ISABEL MAINETTI VILUTIS[1]
Maria Carolina, Célia, Isabel, Cida e Adriana.
Sala cheia e muita expectativa marcaram esta mesa que se dispôs a abordar temas relacionados com as novas subjetividades. Foram quatro apresentações muito interessantes, que dialogaram entre si a partir de dois eixos que estavam presentes em todas as falas e que puderam ser definidos a posteriori da escuta dos trabalhos, evidentemente.
O primeiro aborda uma das questões centrais da psicanálise: qual é a diferença que subjetiva, que estabelece o contorno a partir do qual podemos reconhecer o outro como alguém fora de nós, das nossas crenças e preconceitos, dos nossos desejos, etc.? E, se esta diferença é pautada pelo processo de sexuação do sujeito, de que forma articular a premissa teórica da psicanálise com a multiplicidade de escolhas de gênero e de constelações familiares, de maternidades e de paternidades que verificamos atualmente?
O segundo eixo, talvez mais clínico e complicado, aponta à dificuldade de abordar toda essa diversidade sem ideologizar a intervenção psicanalítica, tanto no sentido de patologizar as escolhas quanto no aspecto de apagar quaisquer diferenças.
Vamos, então, às apresentações!
Adriana Grosman é psicanalista, mestre em Psicologia Clínica pela PUCSP, membro do Departamento de Psicanálise e coordenadora do grupo de trabalho O conflito mãe-mulher.
Título do trabalho: O conflito mãe-mulher
O texto procura desvendar os caminhos para se tornar mãe e mulher, buscando diferenciar ambos os processos. É preciso ser mãe para se tornar mulher? É preciso ser mulher para se tornar mãe?
Através de um percurso pelo mito de Poros e Penia, Madame Bovary, o caso Emma e alguns exemplos clínicos, o conflito mãe-mulher é abordado do ponto de vista do atravessamento simbólico da lógica fálica. Afirma Adriana: "A família, no sentido freudiano, põe em cena homens, mulheres e crianças que agem inconscientemente como heróis trágicos e criminosos. Nascidos condenados, eles se desejam, se dilaceram ou se matam, e não descobrem a redenção senão ao preço de sublimar suas pulsões".
Célia Kloury é psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise, mestre em psicologia clínica pela PUCSP. Articuladora da área Clínica e Instituições do Conselho de direção do Departamento (gestão 2015-2016). Participa do grupo de leitura Casos clínicos de Freud acompanhados de comentários de Lacan.
Título do trabalho: A família em desordem?
Célia participa de um grupo de estudos e pesquisa sobre as novas configurações familiares, formado por profissionais do direito, da educação e por psicanalistas. Essa troca de saberes se vê refletida no seu trabalho que exprime, na primeira parte, um detalhado e interessante relato sobre a morosidade do Direito no Brasil para assimilar mudanças de gênero e/ou estrutura familiar. Na segunda parte, há uma caracterização da família contemporânea a partir de três movimentos antipatriarcais: o feminismo, o movimento gay e o movimento transexual.
Na terceira e última parte, uma leitura psicanalítica dos temas antes descritos leva a autora a dizer: "Há sexualidades, no plural, pensadas cada uma delas na singularidade de cada caso apresentado na clínica. Cabe a nós como psicanalistas a responsabilidade de desconstruir as categorias teóricas estereotipadas e idealizadas para aceitar a diversidade de opções sexuais e de identidades de gênero".
Maria Aparecida Kfouri Aidar é psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise, professora e supervisora do Curso de Psicanálise. Autora de artigos sobre os temas do feminino e do gênero, entre eles "Considerações sobre as relações entre sexo, gênero e sexualidade".
Título do trabalho: Além do gênero
Partindo da premissa de que, na psicanálise, a sexualidade não é redutível à genitalidade, nem tampouco às ordenações de gênero o texto percorre as vicissitudes da escuta do analista.
Recorrendo a diversos autores como Camille Paglia, Hélio Pellegrino, Roudinesco, Didi-Huberman e Bauman, entre outros, o trabalho caracteriza o momento atual como obscurantista e alerta para o perigo da formação de grupos fechados que repetem as mazelas do preconceito e da negação da diferença.
Caracterizando nossa época como um tempo em que a moral ocupou o lugar do direito incrementando o mal-estar da cultura, a autora sugere: "Como psicanalistas, procuramos ajudar a modular as intensidades, a diminuir os excessos e fazer a gestão do incurável mal-estar no espaço social, construindo laços sociais horizontais entre as subjetividades".
Maria Carolina Accioly e Veronica Melo são psicanalistas membros do Departamento de Psicanálise e participam do grupo de trabalho "O feminino e o imaginário cultural contemporâneo". Maria Carolina faz parte, também, da equipe do Boletim Online do Departamento.
Título do trabalho: Subjetividades em trânsito (co-participaram da elaboração do texto Helena Albuquerque e Tide Setúbal Nogueira).
A partir da escuta de dois grupos de adolescentes de diferentes inserções sociais e aos quais foram mostradas fotos que sugeriam temas de interesse político, social e subjetivo, o tema desenvolvido especialmente é: o "jovem-sujeito-sexual-político em transformação".
Como definem suas autoras, a pesquisa levada a cabo tentou escutar psicanaliticamente as pessoas em trânsito em relação à diversidade sexual e de gênero, assim como em suas relações com as transformações subjetivas e sócio-políticas.Após uma análise muito interessante das ocupações nas escolas, das quais alguns integrantes do grupo de pesquisa participaram e outros não, as autoras sustentam a seguinte hipótese: "...esses jovens, lutando por causas avulsas, ao participarem dessas novas formas de agrupamentos coletivos - organização em rede, num modo descentralizado de liderança, com protagonismo, fluidez e porosidade - podem encontrar uma possível saída para não construírem movimento fanáticos, sustentados por discursos totalizantes."
Debate com o público
O pouco tempo destinado ao debate - após uma mesa com quatro participantes! - não permitiu uma troca muito profícua: centrou-se principalmente em questões ideológicas sobre as identidades de gênero e teceram-se, também, algumas considerações sobre a sublimação como vicissitude pulsional.
De todo modo, todos os presentes se manifestaram sobre a excelência dos trabalhos apresentados e, sem dúvida, o debate continuou portas afora.
Foi um verdadeiro prazer ter coordenado esta atividade!
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[1] Psicanalista. Membro do Departamento de Psicanálise. Supervisora do Curso de Psicanálise. Autora do livro "Ecos da Clínica" Casa do Psicólogo, 2013