A pulsão de morte sempre foi um conceito controvertido na psicanálise pós-freudiana, tendo recebido diversas interpretações, muitas vezes teoricamente irreconciliáveis. Não é o caso de fazermos um levantamento sobre essa variação aqui, em poucas páginas, mas podemos lembrar que há leituras mais literais do texto freudiano, que tomam o conceito como instância real, quase à moda de uma função fisiológica, responsável pela suposta tendência de retorno do organismo ao estado inorgânico. Outras vezes, a pulsão de morte foi sumariamente assimilada ao sadismo. Mas há, entretanto, concepções mais refinadas sob o ponto de vista clínico, como julgo a de Michel de M'Uzan (2001), que a entende como um "dispositivo antirrepresentacional". Para ele, a pesquisa dos estudiosos da psicossomática demonstrou, com clareza, a correspondência entre o "fenômeno operatório" (Marty; M'Uzan, 1962) e o "fator atual", já descrito por Freud (1976 [1895b]) nas "neuroses atuais", que se opunham às psiconeuroses por se situarem à margem das representações psíquicas.
Este modo de encarar o conceito tão espinhoso lhe confere maior verossimilhança teórica, além de um alcance clínico mais amplo e palpável. Permite que se estabeleça uma ligação entre os estágios iniciais da investigação de Freud, repatriando o "fator atual" ali descrito com a rede conceitual desenvolvida pela escola psicossomática de Paris a partir dos anos 1960. Na mesma linha, Marilia Aisenstein e Claude Smadja (2001) veem no conceito de pulsão de morte um operador teórico-clínico que permite compreender a destruição de processos de pensamento tal como eles se dão nos estados operatórios descritos por Marty e M'Uzan (1962), verificados em pacientes somatizadores ou que apresentam patologias comportamentais.
É a partir desse modo de encarar o conceito de pulsão de morte que pretendo propor uma incursão através do campo clínico das patologias não neuróticas, com ênfase na perversão, a fim de discutir a especificidade de sua incidência nessa formação psicopatológica. Como ponto de partida, temos que assumir que a ação da pulsão de morte na tópica das patologias não neuróticas é bastante diferente do verificado na tópica das neuroses. Nas primeiras, o funcionamento psíquico se dá pela predominância da descarga ou acting, enquanto nas segundas ele se beneficia da rede de representações.
Nas patologias não neuróticas, a incidência da pulsão de morte se dá, portanto, como um desinvestimento no campo da representação, com a dominância do "fator atual". Como corolário, as respostas psíquicas não passam de descargas, uma vez que não são mediatizadas pelo pensamento. A violência da pulsão se manifesta, então, por formas de ataque, seja ao mundo externo, ao corpo ou à própria tópica. Entre o desinvestimento das representações e o ato de descarga há uma relação causal circular: se a falta de recursos psíquicos acarreta o acting, reiteradas reações por esta via, por sua vez, impedem o trabalho de representação.
O trabalho de Bion (1962) corrobora esta ideia. Para ele, as reações defensivas por evacuação impedem o "aprender com a experiência", ou seja, o enriquecimento do aparelho psíquico com elementos que se tornem disponíveis para o pensamento e para o sonho. Em sua terminologia, a falha na "função alfa" faz com que os "elementos-beta" predominem sobre os "elementos-alfa", que seriam aqueles transformados pela capacidade de conter a descarga e, assim, de pensar. Disso resulta a impossibilidade de respostas propriamente psíquicas, ou seja, elaboradas e não estereotipadas.
Christophe Dejours (2001) introduz um conceito importante nesse campo, a saber, o de "latência". Na neurose, a excitação desencadeada por significantes oferecidos pela alteridade deve passar por um período de latência até encontrar uma resposta que, classicamente, atende pelo nome de sintoma, na estrita acepção freudiana do termo. Trata-se de uma resposta produzida pelo recurso à rede de representações do sujeito, à qual Freud (1895a) já se referia, no "Projeto para uma psicologia científica", com o nome de "ação específica". Nas patologias não neuróticas, contudo, as respostas possuem natureza diferente.
Tendo em vista as diferenças entre as neuroses e as patologias não neuróticas, cabe indagar como se dá a ação da pulsão de morte no interior da tópica. Para desenvolver a questão, recorro ao esquema proposto por Dejours (2001) para distinguir a tópica de neurose daquela das patologias não neuróticas, lembrando, no entanto, que estas últimas não constituem um bloco homogêneo. Há diferenças significativas de funcionamento psíquico no espectro das patologias não neuróticas,[1] que ocorrem em função da especificidade da incidência da pulsão de morte sobre a organização tópica em cada uma delas.
Como vimos, o funcionamento neurótico se define pelo recurso à rede de representações e à capacidade de tolerância de uma latência para que uma resposta à solicitação excitante da alteridade possa se dar pela via do pensamento. Ao contrário, a resposta não neurótica se dá à margem do recurso às representações, não apenas pela impossibilidade de se estabelecer a latência, mas, estruturalmente, pela baixa densidade da rede representacional, ou seja, pelo estado "operatório". É por essa razão que a pulsão de morte, conforme a acepção que aqui adotamos, torna-se uma referência indispensável à abordagem das patologias não neuróticas.
Grosso modo, no esquema da "terceira tópica" de Dejours (2001), haveria três formas de ação da pulsão de morte nas patologias não neuróticas, todas caracterizadas pelo emprego da descarga violenta proveniente do inconsciente não representado ou "amencial":
1. a desestruturação do próprio aparelho psíquico, no caso da psicose, quando se apagam as barreiras de contato internas da tópica, isto é, entre as instâncias, o que explica o estado confusional em que sonho e vigília podem ser indistinguíveis;
2. o ataque ao soma, quando existe uma repressão da agressividade, com a consequente desorganização das regulações biológicas, no caso da psicossomatose;
3. a destruição do objeto do qual emana a provocação excitante, no caso da psicopatia e formações afins.
Enfim, chegamos ao momento de indagar como tudo isso se aplica ao campo da perversão. Claro está que o modo de relação objetal, neste caso, está contido no espectro da psicopatia. Mas este espectro, certamente, comporta nuances que vão de atuações de violência extrema e criminosa até a perversão mais comumente encontrada na clínica, em que a atividade sexual se coloca como defesa contra a angústia de castração, no campo do fetichismo. Trata-se da formação psicopatológica estruturada pela recusa (Verleugnung), em detrimento do recalcamento (Verdrangung). Antes de examinarmos mais detidamente esta saída, cabe levantar algumas das nuances da perversão que marcam suas interfaces com as formações tanto psicóticas quanto psicossomáticas.
No caso da perversão com maior grau de dissociação, é possível que as cenas sexuais de caráter fetichista, montadas compulsivamente, em algum momento não sejam mais suficientes para a proteção da tópica. Nesse caso, verificamos, por vezes, descompensações que incluem o delírio, bem como a emergência da angústia e da depressão psicóticas que se encontravam sob controle. É como se o mecanismo da recusa falhasse, levando a um rebaixamento na esfera das defesas e, por conseguinte, dando margem à entrada em cena do mecanismo defensivo da rejeição (Verwerfung). Analogamente, às vezes assistimos, em pacientes psicóticos, momentos de saída da confusão delirante por meio do apego a cenas fetichistas e compulsivas francamente perversas, que se dão em períodos de remissão da psicose aguda.
Essas observações clínicas nos permitem concluir que a perversão é, fundamentalmente, uma defesa contra a psicose, ambas situadas do campo das patologias não neuróticas ou patologias do ego, que, à diferença da neurose, decorrem da dissociação do eu. Já defendi, inclusive (Ferraz, 2000), que a afirmação de que "a perversão é uma defesa contra a psicose" substitui na psicanálise, com vantagem, a primeira impressão de Freud (1972 [1905]) sobre esse problema, expressa no aforisma "a neurose é o negativo da perversão". Ao postular o mecanismo da recusa em oposição ao recalcamento e, posteriormente, definir a perversão do meio do fetichismo, em razão da dissociação do eu, Freud (1974 [1927]) abriu caminho para a compreensão da perversão não mais no campo da neurose, mas no da psicose.
Outra importante interface da perversão, ainda no espectro das patologias não neuróticas, se dá em relação à psicossomática, graças às descobertas dos estudiosos franceses dessa questão. Parto aqui de uma mudança de paradigma na teoria psicanalítica na compreensão da fantasia, particularmente a sexual, como já procurei demonstrar em outro trabalho (Ferraz, 2000). Entre autores dos tempos iniciais da psicanálise, havia uma impressão de que a perversão se caracterizava pela profusão da fantasia. Dava-se ênfase a uma suposta riqueza imaginativa de cenários eróticos e sua consequente colocação em prática no âmbito da vida sexual, especialmente cenários montados a partir das pulsões parciais ou pré-genitais.
Ora, com o desenvolvimento de estudos clínicos mais profundos, particularmente os de Stoller (1975), Khan (1979) e McDougall (1995), foi exatamente o contrário que se verificou: na perversão, a atividade fantasmática é extremamente limitada. Restringe-se a poucos cenários e atividades imaginados, estereotipados e sem variação, que se impõem tiranicamente ao sujeito. Ocorrem de modo compulsivo, sem graus de liberdade, e constituem, sobretudo, um meio de escape da angústia, que, de outra maneira, poria em ameaça a própria integridade da tópica.
McDougall (1995) foi a autora que, com propriedade, associou este estado psíquico do perverso à pobreza fantasmática e ao déficit representacional descritos por Marty e M'Uzan (1962) na vida operatória de pacientes somatizadores. Uma tal pobreza de representações explica a semelhança entre o perverso e o somatizador no que toca à consequente pobreza da atividade onírica e a tendência ao acting. Nesta mesma linha, Khan (1979) afirma que a cena sexual montada pelo perverso no mundo externo atesta uma falha da atividade onírica. Os parceiros selecionados para a cena devem atuar de acordo com o roteiro estrito que o perverso traçou, à moda de um autor e diretor de uma peça teatral. A cena perversa seria, então, algo como um sonho atuado, uma vez que não existe habilidade psíquica para a produção de um "sonho sonhado", por assim dizer. Em suma, a cena montada seria algo como um "sonho corporal", de caráter compulsivo adictivo.
McDougall (1995) utiliza o termo "neonecessidades" para se referir à compulsão do adicto em direção ao acting, geralmente o uso de drogas ou abuso alimentar, entre outras formas possíveis de descarga. Para se referir às montagens eróticas perversas, ela criou a expressão correlata "neossexualidades". Seriam formas idiossincráticas de descarga sexual, obtidas apenas por meio de montagens em que uma fantasia imperiosa e repetitiva é encenada no plano do real. Por meio dessa prática, a angústia de castração é conjurada quase constantemente: a "moral da história" narrada na cena que se repete é a de que não existe castração, ou de que se pode passar ao largo da mesma, tangenciando o perigo e, no fim, triunfando sobre ele, ainda por cima, com o acréscimo do gozo sexual.
Examinadas as interfaces da perversão com a psicose e com a psicossomática, passando pelas proximidades das adicções, chegamos, enfim, à consideração de sua localização estrutural no espectro da psicopatia, de acordo com a "terceira tópica" de Dejours (2001). Entretanto, a palavra "psicopatia" é bastante pesada na tradição psiquiátrica. Soa como alusão a uma patologia marcada pela violência extrema, até mesmo criminosa, em relação ao objeto. Isso exige que façamos algumas considerações a respeito das nuances da "tópica da psicopatia" de Dejours, encarando-a como um modelo estrutural que, todavia, comporta um amplo espectro de manifestações clínicas.
Nos casos mais graves de psicopatia, a destruição do objeto pode ganhar contornos paroxísticos, chegando às raias de sua eliminação física. Mas, como salienta Dejours (2001), tais casos não costumam frequentar a clínica, sendo, antes, mais conhecidos pelos psiquiatras forenses e magistrados do que pelos psicanalistas. Otto F. Kernberg (1998), igualmente, diz algo semelhante, reservando ao psicopata criminoso o diagnóstico de "personalidade antissocial", quando houve, na ontogênese, uma verdadeira atrofia do supereu. Para o perverso que mais frequentemente aparece na literatura da clínica psicanalítica, ele defende que existe uma similaridade com a figura do borderline.
Geralmente, o que se enfatiza no caso da psicopatia é a abordagem violenta do objeto, em uma relação não consentida. Isso se verifica, por exemplo, nos criminosos sexuais, que praticam o estupro, ou em pedófilos, que se valem da inocência do objeto atacado. O não consentimento pode funcionar como critério de definição para as ciências jurídicas e para a psiquiatria forense. O psicanalista, no entanto, lida com sutilezas maiores do que aquilo que está contido na normatividade jurídica ou social. Uma tal definição da perversão, igualada à psicopatia, seria empobrecedora para nossa investigação. Ademais, diversos autores, entre os quais os já citados Kernberg (1998) e Dejours (2001), admitem variações gradativas dentro desse espectro.
É possível haver algo similar à perversão dentro da estrutura neurótica, quando jogos sexuais tomam parte das relações sexuais não apenas de forma consentida, mas como interação prazerosa entre parceiros. No outro extremo estaria o psicopata propriamente dito, ou portador da personalidade antissocial. Mas o que psicanalistas que trabalharam de modo mais consistente com a perversão (Kernberg, 1998; McDougall, 1995; Stoller, 1975; Khan, 1979) apontam são formações intermediárias. Não se trata de pacientes psicopatas que fazem sexo "sem consentimento" com seus parceiros. Reitero: seria muito ingênuo para o psicanalista se fiar em algo como "consentimento formal" para decidir sobre o que convém e o que não convém chamar de perversão.
Khan (1979), por exemplo, descreve o que chamou de "técnica da intimidade", empregada pelo perverso na abordagem e sedução de seu parceiro sexual. Trata-se de uma estratégia que se caracteriza pela criação de um clima emocional específico, em que uma promessa de gozo intenso se associa a uma erotização da transgressão. Com isso, o perverso acessa, dentro do outro, algo que pertence a sua natureza mais recôndita. A comunicação que daí resulta é essencialmente corporal, ou seja, pré-verbal. Ora, a relação que se estabelece não é, sob o ponto de vista formal ou legal, algo não consentido. Mas esse verdadeiro "recrutamento" se vale de uma estratégia quase hipnótica, não raro pondo em prática uma tática que envolve o tom de voz e o gestual escolhidos, ao mesmo tempo aproveitando-se de fragilidades psíquicas e sociais da pessoa envolvida.
Uma vinheta clínica nos ajuda a compreender o ponto que procuro discutir sobre a questão do consentimento. Um homem de aproximadamente 40 anos, advogado bem-sucedido, procura análise com a queixa de que não consegue estabelecer relacionamentos afetivos estáveis. Refere-se a um sentimento de inferioridade em relação aos irmãos, que são casados há anos, mantêm um bom relacionamento com as esposas e já constituíram família. No decorrer do processo, ele passa a abordar em detalhes sua vida erótica. Conta que só consegue sustentar uma relação sexual com uma mulher se, nas preliminares do ato, bater-lhe fortemente nas nádegas. Faz a ressalva de que jamais fez isso sem a autorização da parceira: tudo é combinado antes, e a relação só acontece se elas estiverem expressamente de acordo. Conta também que, embora bata com força, jamais machucou de verdade uma mulher. Apenas deixa em sua pele as marcas avermelhadas dos tapas que aplica. Enfatiza que, se isso não ocorre, ele é totalmente incapaz de ter uma ereção.
Eis um caso em que a questão do consentimento é enganosa. Como o próprio paciente enfatiza, não haveria formalmente uma culpa jurídica ou mesmo ética, uma vez que o contrato é claro e lavrado entre adultos livres e capazes. Mas uma fantasia que ele explicita vem colocar em cena a natureza perversa da relação objetal. Para aumentar e manter sua potência, ele precisa perceber que, na verdade, a mulher não se excita verdadeiramente ao apanhar, mas, em certa medida, aceita com contrariedade sua exigência, fazendo uma espécie de "sacrifício" para satisfazê-lo. Essa impressão, que aumenta a excitação, não passa, sob o ponto de vista psicodinâmico, de um sucedâneo do que seria uma relação violenta e forçada, mas agora recoberta pela aura de legalidade, porém não pode esconder o caráter de descarga da violência da pulsão. Revela, enfim, um prejuízo da objetalidade, que fica patente na tomada do parceiro sexual como pessoa coisificada, em um ato que, ao menos em fantasia, se presta à realização gozosa apenas para si, em detrimento do outro.
Portanto, o consentimento formal, por si mesmo, não diz tudo sobre a questão, que, a meu ver, deve ter como eixos a fantasia de triunfo envolvida no ato e o grau de objetalidade atingido pelo sujeito. O objeto, na perversão, existe como entidade física, mas não como alteridade plena, com a qual poderia haver um ato sexual compartilhado. Assim, ele é coisificado, ou seja, rebaixado de sua condição humana; é um objeto parcial, não havendo recursos psíquicos desenvolvidos suficientemente para que se constitua um objeto total.
Por isso, a objetalidade, na perversão, situa-se a meio caminho entre a neurose e a psicose. Em princípio, o neurótico possui a representação do objeto como autêntica alteridade, podendo seu sintoma expressar um conflito com a mesma, mas sem colocar em risco seu caráter de objeto total, isto é, dotado de propriedades psíquicas. Já o psicótico apresenta uma falha narcísica que impede a constituição da plena alteridade. O perverso, por sua vez, tem acesso à objetalidade, mas só em seu aspecto material, rechaçando seu caráter de alteridade plena. Não há um "outro" propriamente dito, mas um corpo do outro, quando não apenas partes dele. Com isso, ele se defende de um encontro potencialmente desestabilizador da tópica, o que constitui mais um elemento a corroborar o aforisma "a perversão é uma defesa contra a psicose", como vimos acima.
As montagens perversas, cumprindo a função de descarga, são movidas pelo inconsciente não recalcado, mas se aproveitam de uma coexcitação sexual (Dejours, 2001), que testemunha o sequestro, pela pulsão de morte, do erotismo que provém do inconsciente recalcado ou sexual, processo descrito na psicanálise como "desfusão pulsional" (Freud, 1976 [1920]). Por meio da descarga contida nas montagens, o perverso se desvencilha de sua violência sem chegar a conhecê-la, uma vez que a vivencia como prazer erótico, e não como violência propriamente. A compulsão se torna erotizada, o que também marca uma diferença da perversão em relação à psicopatia mais grave, descrita por Kernberg (1998) como "transtorno da personalidade antissocial". Aliás, esse autor adverte que, nos níveis mais graves e profundos da psicopatia, a participação do erotismo vai diminuindo, chegando até a desaparecer.
A estratégia de se livrar da violência por meio do acting ajuda, por um lado, a manter a integridade da tópica, que não se fragmenta como na psicose. Mas o contínuo movimento de acting mantém o nível representacional em baixa densidade, o que instala um círculo vicioso. Quanto mais descarga, menos possibilidade de representação; e quanto menos representação, maior o recurso à descarga. Não é outra coisa que vemos na teoria de Bion (1962), tratando dos processos de evacuação mental na psicose em sua relação com a impossibilidade de aprender com a experiência.
Para arrematar, eu gostaria de reiterar que o entendimento da pulsão de morte como dispositivo antirrepresentacional guarda uma grande perspicácia clínica, como se vê na perversão e, de modo geral, nas patologias não neuróticas. Acrescento apenas que o "fator atual" não deve ser visto apenas como algo que trabalha contra o enriquecimento do mundo representacional, mas como via de duas mãos, que sustenta o círculo vicioso entre a descarga violenta e a pobreza do universo das representações. É, portanto, o maior óbice ao pensamento e à simbolização.
Finalizo acrescentando que, para discutir as questões etiológicas da perversão, os dispositivos clínicos de que temos de lançar mão no enfrentamento de outras exigências que não as colocadas pela neurose e a ética a guiar a intervenção em um campo tão propício a sentimentos contratransferenciais agudos, teríamos pela frente um trabalho de fôlego.[2]
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ano - Nº 6 - 2024publicação: 12-12-2024 |
[1] Masud Khan (1979) utiliza o termo "patologias do eu" neste caso, com o intuito de dar ênfase à cisão do eu que as caracteriza, à diferença da neurose.
[2] Procurei abordar estas questões no livro Perversão (Ferraz, 2000)
AISENSTEIN, M.; SMADJA, C. De la psychosomatique comme courant essentiel de le psychanalyse contemporaine. In: GREEN, A. (Org.). Revue Française de Psychanalyse: Courants de la psychanalyse contemporaine. Paris: Presses Universitaires de France, 2001. p. 407-419.
BION, W. R. Learning from experience. London: Karnac Books, 1962.
DEJOURS, C. Le corps, d'abord: Corps biologique, corps érotique et sens moral. Paris: Payot, 2001.
FERRAZ, F. C. Perversão. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000.
FREUD, S. (1895a). Projeto para uma psicologia científica. In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1977. v. I, p. 381-517.
FREUD, S. (1895b). Sobre os critérios para destacar da neurastenia uma síndrome intitulada "neurose de angústia". In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1976. v. III, p. 103-135.
FREUD, S. (1905). Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1972. v. VII, p. 123-250.
FREUD, S. (1920). Além do princípio do prazer. In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1976. v. XVIII, p. 13-85.
FREUD, S. (1927). Fetichismo. In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1974. v. XXII, p. 175-185.
KERNBERG, O. F. Perversão, perversidade e normalidade: diagnóstico e considerações terapêuticas. Revista Brasileira de Psicanálise, v. 32, n. 1, p. 67-82, 1998.
KHAN, M. M. R. Alienation in perversions. London: The Hogarth Press, 1979.
MARTY, P.; M'UZAN, M. La pensée opératoire. Revue Française de Psychanalyse, n. 2, p. 345-335, 1962.
MCDOUGALL, J. The many faces of Eros. London: Free Association Books, 1995.
M'UZAN, M. À l´horizon: le facteur actuel. In: GREEN, A. (Org.). Revue Française de Psychanalyse: Courants de la psychanalyse contemporaine. Paris: Presses Universitaires de France, 2001. p. 397-405.
STOLLER, R. J. Perversion: The erotic form of hatred. New York: H. Karnac Books, 1975.