um encontro pulsante, muitos trabalhos apresentados e a vontade de falar, trocar, contar o que se fazia era evidente. Estávamos, nós participantes, tomados pelo contentamento da reunião com os pares, colegas, amigos. O momento no país era e é de consternação e estupefação pela velocidade com que os fatos políticos e as medidas tomadas esfacelam conquistas coletivas e democráticas. Encontrarmo-nos com colegas com quem podíamos conversar, por a palavra para circular, era de muito alento. Temos, em nosso Departamento, grandes diferenças que, cada dia mais, são respeitadas e admitidas. As singularidades podem surgir graças ao traço que marca o nascimento e a sustentação deste Departamento: um modo de pensar e tratar a transmissão da Psicanálise em sua dimensão ética, transformadora, política. Momento de comemorar os 30 anos deste Departamento nesta formação incessante e viva que é tornar-se analista. ENTRETANTOS II – Psicanálise e Política.


Quatro trabalhos compõem esta mesa. Colocam para circular de maneira comprometida, de quem se compromete com seu fazer, a palavra. Os textos dialogam entre si e permitem, pela vivacidade e honestidade com que são produzidos, ressaltar a potência desta psicanálise aberta, que se movimenta e que coloca no campo do admitido aquilo que é minoritário, resto, à margem, fora.


O Grupo de Transmissão e Estudos de Psicanálise, GTEP, é lugar que faz borda entre o dentro e o fora do Departamento, nos narra Ana Lúcia Panachão, que vem em nome do grupo apresentar o trabalho Política de transmissão da psicanálise na diversidade. A política da transmissão sustenta-se pelo trabalho nessa borda que lida com “as interpelações suscitadas pelas diferenças” dos grupos que o GTEP vai encontrar fora de São Paulo e das singularidades de cada um de seus participantes versus as “lógicas alienantes no processo de formação dos analistas”. Essa interpelação é vital. “Psicanalisar é impreciso”. Esse movimento de imprecisão x laços institucionais interpela o sujeito em termos de singularidade e desejo. As identificações são inevitáveis e o trabalho na transmissão tem como direção a formação desalienante como num trabalho de análise. “A busca identitária é uma das doenças de nossa época” e a política de transmissão a coloca em trabalho. Trabalho frutífero e o grupo destes ‘viajantes’ nos convoca a pensar “sobre o modo possível de inserção daqueles que participam de um percurso de formação conosco em relação ao Departamento”. Interpelação que abre e ratifica um pensar/agir sempre vivo e em criação. O trabalho destaca um trecho de entrevista na Percurso número 1 com Regina Schnaiderman: “Ensinar psicanálise é um ato psicanalítico. É um projeto de desalienação. Desalienação desta vez não do sujeito analisando, mas desalienação do discurso que se tem sobre o saber psicanalítico. O que se ensina é de fato um modelo metodológico que subordina todo saber a uma interrogação e a uma colocação em questão”.


O grupo de professores do curso Clínica Psicanalítica: Conflito e Sintoma, em proximidade com o GTEP, traz o tema Desalienação, transmissão e psicanálise. Daniela Danesi, porta-voz do grupo, enfatiza a importância da filiação política, filiação tão cara desde a origem do Departamento, 30 anos atrás. Essa filiação aponta para a transferência que se tem em relação ao texto freudiano. O texto freudiano é não-todo, sua construção se dá em vai e vem, sem um sentido fechado, questiona o próprio saber. O grupo ressalta a premissa fundamental de que o saber não pertence a ninguém. Ele é construído no trabalho de grupo e tem sentidos provisórios. Essa é a força da psicanálise e sua ética: “ao admitir as paixões, a morte, a sexualidade, a loucura, o inconsciente, a relação com o outro,...contribui para a emancipação das minorias oprimidas e para a invenção de novas formas de liberdade”. Psicanálise e política estão entrelaçadas. Citam, entre outros, Roudinesco: “singularidade e laço com o outro são sustentadores da possibilidade de acolher as diferenças e manter os laços sociais”. Na manutenção do laço, a desconstrução de um saber ou um sentido fechado é ferramenta preciosa na leitura do texto freudiano e na transmissão da psicanálise. “O objeto psicanalítico é o ENTRE, que não pertence nem a um nem a outro e, sim, se constitui entre eles”. ENTRE que também está referido a algo que está ausente. Na transmissão da psicanálise há a criação de um espaço potencial suposto-saber e não saber suposto.


O Grupo de leitura: Estudos sobre a obra de Winnicott, sustentado na transferência com seu texto, aponta para a potência do grupo como objeto intermediário, capaz de admitir e sustentar vivências subjetivas. Esse espaço de compartilhamento permite a produção de um trabalho feito coletivamente. Olívia Falavina, representante do grupo nesta apresentação, discorre sobre esse processo no texto intitulado Ilusão de onipotência, negação, desilusão e colapso. Conta-nos como foi a experiência da produção do texto ao receberem o convite para participar do Entretantos. Partem das decepções singulares de seus membros com o “momento sócio-político-econômico do país”. O grupo transforma essas “vivências emocionais” em objeto de estudo. Voltam-se para o texto de Winnicott com a questão: “será que a negação, o falseamento da realidade, a mentira e o cinismo, quando se dão no campo político, não provocariam o solapamento do espaço da ilusão que sustenta a vida social, ocasionando vivências subjetivas e sociais de colapso?”. Debruçados sobre o texto, põem em relevo que o colapso fragmenta e esfacela o campo da ilusão/desilusão, podendo dar lugar a estados totalitários. Nestes estados, a possibilidade do grupo funcionar como objeto intermediário fica fechada. O movimento de pêndulo fica cristalizado, o que não permite, neste ir e vir, a discriminação “realidade inconsciente interior” e “realidade social exterior”. Isso colocaria os grupos numa posição de submissão à realidade externa. O Grupo de leitura teve a experiência de compartilhamento das vivências que cada um ali trouxe. A sustentação da díade ilusão/desilusão pelo tecido social possibilitou a integração do sofrimento e abriu para a produção de novo sentido. Sustentado pelo campo ilusão/desilusão, um grupo pode dar sustentação à desorganização produzida em momentos como os que passamos hoje, diferentemente do solapamento da possibilidade de criar novos sentidos que o colapso traz.


Décio Gurfinkel, a partir da narrativa de trechos da trajetória de três psicanalistas independentes, Balint, Bollas e Winnicott, vem discutir o Ser psicanalista e ser independente, nome que dá à sua apresentação. Interroga a suposta posição independente e a coloca na dialética entre filiação e cultivo da singularidade. Aponta como as histórias pessoais, transferenciais e institucionais marcam em cada um dos psicanalistas trazidos como paradigmas dessa discussão seu pensamento e sua práxis. Na dialética destas marcas está o operador do tornar-se psicanalista e sua práxis singular no campo da psicanálise. A filiação conta de traços que sustentam a transferência. O trabalho sobre a transferência, ferramenta fundamental da psicanálise, é que permite que a filiação não se encerre no submetimento a um mestre ou escola. “O tornar-se analista pode ser pensado segundo o modelo da jornada de desenvolvimento de todo ser humano, que parte de um estado de dependência absoluta - segundo expressão de Winnicott -, passa pela dependência relativa e prossegue em direção a uma espécie de ‘dependência madura’- ou ‘interdependência horizontalizada’”. “Penso que é na dialética entre o estar só e o estar com, experiência de cultivo de si mesmo e diálogo constante com a comunidade analítica, que se torna um analista”.


Permito-me finalizar com um fragmento literário:


“Esperaram pelo sono para se mudarem para o dia seguinte. Havia sempre esperança na travessia noturna. Cada deus revia sua criação no quieto da noite. Acender os dias era sempre a possibilidade de uma nova criação. Era importante dormir com esperança.”


In: Homens Imprudentemente Poéticos

De: Valter Hugo Mãe



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[1] Psicanalista. Membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae.




 
 
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