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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    44 Novembro 2017  
 
 
O MUNDO, HOJE

40 ANOS DE RESISTÊNCIA NA PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO


CRISTINA BARCZINSKI [1]


No dia 18 de setembro de 2017, cinco estudantes da PUC – José Wilson Lessa Sabbag, Cilon Cunha Brum, Maria Augusta Thomaz, Luiz Almeida Araújo e Carlos Eduardo Fleury - desaparecidos durante a ditadura civil-militar, foram diplomados simbolicamente no Teatro de Arena do TUCA. Estiveram presentes a reitora, Maria Amália Andery, o pró-reitor Antonio Carlos Malheiros e demais membros da diretoria e da Comissão da Verdade Nadir Kfouri da PUC, criada em 2013. Também prestigiaram a cerimônia Luiza Erundina, deputada federal pelo PSOL e Paulo Vannucchi, membro da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA.

Segundo a reitora, a cerimônia teve o objetivo de reviver a memória destes estudantes e confortar seus familiares, reconhecendo de forma póstuma a presença destes alunos na universidade. A iniciativa desta homenagem veio do trabalho da Comissão da Verdade Nadir Gouveia Kfouri da PUC, que na ocasião encerrou os seus trabalhos, entregando à reitoria um relatório sobre os graves abusos cometidos pelo Estado na universidade. Este evento fez parte do registro dos quarenta anos passados da invasão da PUC pela polícia militar, à época comandada pelo tristemente famoso secretário de Segurança do Estado, Coronel Erasmo Dias. O pretexto desta invasão foi o III Encontro Nacional da UNE na PUC/SP, organizado em 22 de setembro de 1977, pela ainda ilegal União Nacional dos Estudantes, depois da repressão na USP Butantã e na Faculdade de Medicina. A polícia lançou bombas de gás dentro das salas de aula e espancou alunos, funcionários e professores com cassetetes. A professora Nadir Kfouri foi se encontrar com o coronel para exigir a libertação dos alunos retidos dentro de um estacionamento, dos quais 900 foram detidos e levados para o Batalhão Tobias de Aguiar. Contam que, quando o coronel lhe estendeu a mão, ela se recusou a cumprimentá-lo, dizendo: “Não dou a mão a assassinos”. Ela acabou apresentando dias depois uma queixa-crime contra a Secretaria de Segurança Pública por conta da violência e danificação das instalações do campus, já que os centros acadêmicos foram invadidos e vários arquivos foram destruídos.

Maria Amália lembrou o impacto desta invasão, um verdadeiro ataque aos estudantes por seu trabalho de militância e à universidade por sua rebeldia. Já em 1969, a PUC/SP acolhera professores aposentados compulsoriamente pelo regime ditatorial. Em julho de 1977, um pouco antes da invasão, a PUC/SP abrigou a SBPC, cuja reunião em universidades públicas tinha sido proibida pelo regime ditatorial. Sete anos depois, o TUCA sofreu dois incêndios seguidos, o segundo comprovadamente criminoso. Naquele tempo, assim como hoje, eram necessárias coragem e perseverança para dar apoio e sustentação à organização política, no sentido da crença e luta pelos ideais democráticos. Antonio Malheiros lembrou este momento terrível e fez um elogio à Comissão da Verdade Nadir Gouveia Kfouri, por estar alinhada com Tribunal Tiradentes III que, em 2014, no mesmo espaço, condenou simbolicamente a Lei da Anistia e defendeu a punição aos torturadores[2].

Outro tema discutido no evento foi o momento complicado que o país atravessa mas, por outro lado, o orgulho diante do papel importante que a PUC/SP tem desempenhado no apoio às atividades ligadas à defesa da democracia. Foi lembrado que, se a política de transição no país por um lado buscou a reparação econômica e a libertação dos presos, por outro foi incompleta, já que não houve o esclarecimento das mortes e dos desaparecimentos nem a prisão dos assassinos. E a tortura continua sendo uma prática comum dos aparatos de segurança do Estado.

Durante o evento, foi feita uma homenagem a D. Paulo Evaristo Arns, sacerdote franciscano, arcebispo e cardeal de São Paulo, grão-chanceler da instituição de 1970 a 1998 e responsável pela nomeação de Nadir Kfouri como a primeira reitora mulher de uma universidade católica. Em vários momentos de sua vida, D. Paulo desafiou o regime ditatorial, afirmando que o ato de torturar seria incompatível com a natureza de um verdadeiro cristão. Acreditava que, na universidade, deveria pulsar o coração da sociedade e que ao povo caberia tomar a história nas mãos.

A percepção de que conquistas democráticas estão em questão atravessou o evento, haja vista à proposta da “escola sem partido”, à invocação da defesa da família ou demais mecanismos de regimes de exceção, como o fechamento de exposições e proibição de espetáculos. Na fala dos professores, surge uma universidade que acredita que todos temos direito à memória, à justiça e à verdade, portanto ela busca passar esta herança para as novas gerações já nas recepções aos calouros, com exposições para a comunidade, buscando um acerto de contas com o passado ditatorial.

O encontro terminou com a comovente entrega pela reitora Maria Amália Andery do documento de diplomação simbólica às famílias dos cinco alunos desaparecidos, na qual cada aluno foi nomeado, com a projeção de fotos dos mesmos e uma pequena biografia lida por um aluno. Cada família pode dizer algumas palavras em homenagem a seus familiares queridos, mas uma exclamação vibrante, repetida pelo público presente, pode dar conta do teor comum a todos: Fora Temer!

Terminando com o alento das belas palavras avistadas na exposição Levantes, com curadoria do filósofo francês Georges Didi-Huberman: “Um levante pode acabar em lágrimas de mães chorando sobre seus filhos mortos. Mas estas lágrimas não são de esgotamento: elas ainda podem ser força de sublevação, como nas “marchas de resistência” das mães e avós de Buenos Aires. São nossos próprios filhos em levante: Zero de conduta! E Antígona, afinal, não era quase uma criança? Seja na floresta de Chiapas, na fronteira greco-macedônica, em qualquer parte da China, no Egito, em Gaza, ou na selva das redes da internet pensadas como um vox populi, sempre haverá uma criança que pule um muro.”

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[1] Psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise e da equipe editorial deste Boletim e integrante dos grupos de trabalho Sexta Clínica e Medicações Psiquiátricas em análise.
[2] Para maiores detalhes, o leitor pode consultar o site https://www.tribunaltiradentes.org/evento. A 4ª sessão deste tribunal ocorreu em 25/09/2017, e encontra-se relatada em http://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2017/09/tribunal-tiradentes-condena-praticas-do-legislativo-inaceitaveis.




 
 
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