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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    35 Agosto 2015  
 
 
NOTÍCIAS DO DEPARTAMENTO

NOTAS SOBRE NOSSO OFÍCIO


BELA M. SISTER[1]



Numa manhã de sábado, maio passado, na Livraria da Vila de Pinheiros, tivemos o lançamento do segundo volume de Psicanálise entrevista, que completa a publicação organizada por Mara Selaibe e Andrea Carvalho. Além da oportunidade de encontrar amigos e colegas, numa calorosa confraternização, tivemos o privilégio de assistir a uma breve palestra do psicanalista uruguaio Marcelo Viñar, promovida pela Editora Estação Liberdade.

O interesse sobre essa coletânea já foi ressaltado em inúmeras resenhas. A reunião de entrevistas publicadas na revista Percurso, com diversos analistas escolhidos a dedo, mais alguns pensadores que têm interesse pela psicanálise, constituem um conjunto denso que mobiliza a reflexão e o questionamento.

Os aportes do prefácio de Renato Mezan no volume 1, do posfácio de Jô Gondar no volume 2, a apresentação de cada entrevistado por colegas do Departamento, indicam o processo coletivo com que os livros foram produzidos e o primor com que foram concebidos e realizados por Mara e Andrea.

Na palestra de Viñar, que teve o instigante título Transformações: notas sobre nosso ofício no 3º milênio, foi destacada, em especial, a inquietante interrogação lançada no posfácio por Gondar – “que psicanálise para o século XXI?”. Viñar assinala o pluralismo das concepções teóricas e clínicas na atualidade, que devem ser metabolizadas e questionadas até a ruptura, fazendo jus assim ao que se espera do verdadeiro acolhimento de uma tradição. Para ele, a leitura em sucessão das entrevistas com psicanalistas tão diversos entre si, com concepções igualmente diversas, provoca um trabalho de desconstrução e de produção teórica bastante enriquecedor.

Viñar destaca também uma outra característica igualmente enriquecedora de Psicanálise entrevista: além de publicar entrevistas com psicanalistas europeus, convocou também autores americanos e latino-americanos, rompendo o euro-centrismo a que estamos acostumados no campo psicanalítico. Diz isso, em particular, porque essa ampliação ajuda a pensar a realidade latino-americana com códigos próprios, já que cada teorização é tributária de um perfil cultural específico. Isso é tão mais importante, lembra Viñar, por vivermos numa modernidade líquida, (Z. Bauman) em que os códigos de compreensão são erráticos e flutuantes. Os códigos de lealdade e pertinência não estão mais dados, mudanças significativas ocorrem nas relações intergeracionais, a relação entre as esferas do público e do privado está borrada. Vivemos um desassossego identitário.

Nas décadas passadas, tínhamos uma doutrina unitária que nos permitia declarar, com certa arrogância, detentores de uma verdade coerente, seja como kleinianos, winnicottianos, lacanianos... algo próximo do pensamento totalizante da religião, da filiação partidária ou da paixão desportiva. Hoje, vivemos uma pluralidade e diversidade teórica e clínica, e as boas e velhas teorias psicanalíticas podem mais obturar do que ajudar a compreender os fenômenos inéditos do vínculo social atual.

Essa diversidade e essa pluralidade coincidem com a emergência de questões novas e distintas. Como entender os sintomas da maioria dos jovens que nos procuram (ataques de pânico, martírio da carne, entre outros), que possuem um caráter bem diferente daquele dos neuróticos de décadas passadas? Como entender seu modo expressivo de linguagem em que a relação entre o ato e a palavra tem um caráter mais explosivo e catártico e não busca a interlocução?

Viñar pensa que se procurarmos explorar o mal-estar do nosso paciente sem encontrarmos um ritmo e linguagem comuns de intercâmbio, não seremos bons analistas e a “psicanálise estará perdida”.

A psicanálise é um núcleo de resistência ao ritmo acelerado que caracteriza o mundo atual. Uma de suas missões é dar um tempo à palavra, à pausa, permitindo que a existência se alterne entre tempos de aceleração e de repouso. Entre o tempo transitivo de estar em movimento pelo mundo e o tempo reflexivo, de decantação e sedimentação da experiência, de modo que o presente seja o articulador de um passado de lembranças e de um futuro de anseios e de projetos.

Viñar, no final, acentuou que a transmissão da psicanálise hoje não é a transmissão de um saber ou de modelos, e sim o exercício de um dispositivo que possa promover o lugar da palavra e do olhar interior – a introspecção, o entrar dentro de si mesmo –, condição para que possamos habitar o mundo da cultura.




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[1]Psicanalista. Membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae.




 
 
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