Órfãos da covid, filhos de ninguém? luto e memória para a infância em tempos de pandemia

 

Kelly Macedo Alcântara

 

 

RESUMO

Estima-se que no Brasil, mais de 113 mil crianças brasileiras perderam mãe, pai ou ambos durante a pandemia de COVID-19 até o final de 2021. É diante do desejo de compreender as experiências de orfandade durante a pandemia que o tema desse trabalho é uma análise teórica dos possíveis sentidos do luto e memória produzidos discursivamente pelas crianças que sofreram a morte de seus cuidadores primordiais, a partir da psicanálise. Iniciativas como o memorial virtual Inumeráveis (www.inumeraveis.com.br), idealizado pelo artista Edson Pavani e a conta @reliquia.rum da rede social Instagram (www.instagram.com/reliquia.rum), de Débora Diniz e Ramon Navarro, deram a palavra para milhares de pessoas que puderam dizer sobre seus entes queridos, tornando público seu luto e memória. O luto, como ato de memória, é um processo permanente de separação do que lembrar e do que esquecer e que não se dá num tempo determinado pela cronologia e assim,os memoriais, funcionam como ato ético e político de resistência ao coletivizar nossas histórias. Porém, mesmo nas iniciativas tão fundamentais como os memoriais em tempos em que a denúncia da morte é obscena e deve ser silenciada em detrimento da economia, ''que não pode parar'', o testemunho da criança ainda não encontrou seu lugar.  Pelas condições de linguagem da infância, onde a palavra nem sempre é presente, ou como nos aponta Ilana Katz (2021), a ideia “de entrada na linguagem, ou qualquer outro modo de referir o que vem chegando no tempo da infância, ou seja, as diferentes formas de dizer da articulação entre língua e discurso” (p.7) o desafio da escuta de crianças pode frequentemente nos afastar delas. No caso do luto, há ainda a ideia de que não devemos falar com as crianças sobre a morte e que devemos deixá-las distantes das conversas e das manifestações de sofrimento sobre aqueles que elas (e os seus outros) perderam.  Diante dessas questões, o objetivo desse trabalho é discutir, a partir do referencial psicanalítico, a orfandade deslegitimada pelo cenário político do Brasil, onde as crianças que perderam seus pais passam a ser chamados ''órfãos da covid''. O aporte teórico será embasado pelas noções de luto de Freud, Lacan, Jean Allouch e Judith Butler.

 

PALAVRAS-CHAVE: pandemia; luto; infância; política, psicanálise.