Estamos no segundo ano da pandemia de Covid-19 e, ao longo desses meses, fomos construindo um modo de enfrentar essa situação nova e ameaçadora, que nos coloca a todos em risco de morte. A angústia e o medo tornam-se emergentes em todos nós, analistas, pacientes, profissionais da saúde, da linha de frente ou não; ninguém está imune.
Desta forma, é preciso encontrar novas maneiras de ser e existir, e hoje, apesar de estarmos de certa forma adaptados, talvez ainda não tenhamos a real dimensão do quanto fomos e ainda somos afetados pela pandemia. Além do medo constante, tivemos nossa rotina de trabalho bruscamente alterada, causando, sem dúvida, impactos sobre a clínica e também sobre os analistas.
No texto "Inibição, sintoma e angústia" (1926), Freud escreve sobre angústia e trauma:
Perigo real é um perigo que conhecemos, e angústia realista é a angústia ante tal perigo conhecido [...] Qual é o núcleo, o significado da situação de perigo? É claramente a avaliação de nossa força em comparação com sua grandeza, a admissão de nosso desamparo em relação a ela: o desamparo material, no caso do perigo real; no caso do desamparo psíquico, no caso do perigo instintual [...] chamaremos traumática tal situação de desamparo vivida [...] Perigo externo e interno, perigo real e exigência instintual convergem na relação com a situação traumática, em que o indivíduo se encontra desamparado... (FREUD, 1926, p. 114-118)
Diante do desamparo, a humanidade vive seu momento de trauma coletivo, na medida em que nos pega de surpresa e sem recursos para o enfrentamento necessário.
Na clínica, podemos notar como o trauma coletivo ativou núcleos traumáticos singulares da constituição de cada paciente, e cada um, a seu modo, apresentou vários sintomas de desorganização psicossomática, como insônia, aumento de peso, depressão, excesso de uso de álcool e substâncias psicoativas, rituais obsessivos assépticos, entre outros.
Com o excesso de exigência psíquica que a clínica nos tem demandado, percebemos que o cansaço tem sido um dos sintomas mais visíveis. Supomos que as condições de trabalho atuais, determinadas pelo dispositivo on-line, em conjunto com as angústias no enfrentamento pessoal e coletivo da pandemia, tenham considerável participação na constituição desse sintoma.
Então perguntamos: Como estão o equilíbrio psicossomático e a saúde emocional de quem cuida?
Convidamos nossos debatedores a compartilhar, nesse espaço, suas experiências e impressões sobre a rotina profissional, trazendo suas percepções sobre o aumento das manifestações psicossomáticas por conta de uma desorganização causada pelos traumas da pandemia e o impacto dessa demanda na saúde mental dos terapeutas.texto do artigovoltar ao topo | voltar ao sumário |
ano - Nº 3 - 2021publicação: 20-11-2021 |