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MAL-ESTAR NA CIDADE
APRESENTAÇÃO PÚBLICA DO PROJETO RODAS DE CONVERSAS ESCUTA SEDES
CRISTINA BARCZINSKI [i]
Num sábado de manhã, ensolarado, deixei, relutante, a família em casa e dirigi-me ao Sedes, para assistir à apresentação do projeto Escuta Sedes, criado no 2º semestre de 2018, em plena corrida eleitoral. Foi concebido, como anunciaram suas integrantes [ii] , para trabalhar com a circulação livre da palavra, num momento de crise, com fragilização dos laços sociais resultante da intolerância presente nas relações sociais. O formato proposto foi de rodas de conversa gratuitas, com pequenos grupos e coordenadas por dois terapeutas, sem necessidade de agendamento prévio. Naquele momento se realizavam várias vezes por semana no Sedes com duração de duas horas para cada roda. Marcadas pela urgência, as rodas chegaram a acontecer nas escadarias do Sedes.
De imediato, achei que havia mais integrantes do projeto do que público presente ao encontro e lamentei o fato, pensando na disposição e coragem necessárias ao grupo para tocar o projeto. Nunca tinha participado dessas rodas mas vinha admirando à distância o trabalho, ouvindo relatos das histórias sofridas e do manejo delicado de questões surgidas nos encontros.
Seguiu-se uma descrição mais detalhada de como o projeto surgiu - da intersecção de vários departamentos e profissionais ligados à Saúde Mental - e da proposta atual de formato de uma reunião fixa semanal e outras agendadas de acordo com a demanda. Neste momento, com governo Bolsonaro eleito, firmemente voltado para a destruição de políticas sociais duramente conquistadas, o evento foi, como não podia deixar de ser, uma roda de conversa.
Dentro de um cenário de suposto desalento, foram chegando lentamente pessoas que se juntavam à roda, que foi se expandindo. De um campo aparentemente árido, foram brotando relatos de outros projetos na cidade, desde aqueles ligados a universidades ou institutos a outros resultados de iniciativas de pequenos grupos ou mesmo pessoais. Iniciativas várias, como cursinhos populares, escuta do sofrimento ligado ao trabalho, registro de histórias de moradores da região central, trabalho de escuta e arte com prostitutas e mulheres trans, um coral de Natal e de meio ambiente.
Gradativamente foi se construindo um trançado de redes com o Escuta Sedes e dos demais entre si, num movimento crescente e contagioso. A surpresa com as propostas e a conversa alegremente desatada com os encontros e com a promessa de trabalhos conjuntos. Foi um bálsamo trocar a tristeza diária com as notícias absurdas, o incessante lamento virtual, pela presença vivaz de sujeitos e seus corpos, indicando um caminho de cura: doses cavalares de pulsão de vida.
Obrigada, equipe do Escuta Sedes por, qual boa brisa, trazer bons tempos possíveis.
[i] Psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise, professora do Curso Clínica Psicanalítica: Conflito e Sintoma, membro da equipe editorial do Boletim Online e integrante dos grupos de trabalho Sexta Clínica e Medicações em Análise. [ii] Ana Lucia Gondim Bastos, Carmen Alvarez da Costa Carvalho, Celina Giacomelli, Débora Andrade, Dedé Oliveira Ribeiro, Fernando Amaral, Lindilene Shimabukuro, Lucia Helena Rodrigues Navarro, Luciana Chauí, Luciana Mannrich, Márcia de Mello Franco, Maria Rita Gordin, Maria Silvia Borghese, Nayra Ganhito, Sabrina Arini, Silvia Lopes de Menezes, Sílvia Nogueira de Carvalho, Simone Pugin.
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