PUBLICAÇÕES

    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    47 Setembro 2018  
 
 
NOTÍCIAS DO SEDES

O MAPA DA CLÍNICA.


Déborah de Paula Souza [i]



http://www.sedes.org.br/Clinica_psicologica/mapa_da_clinica.pdf



A cartografia da Clínica Psicológica do Instituto Sedes Sapientiae revela a complexidade do cotidiano de uma clínica institucional, às voltas com os desafios de atuar no coletivo, tecendo redes sob a perspectiva de um Projeto Clínico, Ético e Político.


São mais de 200 terapeutas que realizaram, em 2017, cerca de 11.800 atendimentos na Clínica Psicológica do Instituto Sedes Sapientiae. Para dar conta da complexidade desse trabalho, foi criada em 2015 uma Comissão de Rede que criou o primeiro mapa da clínica. A meta é dar visibilidade ao campo, criar fluxos e conectar os serviços de modo mais orgânico.

Fundada em 1940, a Clínica do Sedes passou por muitas transformações e hoje se define como um clínica de atenção, intervenção institucional, intercessão com movimentos sociais, formação e pesquisa. No final dos anos 90, a partir de um movimento coletivo que extrapolou as bordas da Clínica, envolvendo toda comunidade do Instituto Sedes, foi criado seu Projeto Clínico-Ético-Político, em sintonia com o movimento anti-manicomial e a reforma psiquiátrica. A partir da implantação desse Projeto, foi contratada uma equipe multiprofissional (psicólogos de diferentes orientações, psicanalistas, psiquiatras e uma assistente social), que atua alinhada com as diretrizes do SUS e com a PNH - Política Nacional de Humanização do Ministério da Saúde.

Desde o início do século 21, embora permaneçam os atendimentos individuais, as práticas psicoterápicas grupais ganharam força. De acordo com o Projeto, inspirado em uma série de pensadores, entre eles os filósofos Michel Foucault e Gilles Deleuze e a psicanalista Regina Benevides, o que importa não é só enfatizar os grupos, mas “colocar em operação modos de produção de subjetividade que escapem dos modos-indivíduos-privatizantes-intimistas através de modos-grupos-múltiplos-coletivos”, destacando a urgência de se criar novas alianças de solidariedade e cidadania.

Em 2012, a gestão da Clínica também se modificou. Antes, era conduzida por uma diretora adjunta indicada pela direção do Instituto Sedes, a partir desse ano começou um sistema de rodízio: a cada dois anos, a equipe de contratados elege entre eles três profissionais para assumir a gestão.

Atualmente, a equipe contratada conta com 12 profissionais, mas a rede interna chega a 200, incluindo aprimorandos, terapeutas voluntários da Clínica e/ou dos projetos que ela abriga.

Cartografias inspiradoras

No livro Mil Platôs – Capitalismo e Esquizofrenia, os filósofos Deleuze e Guattari[ii] afirmam que “o mapa é aberto, é conectável em todas as suas dimensões, desmontável, reversível, suscetível de receber modificações constantemente. Ele pode ser rasgado, revertido, adaptar-se a montagens de qualquer natureza, ser preparado por um indivíduo, um grupo, uma formação social. Pode-se desenhá-lo numa parede, concebê-lo como obra de arte, construí-lo como ação política ou como uma meditação.”

Foi o desejo de conectar os campos do território - cuja extensão e complexidade era invisível até para seus integrantes – que se formou a Comissão de Rede, com participação de profissionais contratados, representantes de projetos e, mais recentemente, representantes de cursos. Uma das organizadoras desta comissão é a psicanalista Lindilene Toshie Shimabukuro: “Notamos a dificuldade das pessoas se encontrarem, em função do número de pessoas e da pequena carga horária dos contratados e dos voluntários. Tanto que, a cada reunião de rede, as pessoas tinham que se re-apresentar, poucos se conheciam e quase ninguém sabia quem fazia o quê.” Para ela, o problema não é apenas de tempo e agenda, mas da mentalidade social que reduziu a noção de clínica ao atendimento individual, desconectado de seu entorno.

“Na perspectiva do atendimento em rede e da clínica ampliada, o atendimento individual é um ponto em um projeto clínico e não a sua totalidade – que pode se estender, por exemplo, para contatos com a família, a escola, a Vara da Infância, os serviço de assistência social, a psiquiatria, etc. Vale dizer que, na Clínica do Sedes, a psiquiatria nunca está separada do atendimento psicoterápico. Como uma instituição de referência na cidade, a Clínica também se articula com a rede externa, recebendo usuários encaminhados por diversos serviços do Sistema Único de Saúde”.

Na reunião da Comissão de Rede realizada em junho/18, o foco foi a necessidade de fortalecimento da rede externa e o contato com as Unidades Básicas de Saúde, CAPS, hospitais – cuja capacidade de atendimento foi ameaçada pelo golpe jurídico-midiático que assola o país. Uma das questões abordadas nessa reunião é de que não cabe apenas à assistente social alimentar a rede, mas a todos os profissionais da Clínica – além de conhecer mais os serviços, existe a necessidade de registrar e informar os novos fluxos, de modo que a informação sobre serviços internos e externos possa ser compartilhada, reverberando também na formação de novos terapeutas que chegam nas equipes clínicas (veja bloco marrom no mapa), que recebem alunos da comunidade Sedes para aprimoramento.

Desenho vivo

Desenhar um mapa parece muito simples, mas na verdade não foi pois, como ocorre em grande parte das instituições, as informações são fragmentadas e perde-se a noção do todo. Coube à professora e psicanalista Cristiane Mesquita, atuante na Comissão de Rede e uma das coordenadoras do Projeto Cuide-se ( http://www.sedes.org.br/Departamentos/Psicanalise/index.php?apg=b_visor&pub=38&ordem=13 ), supervisionar a confecção do mapa, realizada pela designer Ana Peroba, doutoranda do PPG Design da Faculdade Anhembi Morumbi. À título de orientação aos navegantes, foram inclusos na peça gráfica a carta de princípios do Instituto Sedes e uma menção ao Projeto Clínico-Ético-Político.

À primeira vista o mapa é básico. Não se percebe de imediato que ele é vivo. Na gaveta, ele morre. Sua vitalidade e plasticidade dependem de quem frequenta o território. “O mapa convoca o coletivo a se ver, indica posições, pode funcionar como um disparador de reflexão e mudanças. A expectativa é que ele tenha reverberações, a ideia é fazer a rede ressoar.” diz Cristiane. Ela observa que as questões inquietantes, presentes na formulação do mapa, aludem ao design, à informação e também à Clínica: “O que vem primeiro? Como se organiza o excesso de informação, quais são os fluxos possíveis?” A potência do mapa se define pelo que os viajantes puderem/desejarem fazer, e por como usá-lo na construção de projetos clínicos para os usuários.

Você está aqui

O mapa foi publicado no site da clínica e poderá situar melhor os internautas que buscam informações (no futuro, será possível criar hiperlinks, abrindo as abas dos projetos com um toque no mapa). No território da Recepção, está a porta de entrada de usuários. Os interessados se inscrevem por telefone e a recepção é conduzida por terapeutas, em sessões grupais. Só depois disso é feito o encaminhamento ( http://sedes.org.br/site/clinica-psicologica/atendimento ). Quem chega transbordando de angústia e não pode esperar, vai para oGrupo de Acolhimento, ou agenda um horário de escuta no Plantão Telefônico. A Clínica do Sedes não atende urgências, quando existe um pedido desse tipo, a Secretaria dispõe de uma lista de serviços da cidade, como CAPS ou Pronto-Socorro.

Nos trechos coloridos do mapa estão os diversos Projetos, como o NURAAJ – Núcleo de Referência em Atenção à Adolescência e Juventude, o Projeto Ponte, que oferece atendimento psicanalítico para migrantes e imigrantes, exilados, famílias e casais estrangeiros, todos aqueles que tentam elaborar os efeitos dos deslocamentos; o Projeto Laborar, voltado para a saúde psíquica do trabalhador, entre outros, no total de treze Projetos, detalhados no site: http://sedes.org.br/site/clinica-psicologica/projetos-da-e-na-clinica/

Na visão de Lindilene, que organizou a Comissão de Rede, o mapa mostra o que existe dentro da Clínica, mas não revela o trânsito, as correntes migratórias e miscigenações – as intersecções entre serviços, algumas existentes, outras a serem construídas. “Quando o mapa ficou pronto, o primeiro efeito foi despertar a curiosidade, em seguida começaram os questionamentos: “Por que isso está aqui e não lá? Será que o tamanho disso está certo? De início, fiquei um pouco travada com essas reações, mas logo percebi que essa é a riqueza do mapa: ele pode mudar. Tudo pode mudar de tamanho e de lugar. Se fôssemos esperar para fazer o ‘mapa ideal’, seria paralisante. Essa é uma cartografia inicial, marca lugares, mas não mostra o trabalho em movimento.” O que importa é que o processo foi disparado. A partir desse desenho, rotas podem ser criadas ou alteradas, o que significa fazer e pensar a clínica, seus processos e implicações sociais.



[i] Psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, Deborah de Paula Souza foi aprimoranda na Clínica Psicológica do Sedes e é uma das coordenadoras do Projeto Cuide-se.

[ii] Mil Platôs – Capitalismo e Esquizofrenia , volume 1, pág. 22, editora 34.





 
 
Departamento de Psicanálise - Sedes Sapientiae
Rua Ministro Godoi, 1484 - 05015-900 - Perdizes - São Paulo - Tel:(11) 3866-2753
www.sedes.org.br/Departamentos/Psicanalise/