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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    42 Junho 2017  
 
 
MAL-ESTAR NA CIDADE

O DIA EM QUE PARAMOS


LUANA CHNAIDERMAN DE ALMEIDA [1]



Às sete da manhã, o aviso e a foto: os alunos trancaram a Avenida Higienópolis. Professores e professoras, que os acompanhavam, mandavam notícias. Agora na Angélica. Agora estão indo para a Veiga Filho. Depois para a Avenida Pacaembu. Levaram bombas de gás, a polícia veio para cima armada. Outros alunos e alunas, em outros cantos da cidade, trancaram também outras ruas, a Faria Lima parada por mais de uma hora.

Era dia de parar. Parávamos. Contra a reforma da Previdência e a reforma das leis trabalhistas. Pela democracia. Pela liberdade em sala de aula. Pela autonomia. Por condições dignas de trabalho.

Em casa, fazíamos sanduíches para o lanche coletivo que aconteceria logo mais no Largo Santa Cecília, após a aula pública. Outros traziam o gerador. Outras as faixas e os pincéis. A tinta. Outros, as flores para o caixão. Tanta coisa sendo enterrada. E quem passou na gráfica? Panfletos e zines. Outras e outros ainda afinavam seus instrumentos, preparavam suas aulas. Que aconteceriam em vários pontos da cidade. Na Praça Elis Regina. No Largo da Batata, no Vão Livre do MASP. Os professores e professoras se organizaram, reuniram, preparam aulas, uma escola faz a roda de capoeira, outra organiza o lanche, olha aqui a contribuição. Fizemos textos, imagens, comida.

Preparamos aulas e o espaço da cidade foi ocupado em diferentes regiões, bairros, zonas e sinas. Os trabalhadores das escolas unidos, preparando atos junto. Porque sim. Porque é nisso que acreditamos. Atravessamos a cidade de sexta feira com trânsito de domingo. As escolas fechadas fazem tanta diferença? Sim, mas não só. Não éramos únicos e não estávamos sozinhos.

E os alunos e alunas foram chegando para as aulas. E os amigos e amigas. Colegas. Companheiros e companheiras. Havia muitas crianças, levadas pelas suas mães e pais. Em meio às praças, ao asfalto, ao largo, houve contação de histórias, música, dança e capoeira. Houve canções, paródias e gráficos. Havia crianças, professoras, professores, mães, pais, amigos, amigas, mendigos, passantes. O espaço da cidade ocupado de uma outra maneira naquele dia de Greve Geral[2]. As escolas fechadas e hoje a aula era na rua.

Caminhamos. Subimos em ato a Consolação, a Rebouças, a Paulista. Havia um encontro, e há quem diga que educação não é nada mais que a arte do encontro. E na Praça dos arcos, nos encontramos. Chegavam os grupos dos diferentes lugares, quantas escolas? Não dava pra saber. Chegávamos e recebíamos em aplausos e alegria. Sabíamos que éramos de mais de duzentas escolas. E que estávamos juntas. Uma foi contando, sabendo da outra, e queríamos parar também. Afinal, tínhamos tantas razões...

Sabíamos de colegas que enfrentaram duras represálias, e não puderam parar. Sabíamos de chamados às salas de diretorias, de oferecimentos de caronas, transporte, do chamado à democracia, ao direito de ir e vir. Sabíamos de cartas que invocavam até planos astrais, pedindo que não parássemos. De reclamações de mães e pais, de pedidos que pensássemos nas crianças e não em nossos problemas pessoais, que pensássemos na democracia, nos nossos empregos, muitos em risco sério.

Mas sabíamos, e sabemos, que se optamos por ocupar um chão de giz é porque alguma crença, alguma, ainda temos na humanidade, porque embora seja difícil, às vezes, falar, no dia a dia, que somos professores (Você é professora? Coitada...) ainda vamos, diariamente, nossos gizes à mão, exercer a arte dos encontros. E da crença na humanidade. No conhecimento de si e do outro, na construção de saberes, em uma tradição e no questionamento dessa tradição, uma crença nos nossos alunos alunas e no nosso fazer, digno e livre. Porque ser educador é, diariamente, reafirmar uma crença na humanidade de cada um que está ali conosco na sala de aula, acreditar na possibilidade do encontro e sim, de um futuro mais justo, onde o Outro possa existir e estar junto também.

E estávamos juntos. Como havia tempos não estivemos.

Sentamo-nos e não havia espaço vazio na Praça dos arcos. Olhávamos para os lados e encontrávamos crianças, adolescentes, secundaristas, professoras, professores, pais, mães, avôs e avós. E descemos ao Largo da Batata. Rumo a um encontro ainda maior.

E que amanhã seja maior ainda. Porque é assim que deve ser. Mesmo que digam não. E nos peçam para continuar trabalhando, como se tudo estivesse normal. Porque não está. E ser educador é lembrar todos os dias disso, não permitir que a insensibilidade invada nossos olhos, e viver no conflito e apostar na luta; a sala de aula, naquele dia, e sempre, é o mundo inteiro.



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[1] Luana Chnaiderman de Almeida é professora de português e escritora.
[2] O dia 28 de abril de 2017.




 
 
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