PUBLICAÇÕES

    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    11 Novembro de 2009  
 
 
NOTÍCIAS DO DEPARTAMENTO

Síndromes patoplásticas. Instituição e Estabelecimento. As diversas formas de alienação


Não se pode isolar a psicanálise da psicopatologia em geral e da psiquiatria, já que, em psiquiatria, encontramos pessoas que são os esquizofrênicos e outros tipos que geralmente os psicanalistas não encontram. Para encontrar psicóticos e esquizofrênicos, é preciso ter conceitos psicanalíticos, fenomenológicos, mas também outros, sobre o social, por exemplo, o conceito que chamo de alienação social. É um pouco polêmico, mas podemos dizer que, socialmente, somos todos alienados. Somos todos alienados, sejamos psicólogos, psicanalistas, psiquiatras, esquizofrênicos.  E se a gente cria uma escola, ou um instituto, sem levar em conta essa alienação, somos mais alienados ainda. E isso é algo que repercute no trabalho diário. A alienação pesa em todos os encontros, sejam eles analíticos, médicos...

Dizem que eu represento, junto com outros, a Psicoterapia Institucional; este é um termo artificial. A gente não escolheu fazer parte da Psicoterapia Institucional. Esse termo foi escolhido no Congresso de Lisboa, em 1952. Foi um termo escolhido por amigos psiquiatras, em particular Georges Daumezon, que cumpriu um papel importante na tentativa de modificar as condições de internação. Que transformou os asilos que tinham uma estrutura - como têm hoje -  de prisão, para introduzir algum nível de circulação, de liberdade, de livre circulação, por meio de uma reorganização da qual participavam todos, o pessoal administrativo, os enfermeiros. E essa tomada de responsabilidade pôde se manifestar tanto em esquizofrênicos, quanto em pessoas ditas normais.

É um pouco polêmico, mas eu digo que somos todos um pouco normopatas, e a normopatia é incurável. Cada vez mais a gente se submete às diretivas administrativas, tudo o que foi feito por Daumezon e outros, para modificar o ambiente do hospital, parece perder-se. Inclusive o mesmo acontece com o trabalho feito por F. Tosquelles, que morreu em 1994. O hospital em que ele trabalhou se transformou em um hospital como os outros: uns conjuntos de celas, câmaras de contenção, sem qualquer atividade. E isso falseia completamente o julgamento que a gente possa ter sobre os próprios doentes. Não se trata de desenvolver uma espécie de piedade. A caridade e a piedade são as piores coisas, elas escondem geralmente, mas são guiadas por um dogmatismo que a gente pode dizer que é reacionário, por isso é importante manter uma reflexão permanente sobre o que eu chamo, ou o que se chama, alienação social. Em todos os níveis, seja em sociedades de psicanálise, na escola pública, privada, no maternal, há alienação social e, se a gente não leva isso em conta, nos tornamos cúmplices.

Eu conheci Lacan desde sempre, na verdade, desde 1947, até a morte dele. E fiquei em análise com ele - eu sou incurável - por 27 anos. Ele organizou várias sociedades, sobretudo em junho de 1964, ele disse de forma grandiloqüente: “sempre só, eu fundo”. Eu gostava muito de Lacan. Quando ele disse isso, eu e Maud Manonni, a gente se conhecia bem, a gente escutava o tom com que ele disse isso e a gente disse: “Ih, ele está achando que ele é De Gaulle...”. Mas ele tinha iniciativas extraordinárias. Quando fundou a Escola Freudiana, ele já tinha sido expulso - digamos, impedido - de dar o seu seminário no hospital Sainte-Anne. E foi no final de 1963 que Lévi-Strauss encontrou um lugar para ele continuar seu seminário na École Normale  Supérieure. Naquele momento, ele estava muito rodeado de estudantes de filosofia. Ele lia muito de filosofia e de outras coisas. As pessoas que estavam com ele liam muito e certamente Lacan estava seduzido por essas pessoas que liam tanto, mas, a meu ver, elas não tinham prática nenhuma. Não tinham nenhuma prática de psiquiatria e certamente nenhuma de psicanálise. Lacan tinha proposto coisas notáveis, sobretudo o manifesto de outubro de 1967, em particular, a técnica para os psicanalistas. Ele dizia, por exemplo, que quando alguém procura uma análise, se a gente perguntar, “mas por que você está procurando uma análise?” e ele responder que é para ser psicanalista, é melhor não aceitá-lo - é incurável.

Para ser psicanalista, é durante uma análise que, num momento determinado, se diz: “ah, eu quero ser psicanalista”. E aí o psicanalista diz: “bom, pode ser, você poderia falar com tal, tal e tais psicanalistas”. Ao candidato, nesse grupo de Lacan, chamavam passante, aquele que passa. E os psicanalistas que ele iria encontrar, para explicar por que ele queria ser psicanalista, eram passadores. Não é nada muito espiritual. Além disso, há um júri de aceitação, de seleção, e alguém precisa ser aceito por esse júri. Eu fiz parte desse júri por quatro anos com Lacan, Safouan, Serge Leclaire.

O que me pareceu interessante e grave foi assistir a uma degradação, uma degenerescência quase, nessa mecânica sutil um tanto idealista. A gente tinha que avaliar os passadores, aqueles que tinham que passar os passantes, e eles nos contavam a vida dos candidatos, e eu nessa época escutei relatos desses passadores a respeito desses candidatos, candidatos que eu conhecia muito bem. Esses relatos eram um conjunto de confabulações, que não tinham nada a ver com nada. Teve uma hora que eu  enchi o saco daquilo e disse que tinha que se restabelecer, como na Idade Média, a crítica do testemunho; ou seja, aquilo degenerou.

Mas ele tinha criado algo que é muito importante, que são os cartéis, uma idéia muito boa. Por exemplo, quatro psicanalistas se reúnem uma vez por mês. Durante esse mês cada um lê e trabalha o que quiser, e uma vez por mês um diz para o outro: “ah, o que você leu? Leia isso, leia aquilo”, ou seja, uma espécie de trabalho em grupo. Isso me pareceu muito interessante enquanto idéia, mas isso também degenerou. Bom, não vou falar muito, senão vai ficar muito polêmico, mas alguns cartéis viraram células maoístas, mas não vou falar muito disso, não.

Isso para dizer que mesmo uma escola - e ele escolheu o termo escola para não dizer sociedade - era para escapar dos procedimentos de admissão das sociedades internacionais, procedimentos ritualizados, um pouco como quando se entra numa igreja, por isso ele retirou a palavra sociedade e introduziu a palavra escola, e mesmo essa sutileza de vocabulário não evitou que houvesse efeitos de alienação maciça. Tudo isso para dizer que, seja em que lugar for - escolas públicas, sociedades de psicanálise, universidades, hospitais - estamos todos presos em um sistema de alienação social. Daí, uma tarefa permanente - e permanente quer dizer 24 por 24 horas, mesmo dormindo, a gente trabalha muito enquanto dorme. Eu, por exemplo, eu nunca preparo nada, seria muita coisa, mas quando a gente dorme, e aí a gente acorda, está tudo lá. A não ser que se seja socialmente alienado, porque então precisa ter lá todos os mínimos detalhes, pequeno a, pequeno isso, pequeno aquilo.

Seria importante que os psicólogos, psiquiatras, psicanalistas se tratassem permanentemente - os ministros não, porque são incuráveis - mas teriam que se tratar permanentemente, para colocar em questão, para questionar a ideologia deles. Aliás, isso não é contrário ao que Freud dizia, ou do que pessoas como Freud, Klein, Rosenfeld, Winnicott faziam. Na França, eu conhecia bem Evelyne Kestenberg, trabalhei durante 30 anos com Gisela Pankow. Eram sumidades em termos de conhecimento da análise. Pode se fazer uma análise pessoal para falar dos ancestrais, dos antepassados da família etc., mas uma análise mesmo só será completa se houver nela, ao mesmo tempo, uma análise do saber. Análise do saber é o que Freud fazia o tempo todo, colocando em questão os conceitos, ele desconfiava dele próprio.

Por exemplo, o conceito de repetição: seria melhor, na verdade, falar de retomada, reprise. O termo Wierderholung, que é uma palavra de Freud, é traduzido por repetição, mas isso leva a um equívoco na interpretação, porque repetição não quer dizer fazer a mesma coisa, Lacan diz que a repetição é sempre algo novo.

Kierkegaard, por volta de 1850, escreveu o que foi traduzido por “a repetição”. Uma especialista em Kierkegaard diz que deve se dizer “a reprise”, que é essa retomada. É como dizem Freud e Lacan, é no sentido de “faz trinta anos que algo bom ia acontecer e não pôde acontecer, porque algo aconteceu e que então, depois de trinta anos, aquilo é retomado”, não é uma repetição estereotipada, no sentido de que não é igual a, é porque faz parte da vida, da existência.

A existência, poderíamos falar em termos amplos, a gente pode dizer que a análise é para enxertar, eu costumo dizer enxertar a abertura, porque na vida cotidiana, alienada, fazendo de conta que somos livres, estamos fechados. Fechados nos hábitos, com os amigos, com a família, estamos fechados numa estereotipia. A gente não escapa. Existe isso.

Tem gente que eu conheci quando tinham 5 anos e agora eles têm, sei lá, 65, ficaram gordos, e eu os reconheço imediatamente de longe, eles têm os mesmo gestos, é algo que atravessa os anos. Mas também têm, talvez, as mesmas idéias, as mesmas imaginações, as mesmas fantasias. Isso nos torna mais modestos perante a psicanálise. São pessoas que fizeram longas análises e têm os mesmos gestos, é terrível. Não quero falar mal da psicanálise, ao contrário, a psicanálise é algo sério, muito sério, mas não necessariamente, os psicanalistas. É verdade que Freud era um gênio, mas uma vez eu disse para Lacan: “É, o Freud era um gênio sim, mas a atitude dele antes da guerra de 1914, na verdade, era a de um pequeno burguês”, e aí ele se ligou e falou: “Bom, e daí?” Aí eu fiquei quieto. E ele tinha razão ao dizer “e daí?”.

A guerra foi em agosto, mas desde dezembro, em Viena, Freud começou a escrever os capítulos da metapsicologia, haveria em princípio doze capítulos. Para Ferenczi, seu discípulo, ele poderia ter mandado charutos, carnes, mas ele mandava cartas. Ele era tão rigoroso, um tanto fóbico, que escreveu só uns três, quatro capítulos e o resto ele jogou fora, não satisfeito. Sobre o conceito de repetição, durante dez anos ele retornou a isso umas cinco, seis vezes, dizendo-se não satisfeito. Isso não é algo patológico, é mais uma questão de honestidade, de rigor teórico, para não escrever bobagem. A gente podia se mirar no exemplo dele, para não ir rápido demais. Escrevia a metapsicologia, o inconsciente, o recalcamento, a transferência, numa retomada permanente. Refazer de modo permanente uma análise do saber. A gente encontra a mesma preocupação em outros analistas, outros psiquiatras. É em Maurice  Blanchot, alguém que eu considero muito inteligente, que se encontra esse termo de análise do saber. Tem um livro do Blanchot que se chama A conversa infinita(1), de fato é infinita, tem um capítulo lá sobre a psicanálise, sobre várias outras coisas também, e ele insiste muito em uma análise permanente do saber, o saber nunca é absoluto, tem que ser re-questionado o tempo todo. A gente pode tomar como modelo o esquizofrênico, porque um distúrbio fundamental da esquizofrenia foi muito bem sublinhado por um psiquiatra fenomenólogo alemão chamado Ervin Strauss. Ele fala dos axiomas da cotidianidade e, quando se é normopata, não se coloca essa questão. A gente acorda, se levanta, se veste, mas a gente não se engana, não coloca a calça na cabeça. Isso, em neurologia, seria apraxia do vestir-se. Em certos casos de atrofia cerebral, acontece isso, mas, nos esquizofrênicos, não é isso que acontece. Eles se colocam implicitamente, de cara, de saída, “por que hoje e não nada”. É uma alta reflexão filosófica no fundo. E eu não sou totalmente esquizofrênico, mas me coloco a questão que eu acho que deveria ser colocada, para imaginar em termos um tanto cinematográficos: estou em uma clínica psiquiátrica em La Borde, já faz tempo, devo ter um coeficiente de estabilidade zero, eu verifiquei em um teste, é verdade, desde 1953 eu estou lá. Eu cito um livro que também deveria ser traduzido, que se chama Onze da Noite em La Borde, é um livro melhor que O coletivo. Eu me represento um castelo, um gramado, árvores, também podemos pôr a lua, onze da noite, e eu estou no gramado olhando para o castelo com um sentimento de estranheza, de “o que é isso?”. Com essa frase difícil, que não se pode traduzir, que ao pé da letra seria “mas que cazzo estou fazendo aqui?”. É quase um sentimento de estranhamento. Não é colocar em questão a história, não estou perdendo a memória, mas chega perto dessa dimensão do esquizofrênico, que a cada vez que acorda tem que reconstruir toda a existência. Tem uma expressão interessante de François Tosquelles, que, para ser reconhecido como francês, teve que fazer uma tese de medicina, que ele chamou de A Vivência do Fim do Mundo. O fim do mundo é algo mais ou menos banal do ponto de vista psicopatológico, encontrado tradicionalmente em autores de muito tempo, sobretudo na psicopatologia geral de Jaspers, que escreveu sobre isso em 1913. Mas Tosquelles é muito melhor; ele diz que o esquizofrênico passa o tempo levantando a cortina do palco, mas que, se ele solta a cortina, a cortina volta a cair. Mas a cada dia levantar a cortina é algo muito cansativo, porque se a gente diz: “Ah, desencana, solta o braço”, a cortina cai. É uma ruminação, uma estereotipia permanente. É o que Strauss chama de os axiomas da cotidianeidade.

É algo que parece interessante. Numa verdadeira clínica, é com isso que nós lidamos. Verdadeira não quer dizer nada, é uma bobagem. Não posso dizer isso, risquem, risquem. É preciso desconfiar da palavra verdade, verdadeiro, não se deve usar isso assim.

Tenho um amigo português que foi para Portugal depois de abril de 1974, depois da Revolução dos Cravos, ele se chama Bráulio. Ele foi embora na época do Salazar. Antes de ser psiquiatra, psicanalista, estava perto de Coimbra e trabalhava de lenhador nas florestas, ele se dizia o lenhador da psiquiatria. Ele ficou com essa força de lenhador, quase não dormia. Quando estava trabalhando como lenhador, foi trabalhar em um hospital psiquiátrico como zelador noturno, ele disse que era extraordinário o que acontece à noite num hospital. Disse que chegava a noite, tinha lá um pátio, umas galerias, ele sentava em uma mesinha com uma vela, e aí os esquizofrênicos catatônicos, que durante o dia estavam completamente catatônicos, iam chegando em volta da mesa, e conseguiam falar um pouquinho com ele, sem dificuldade. O Bráulio nos contou um monte de histórias assim. Em 1994 fizemos um congresso na França, tinha uma sala grande com um tablado, era um teatro, e aí, sem contar nada para ele, a gente fechou as cortinas, colocou uma mesinha com uma vela e aí eu disse: “Bráulio, conta!”.

Faz 30 anos que eu dou seminários em Saint-Anne, O coletivo(2) é um desses seminários, então, em um desses anos, eu fiz um seminário sobre a vida cotidiana, dizendo que é um dos conceitos mais difíceis e eu terminava esse ano dizendo: “Bom, o que acontece com o real da vida cotidiana?”, fazendo a distinção, como Lacan fez, entre real e realidade. Se a gente não faz essa distinção, a entrada em um processo analítico fica muitas vezes comprometida. Para que possa se instalar o Unbewusst, que foi traduzido como o inconsciente, é sobretudo importante evitar, como na lógica positivista, coisificar. O inconsciente não existe, a pulsão não existe, a repetição não existe: não é verdade. Mas, como Lacan disse: “isso ex-siste”. Os conceitos não podem apenas ser operatórios, eles têm que nos acordar de uma certa nebulosidade. Isso vale tanto na clínica da psicose, quanto na relação analítica normopática, é uma série de conceitos que seria importante articular, mas nós não temos tempo agora, não porque queira descansar, porque não é cansativo falar.

Mas eu copiei umas reflexões de uma monitora de La Borde, ela não quer vir aos meus seminários, ela não escuta, ela deve ter algum complexo particular, trata-se de Nadia Oury, minha filha. Eu falo para Nadia que ela precisa voltar para a análise para poder vir aos meus seminários, mas bom... azar. Mas faz muito tempo que ela trabalha lá, em contato permanente com os psicóticos. Eu não sabia, mas ontem à noite, ela me disse: “olha, eu escrevi umas coisinhas aí em um caderninho”; então hoje da manhã, não é que eu preparei, mas eu copiei. São as reflexões de um verdadeiro, pois existem os verdadeiros e falsos esquizofrênicos.

Vocês sabem que, com todas essas imbecilidades dos  DSMs, se fazem falsos diagnósticos, diagnósticos errados, que são um perigo. Tenho muitos exemplos, estou pensando em uma moça, que a família pediu que fosse internada em La Borde e, por uma negligência do grupo de admissão, não lhe responderam. Então esperou-se um ano, e aí ela foi internada em vários hospitais em Paris, e também em lares de ocupação, de ergoterapia, como se diz, estranhamente. Uma noite, saindo de uma dessas casas para ir para outra, por volta das seis da tarde, nas ruas em Paris, ela encontrou uma manifestação de pessoas com faixas e ela sempre teve um complexo de fim de mundo, e o fim de mundo é uma angústia extraordinária, incontrolável, e, quando ela viu aquele desfile, achou que era o fim do mundo. Ela subiu por uma escada a um andar e pulou. Eu soube depois ela fraturou o fêmur, uma fratura exposta. O cirurgião consertou o osso, o fêmur, costuma-se colocar umas placas plásticas ou metálicas durante um ano, nesses casos. Quando ela finalmente chegou a La Borde para ser internada, chegou de muletas, andando penosamente. Por carta, um outro psiquiatra me disse que ela era uma esquizofrênica. Mas só de vê-la, como eu disse outro dia no SESC (contei isso em detalhe), a gente vê que ela não é uma esquizofrênica. Talvez seja mais grave. Como dizia Pankow, é na verdade uma psicose histérica, mais grave... Na psicose histérica, não tem o que Bleuler chamava de Spaltung, de dissociação. Pode haver episódios de uma consciência mais diminuída, de despersonalização, do que Melanie Klein chamava de corpo despedaçado, mas o corpo despedaçado, fragmentado, não impede que haja um sentimento de unidade. Já na esquizofrenia, é o corpo dissociado, não há unificação. Tinham me dito que era uma esquizofrênica, mas só de vê-la num segundo, vê-se que não é uma esquizofrênica. Ela chega de muletas, era de manhã, não era de noite, de noite ela tinha esses episódios de fim de mundo. Tivemos uma conversa totalmente normal.

O que conta na psicanálise e alhures é o que eu chamo de função de acolhimento, como acolher o outro na sua miséria. Para acolher, não se pode ser muito tipo professor: “Sente-se! Fale!”. Isso, para mim, é da ordem da obscenidade. É preciso estabelecer muito rapidamente um encontro verdadeiro e deixar de lado todas essas bobagens de hierarquia, administrativas, e isso pode ser feito em poucos minutos. E aí está ela com as muletas, eu lhe pergunto: “O que você gostaria de fazer aqui?” e ela falou: “Andar a cavalo” e aí eu falei: “Bom, mas você está de muletas... Bom, pode ser, tem cavalos em La Borde”, e ela não sabia que tinha cavalos em La Borde. Aí eu chamei uma monitora que é apaixonada por cavalos, Koda, ela se chama. Aí Koda vem e diz: “Ah, sim vou levá-la para ver os cavalos, mas não vai dar para ela subir nos cavalos com as muletas, ela pode escovar os cavalos enquanto isso”. “E o que mais você gostaria de fazer?”, e ela diz: “Eu gostaria de aprender a ser palhaço”, e eu disse: “Nossa, isso é incrível!! Daqui a dois dias, vem alguém que tem uma formação que é mais difícil que a de psicanalista, que tem uma formação de palhaço extraordinária”.

Quando ela fez um grupo de teatro, as pessoas diziam: “É incrível! Ela não fala conosco, ela segue o nosso movimento” e aí, quando ela chegou, eu disse: “Tá bom, o cavalo, o palhaço” e ela adorou. Posso lhes contar um pouco mais?

Foi assim durante um mês, ela sempre com as suas muletas e ela conversou com a mulher do teatro que tem um acolhimento extraordinário, mas no fim do dia, ela sempre tinha esses episódios de fim de mundo. Nesses momentos, precisa dar um pouco de ansiolítico para ela, uma dosezinha assim, e aí vai tudo bem, no limite. Eu a via duas vezes por dia, de manhã e de noite, à tardinha. Faz dois anos isso, hoje ela está transformada.

Psiquiatria, psicanálise, cirurgia, neurologia, todos esses são aspectos de uma pessoa. Se não, é como a gente cortar-se em fatias. Eu sempre disse que essas divisões administrativo-burocráticas são divisões industriais. A mesma coisa acontece com a psiquiatria, para se compreender um adulto, precisa-se compreender uma criança. Em 1978, um escândalo, começou a existir a psiquiatria da criança, agora tem a psiquiatria do adolescente, tem a dos velhos e vai continuar assim e vai ter psiquiatria do dedo do pé. É um tipo de recorte em fatias. A psicanálise, a psicopedagogia... Existem especificidades, não vão me pedir para eu consertar um fêmur, mas seria interessante se eu pudesse fazer o diagnóstico de uma fratura, e isso não faltou para essa moça em questão.

Depois de um mês, ela tinha que fazer uma consulta com um médico que a tinha acompanhado durante dez anos. Dada a rigidez administrativa, os médicos dos hospitais psiquiátricos tinham cortado toda a relação dela com aquele médico. No plano transferencial, isso não estava bem conduzido. Ela falou: “Eu queria rever esse médico” e eu disse: “Bom, que ele venha”. Era um domingo, ele ia vir. Como dizia Tosquelles, em psiquiatria é 24 horas por 24 horas, não tem domingo, não se deve ter os preconceitos da sociedade de consumo, domingo é um dia como qualquer outro, eu estou sempre lá domingo, e aí me perguntam: “Mas o que você faz lá?” e eu digo: “Eu sou o zelador”.

Então, num domingo desses, o médico ia vir, eu vou detalhar, ele deveria vir ao meio-dia vindo de Paris de carro, mas ao meio-dia ele não tinha chegado ainda. Ele me ligou: “Estou chateado, mas tem muitos carros, muito trânsito, vou atrasar um pouco”. Aí a doente chegou, mas eu expliquei que ele estava atrasado, que tinha trânsito e ela ficou muito ansiosa. Ela veio meia hora depois, uma hora depois e ele ainda não tinha chegado. Eu disse para ela: “É certeza que ele vem”, ela estava acompanhada, ainda andando com dificuldade, e eu disse: “Vai almoçar, depois eu te chamo”. Apesar de acompanhada, ela estava tão preocupada que ela caiu dela mesma, caiu sozinha. O médico chegou, eles se encontraram à tarde e ele falou: “O que aconteceu?”. Ela tinha fraturado o punho, dava para ver. Ali onde tinha a fratura, aparecia outra coisa: ela tinha fraturado o colo do fêmur caindo da sua própria altura. Mas ainda bem que ela teve que fazer uma outra cirurgia, verificou-se que ela, na verdade, já estava com o colo do fêmur totalmente pulverizado, por isso ela tinha caído sozinha. Então essa segunda cirurgia mostrou que o problema  já estava lá antes.

O cirurgião disse: “Ainda bem”. E aí ele pôs uma coisa de plástico para o colo do fêmur e, em oito dias, ela estava andando perfeitamente. Agora ela tem feito muito progresso no teatro, é responsável por um monte de coisas. Ela ainda tem medo de sair sozinha para ir até Paris, mas, bom, por que não? Ela está quase irreconhecível, a gente a reconhece, mas ela mudou muito. O que é importante nisso é o que Tosquelles chamava de estruturamultirreferencial. Ela cuida dos cavalos, do teatro, ela tem um grupo também para aprender inglês, ela é responsável também pela limpeza, e um monte de coisas. Ela continua frágil, ainda tem a tendência de ver o fim do mundo no fim do dia, mas ela mudou muito. Ela começou um trabalho analítico - faz uns dez, quinze anos -  com Stein. Algo disso restou, isso amenizou a relação dela com uma família bastante tradicional. Esse é um exemplo entre centenas de outros.

Uma pessoa assim, se for para um hospital tradicional, onde não tem cavalo, não tem teatro, não tem conversa, não tem nada, isso pode levar rapidamente a um suicídio - simplificando a questão, é isso. Ou se ela faz crises de angústia paroxísticas, vão-se elevar as doses de neuroléptico, e se for pior ainda, vão trancá-la por precaução em uma cela, e se não for suficiente, vão fazer a contenção. E agora, para vigiá-la - como se é moderno - não vai nem ter alguém que vai vê-la, mas sim uma câmera. Chamar isso de terapêutico é escandaloso, mas é o que acontece, em termos majoritários, no mundo inteiro. Nas universidades francesas, as subvenções do Estado foram suprimidas para a psicanálise e a fenomenologia, só tem verba para o comportamentalismo, para o behaviorismo e o cognitivismo. O que poderia ser interessante, se não fosse simplificador. Ás vezes, não se escapa de uma idéia de que se deve dirigir um hospital como se dirige uma grande fábrica, um supermercado, é uma tendência mundial.

Então eu vou ler o que escreveu alguém que não vem aos meus seminários, mas que diz do dia-a-dia, alguém que está em contato permanente com os esquizofrênicos: “Entre esses esquizofrênicos, tem um que vem de uma cidade do norte da França, muito, muito dissociado (Spaltung), mas também extremamente inteligente, não é algo excludente. Ele tem uma paixão por livros, papéis, cadernos. Inclusive é importante fechar bem as portas dos escritórios, porque senão somem coisas e a gente depois encontra no quarto dele”.

Embora Nadia não venha aos meus seminários de sábado, o paciente vem pontualmente todos os sábados cheio de papéis, fazendo um barulhão, fazendo anotações. Eis uma frasezinha que ele disse para Nadia, sempre um pouco humorístico, ele disse: “É difícil pôr-se, colocar-se, entre as poses, as colocações, as poses”, é uma formulação esquizofásica. Tem uma confiança que se estabelece com Nadia e ele diz: “Eu perdi o fio, mas perco fios e depois acho de novo. Eu perdi o fio, será que você não poderia costurá-lo?”. Coisificar esse fio é... o esquizofrênico coisifica o fio. Ele diz: “Eu perdi o fio, será que você não poderia costurá-lo?”.

Vou lhes contar, nos anos 50, numa situação de miséria, alguém que tinha um delírio parafrênico gigantesco, que foi internada anos e anos em hospitais parisienses, que achava que a morte da mãe não era verdade, que a mãe, que tinha morrido, tinha saído do caixão. E anos depois ela tinha alucinações pavorosas, que sua mãe vinha, deitava ao seu lado na cama e lhe cortava a cabeça. Não é muito confortável. Ela estava em um estado de angústia, eis o que ela diz a Nadia, que ia visitá-la, ela morreu faz um ano, essa mulher: “Continua minha mãe vindo me encher o saco, me perturbar, e é ela que apaga a televisão. Ela se esconde, quando você chega. Ainda bem que as persianas estão fechadas. Eu queria umas 50 gotas de remédio”. É uma curta conversa. Posso lhes contar uma pequena história a respeito dela. Em geral temos uns 110 pacientes internados, desses, 70 a 80% de esquizofrênicos. Um dia, às sete da noite, na cozinha... eu digo isso porque pelas cozinhas há uma guerra atualmente: querem suprimir as cozinhas em todo lugar. Eu disse para o inspetor que, se ele fechar a cozinha, ele será responsável pelo fechamento de La Borde, e aí ele foi embora. A cozinha é um lugar incrível de passagem, um lugar de pessoas que vão e vêm, de pessoas que não ficam facilmente com os outros... Esse esquizofrênico que queria cortar o fio, um dia, às sete da noite, ele escuta o telefone. Ele percebe no telefone que era outro esquizofrênico quem telefonava com urgência para a cozinha - que é um lugar de comunicação - para que um monitor ou um médico viesse imediatamente ver essa senhora delirante. Era para vir imediatamente e fomos imediatamente. Ela estava em um estado terrível de edema pulmonar, com uma insuficiência cardíaca crescente. Ela teria morrido em poucas horas. Chamamos a urgência, a reanimação.

Uma palavrinha sobre a política geral: o que tinha desencadeado aquilo era uma fibrilação ventricular. Então, na reanimação, o único tratamento que funciona é aplicar choques elétricos cardíacos. Na noite, o reanimador começou a aplicar eletrochoques cardíacos, sem resposta nenhuma. Segundo eletrochoque, nada; terceiro, nada; quarto, nada. Felizmente, nesse momento, um colega que trabalhou em La Borde estava lá ao lado do anestesista. O anestesista dizia: “Bom, já foram quatro eletrochoques e nada, vamos parar”, mas o pior, o grave é que ele disse: “Uma psicótica de quarenta anos, não vamos insistir com ela”. É o que eu chamei de exterminação camuflada. E aí o colega disse ao anestesista: “Mais um!” e ela acordou, com um olhar magnífico. Depois voltou um pouco melhor, o tratamento de choque fez um certo bem para ela em termos do delírio.

Nós tivemos em um ano 4 casos de cirurgiões que, bom, por excesso de trabalho, diante de um psicótico, eles não intervinham. Tudo isso é para ilustrar que a influência do meio desempenha um papel determinante na paisagem clínica, no sintoma, na síndrome. Foi o que eu chamei, tomando um termo fenomenológico, de patoplastia, em oposição à patogenia, mas eu tomei esse termo para fazer com ele o que eu quisesse. Patoplastia quer dizer isso, a fabricação da patologia pelo meio, pelas condições de internação, pela falta de relações não só de amizade, mas de respeito, a falta de fazer diagnósticos bem mais precisos, e de perceber que esquizofrênicos que parecem completamente idiotas - isso já foi notado por Bleuler, uma aparência de estarem embrutecidos - muitas vezes são de uma hipervigilância. Eles parecem embrutecidos porque estão o tempo todo preocupados, num nível pulsional, por uma coisa ou outra. Penso em um esquizofrênico realmente embrutecido, e eu passo ao lado dele e ele me diz: “Não se esqueça, quarta-feira tem a reunião às onze horas”. Então não é tão embrutecido, só aparência. Essa é uma armadilha. É uma armadilha das famílias, dos enfermeiros, dos psicólogos, de tratar o outro como se ele fosse realmente embrutecido.

Percebemos, ao contrário, que muitas vezes há uma hipervigilância, mas não totalizante, e é com isso que a gente pode fazer o contato. Eu precisaria de um dia todo para falar da patoplastia, o modo de fabricar sintomas que realmente não existem, que são artificiais, que são fabricados pelos tratamentos. Por exemplo, com Françoise Dolto, eu discutia muitas vezes. Eu gostava muito da Dolto, mas ela dizia: “Não se pode fazer psicoterapia dentro de um estabelecimento”. Ela repetiu isso em um congresso em Roma diante de Lacan, tinha um monte de gente e eu disse: “Chega de ouvir bobagens, é claro que não se pode fazer psicoterapia em um lugar completamente podre! É claro, porque tem tamanha pressão de alienação lá dentro, que não vai dar em nada”. Foi uma loucura.

Eu conheci um psicanalista legal, de uma erudição extraordinária, muito simpático, lá pelos anos 60. Ele disse, num hospital ao sul de Paris, um lugar fechado, sem pátio, mas que tinha um gramado verde muito bonito, mas sem nenhuma vaca. Os doentes não se vêem, eles estão fechados e ele resolveu fazer uma psicoterapia psicanalítica com determinado doente, mas ele certamente não tinha feito o diagnóstico. É claro, ele pegou aquele que tinha uma aparência melhor, é claro que era um psicopata perverso. Ele tentou durante um mês ou dois, o que desorganizou completamente a vida cotidiana, até o ponto de os enfermeiros fazerem uma queixa, fizeram até greve para que ele fosse embora. É uma ingenuidade, não é questão da patologia, mas da patoplastia, a separação entre as alas dos agitados, dos demenciados, é uma coisa construída. Se não houver um movimento coletivo para que haja de novo um pouco de acolhimento, de um ambiente possível... É uma ingenuidade querer fazer psicanálise ou psicoterapia de grupo sem questionar o meio, é algo tão evidente, que dá até vergonha de dizer, mas é um preconceito.

É assustador, recentemente houve uma supressão de cem mil leitos e as prisões francesas estão lotadas, e 15 a 20% dos psicóticos graves estão nas prisões, 60% em depressão e uma curva de suicídio que vem aumentando. Nos hospitais, a mesma coisa.

Então agora, discutamos!
 
PERGUNTAS E RESPOSTAS
 
(Silêncio...)

Jean Oury: Podemos dizer que é uma ilustração da patoplastia, num grupo como este dizer, por exemplo, “Falem tranquilamente”. Isso é completamente idiota. O que não quer dizer que não seja bom falar, mas ou precisa de uma coragem extraordinária, ou de inconsciência, mas assim mesmo, precisam falar.

Pergunta: Eu fiquei com uma questão: o que sustenta esse estado permanente da alienação? Eu fiquei pensando na dificuldade que é você ter, enquanto psicanalista, um paciente psicótico, num meio familiar psicótico e decidir que você não tem recursos para continuar.

Pergunta: A minha pergunta é complementar: desde ontem você traz notícias de que também na França tem um desmonte de 40 anos de um serviço de atendimento a crianças autistas; é sobre a alienação que envolve todos nós e que está acontecendo aqui também. Eu penso que seria bom escutar um pouco sobre o encontro verdadeiro que você diz que tem alguns minutos para se fazer, no momento em que se encontra a paciente. Porque eu penso que é nesse momento, é aí que está, porque sustentamos todo esse esforço e porque, apesar de todos os pesares, é possível sustentar essa luta.

Jean Oury: São questões difíceis para dizer em duas palavras. Para falar desse encontro, seria necessário falar durante muitas horas. Eu gosto de dizer que o fundamental é justamente o retorno das modalidades do encontro, aí tem toda uma temática tradicional, em termos aristotélicos e históricos, o encontro entre... Chega-se a dizer que uma verdadeira interpretação certamente não é uma explicação, mas é algo que toca. Algo que é um verdadeiro encontro, e o verdadeiro encontro é inesperado. No seminário de 1971 sobre o discurso que não é do semblante, quando Lacan diz: “a interpretação desencadeia a verdade”, é uma maneira metapsicológica de falar do encontro. Também diz de modo humorístico, aconselho ao psicanalista que sejam tichistas, de tiché, encontro.

Mas para haver encontro, não se pode estar cheio de preconceitos, é preciso recolocar em questão a noção de neutralidade. Eu sempre digo que a neutralidade é um processo ativo para se livrar de todos os preconceitos da sociedade, para chegar a um verdadeiro encontro, mesmo com esquizofrênicos. O que está em questão em um encontro com o esquizofrênico e com outros é o que Lacan chama de função menos um, que não se misture com a vida cotidiana, e a posição transferencial é poder assumir (é uma palavra ruim) essa posição menos um. O que não impede, na vida cotidiana, de encontrar o outro, mas é preciso distinguir simbólico, imaginário e real. Um achado incrível de Lacan, quando ele disse o que ele chamou de semblante. O semblante sendo o agente de todo discurso possível. Precisaria de um dia inteiro para discutir isso. Mesmo numa clínica psiquiátrica, é preciso ter o tempo todo essas reflexões metapsicológicas. Quando a gente encontra alguém, a gente precisa levar em conta o meio em que ela vive, o seu entorno.

Há dez, quinze anos, eu encontrei uma psicóloga que trabalha no Rio, que era psicanalista, que tinha se instalado com uma equipe pequena entre a cidade e as favelas; e a relação com toda a população da favela, o que entra em um processo de neutralidade, é, por exemplo, talvez pagar-lhes a viagem de ônibus ou de fazer vacina contra o tifo, isso é a neutralidade ativa, porque se a gente fica ausente, achando que está sendo neutro, isso é uma omissão, não estar presente, hipócrita. Quando a gente atende alcoólatras ou outros, é preciso uma atenção para com esse entorno, quando a gente trata alguém, tem que tratar ao mesmo tempo a mulher, os amigos, etc. ou em psicoterapia de grupo ou individualmente, ou em algum outro nível.

Uma reflexão para terminar, de Tosquelles, ele dizia: “No século XIX houve uma revolução da medicina e da cirurgia, com a descoberta, em 1850 - apesar dos grandes professores - por um assistente(3), da assepsia”. Ele foi combatido pela faculdade, por sorte naquela época Pasteur tinha descoberto os micróbios. A tese sobre assepsia, de 1924, é a tese de medicina de Céline(4), é uma coisa criada. Na tese de medicina, ele já escreve como Céline. Ele dizia, Tosquelles, que em psiquiatria ainda não se descobriu a assepsia, efeitos nosocomiais. Com essa paranóia atual, em que todo mundo fala para pôr luva, colocar máscaras, mas nos grandes hospitais, assim mesmo, há contágios nosocomiais. Mas em psiquiatria, atualmente, se fabrica a patologia; se a gente não quiser saber disso e analisa alguém que está rodeado de patoplastia, a gente é maluco, ou desonesto.

Há todo um trabalho a fazer para criar as condições de trabalho. A gente tenta defender esse conceito de assepsia, mas hoje em dia ele está de novo em baixa. Tenho um amigo jornalista que faz pesquisas muito interessantes, avançadas, ele fez um livro grosso sobre o estado atual de psiquiatria na França, eu fiz o prefácio. Podem ler, que está muito bom o prefácio. Ele foi publicado em 2005/2006, ele chega a dizer que a psiquiatria regrediu dois séculos. Estamos atrasados em relação a Pinel em termos de sistemas de aprisionamento, de encerramento.

Nessa perspectiva otimista, acho que ficamos por aqui!
(1) Editado em dois volumes pela Escuta, com os subtítulos “A palavra plural” (2001) e “A experiência limite” (2007). (N.E.)
(2) O coletivo, livro da autoria de Oury foi lançado pela editora Hucitec durante sua estadia em São Paulo.
(3) Refere-se ao húngaro Ignaz Semmelweis (1818-1865). (N.E.).
(4) Louis Ferdinand Céline, pseudônimo de Louis-Ferdinand Destouches, médico e romancista francês, defendeu tese de licenciatura em medicina sobre Semmelweis, que viveu no século XIX e que, mesmo enfrentando enorme  hostilidade de seus colegas de profissão, procurou provar que a falta de assepsia dos médicos poderia matar os pacientes. (N.E.)



 
 
Departamento de Psicanálise - Sedes Sapientiae
Rua Ministro Godoi, 1484 - 05015-900 - Perdizes - São Paulo - Tel:(11) 3866-2753
www.sedes.org.br/Departamentos/Psicanalise/