A mamãe está triste porque o vovô morreu”, disse minha filha de quatro anos para a prima. “Morreu”. Ela conhece a palavra “morreu”. Pega lenços de papel numa caixa e os entrega a mim. Sua prontidão emocional me comove, me surpreende e me impressiona. Alguns dias mais tarde ela pergunta: “Quando o vovô vai acordar? ”Eu choro, não consigo parar de chorar, e desejo que a sua compreensão do mundo fosse real. Que o luto não significasse a total impossibilidade da volta” (p. 75)

Chimamanda N. Adichie, em “Notas sobre o luto”

 

O VI Colóquio de Psicanálise com crianças: infâncias, os tempos, os lutos nasce marcado por sua época. Assim como tantos outros projetos, ele precisou ser adiado em função da pandemia de Covid-19. Programado para acontecer em outubro de 2020, ele originalmente se organizava em torno da celebração do centenário da publicação de “Além do princípio do prazer” (1920), de Freud. Dois anos depois, afetados por essa experiência inédita vivenciada por todos nós, o debate toma um novo rumo, uma vez que as temáticas do luto e do tempo nas infâncias emergem como prioritárias.

Ao longo desse período de confinamento, testemunhamos perdas de todos os tipos: de pessoas próximas e distantes, das ruas, das escolas, das praças, da convivência. Crianças ficaram órfãs, adultos perderam seus empregos, inúmeras famílias passaram a viver nas ruas. O “lá fora” passou a ser um lugar perigoso e o outro, uma ameaça de contaminação. A vida perdeu suas alternâncias e a permanência dentro de casa foi excessiva. A pandemia deixou marcas diversas e privou sujeitos de todas as idades de experiências importantes, com especial impacto nas crianças.

Se a pandemia escancarou o sofrimento psíquico nas infâncias – o que vem sendo evidenciado pelo crescimento vertiginoso de procura pela psicanálise, psicologia e psiquiatria no período pandêmico – é bem verdade que muito do que agora recolhemos já estava posto antes dela.

O excesso de demandas ao qual estamos todos expostos e seu efeito sobre nossa percepção da passagem do tempo afeta as crianças de modo particular. Observamos um mundo adulto carregado de exigências e ideais contemporâneos dobrando-se maciçamente sobre a infância; um achatamento do período da infância se faz cada vez mais evidente, expresso pela queixa comum dos pais de que as problemáticas adolescentes comparecem em idades cada vez mais tenras. Como esses aspectos tem atravessado as crianças e quais são as problemáticas com as quais os psicanalistas de crianças têm se confrontado?

Freud situava o luto como um trabalho que exige um tempo cujos imperativos do contemporâneo não estão dispostos a esperar. Dizia ainda que a infância em si mesma é um período em que a criança está submetida a inúmeras perdas e separações – nascimento, seio, os pais – que exigem dela um intenso trabalho de elaboração. Mas, se essas são perdas inerentes à infância e parte do processo de crescimento, o que acontece quando tantas outras perdas e demandas, extraordinárias, somam-se a esta equação?

Diante de tantas experiências sobrepostas, somos levados a pensar acerca do trabalho de luto e seus limites. Se entendemos que um dos aspectos que marca o mal estar de nosso tempo é a negação da dor e do sofrimento em suas inúmeras facetas, nos perguntamos: que tempo e que condições temos dado às crianças para que façam esse trabalho? Como a clínica psicanalítica tem sido impactada pelas mudanças do nosso tempo? De que modo essas transformações incidem na constituição psíquica e nas formas de apresentação do sofrimento psíquico? Quais os desafios no campo da parentalidade diante do sofrimento psíquico das crianças?

Em face desses interrogantes, convidamos aqueles que atuam no campo da psicanálise com crianças para esse debate!

Eixos temáticos

  • De que formas as crianças processam suas perdas?
  • Luto e melancolia na infância
  • Isolamento x socialização: efeitos da privação do fora e da hiperpresença do dentro
  • Surpresas e impasses no retorno à presencialidade: medos, terrores, respostas de transbordamento, agressividade

Pandemia, perdas, luto

  • Formas de apresentação do sofrimento da criança e o trabalho do psicanalista
  • Silenciamento da dor: melancolia, cutting, suicídio
  • A dor em seus aspectos simbolizantes
  • Mal estar na parentalidade

Corpo, dor, silêncio

  • O brincar na atualidade
  • Telas: criatividade e compulsão
  • Questões de gênero: corpo biológico, medicalização, tempo do sujeito
  • Aproximação das problemáticas adolescentes à infância

Tempo

  • As diversas infâncias e a pandemia
  • Pandemia e desigualdades: desafios para as escolas
  • Pandemia e desigualdades: desafios para o SUS
  • Pandemia e desigualdades: desafios para o judiciário

 

Políticas para as infâncias