Tempos de pressa: o trabalho de elaboração em um processo de adoção

 

Taísa Nerath Martinelli, Tatiana Inglez-Mazzarella

 

 

RESUMO

Natally se apressa em dizer na análise que está tudo bem. Os pretendentes a adoção se apressam em dizer que ela já é a filha deles. A equipe do Serviço de Acolhimento (SAICA) se apressa em afirmar que os três já estão  vinculados e que podem seguir com o desacolhimento. As técnicas da Vara da Infância e Juventude se apressam em tomar uma decisão, afinal, uma adoção “tardia” pode não ter uma segunda chance.  Em meio a tantas sobreposições, qual é o tempo que se pode dar à uma criança, um sujeito em constituição, para enfrentar o desafio de investir em uma nova família? Sabemos que, para isso, é necessário um trabalho de desinvestimento do objeto perdido – no caso, a família de origem – como já nos anunciava Freud (1917) em “Luto e Melancolia”. Esse trabalho exige tempo. Da mesma forma, qual é o tempo que pode se dar à uma família que precisa gestar psiquicamente um novo filho? Sabemos que os pais falam dos filhos muito antes de tê-los e constroem um lugar simbólico que é permeado pelas suas expectativas, pelos seus sonhos e pelos seus desejos (inconscientes). Sabemos também que, ao se depararem com o filho que chega, os pais precisam descontruir aquele que foi idealizado. Esse trabalho de elaboração exige tempo e, se em análise, há a chance de estarem acompanhados em suas angústias. No caso da adoção, oferecer espaços de escuta para aqueles que estão envolvidos na construção de uma nova família, faz-se fundamental. Da mesma forma, ter espaços de escuta entre os profissionais envolvidos neste processo – equipe do SAICA, Vara, analista entre outros- permite que se teça uma rede de apoio para acompanhar a família em seu percurso. Todo esse trabalho exige tempo! Pretendemos, no presente texto, trazer o atendimento de uma menina de 9 anos em situação de acolhimento que recentemente viveu uma tentativa de adoção. Uma tentativa, porque a situação foi interrompida e atropelada por um tempo que não podia esperar. Nós, em supervisão, cuidamos de ter tempo de refletir a respeito das vicissitudes deste caso e de como a psicanálise pode contribuir, fazendo resistência à demanda do imediato, no campo das políticas públicas.

 

PALAVRAS-CHAVE: tempo, luto, perdas, adoção.