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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    56 Outubro 2020  
 
 
HOMENAGEM

EM HOMENAGEM A SANDRA NAVARRO


Foto de Alcimar Lima



LUCÍA BARBERO FUKS [1],
Pelo Grupo de Professores do Curso de Psicanálise



Não podemos negar que estamos num momento muito especial, a começar pela pandemia, pelo consequente isolamento social, e agora enfrentando a perda de uma amiga e colega de todos nós. Isso nos leva a criar uma nova modalidade virtual de despedida, para conseguir elaborar a perda mesmo na falta das práticas habituais.

A morte de Sandra Navarro veio de um jeito inesperado. Depois de batalhar por muitos anos no tratamento de um câncer, o desfecho final se precipitou de maneira chocante para sua família e para todos.

Para os que não acompanharam de perto sua trajetória no Sedes, vou fazer um breve resumo. Sandra entrou como aluna no Curso de Psicanálise em 1988, fazendo parte de uma turma que se destacou pelo grande número de integrantes que em seguida se inseriram no Departamento de Psicanálise, e que nos acompanham até agora, em funções muito importantes para nosso crescimento.

Quando Ana María Sigal e eu criamos o Curso Clínica Psicanalítica: Conflito e Sintoma, em 1997, ela fez parte de todo o trabalho inicial junto com Eliane Berger e Roberta Bertone. Comprometeu-se muito com o curso até 2014, quando foi convidada a integrar o grupo de professores do Curso de Psicanálise, no qual permaneceu até sua internação no hospital, já com a saúde muito abalada.

Nessa trajetória de 23 anos – 17 anos em Conflito e Sintoma e 6 em Psicanálise – o que eu sinto que tenho que destacar mais é seu valioso comprometimento com tudo aquilo que ela assumia. Muitos de nós acompanhamos essa trajetória de Sandra e agora sentimos seu forte impacto, não só pelo tempo transcorrido, mas pela qualidade do seu trabalho. Foi grande o seu valor tanto na transmissão teórica da Psicanálise quanto no contato afetivo, com os colegas, alunos, aprimorandos, funcionários, ou seja, com todos aqueles com quem ela travou relações ao longo desses anos.

Penso que outros colegas vão fazer seus depoimentos, porque Sandra também foi ativa em funções diretivas no nosso Departamento, tendo feito parte do Conselho de Direção em dois períodos. E também quero destacar a presença de seus filhos tão queridos, Natalia e João, que aqui podem ir se aproximando de outros aspectos da vida de sua mãe.

Nos diversos reconhecimentos que cabe fazer da nossa prezada Sandra, só me falta acrescentar a coragem com que ela encarou a dura conversa final com a equipe médica que indicou sua internação. E o cuidado posterior que ela teve, quando se comunicou com nosso curso, para que tomássemos conta de suas atividades.

Todos estamos unidos nesta mensagem afetiva e de reconhecimento para ela.





MARIA MARTA AZZOLINI [2]

Pelo Grupo de Professores do Curso Psicanálise Clínica: Conflito e Sintoma

Conheci Sandra em 1986 n’A Casa, no curso de formação de coordenadores de grupos...Memorável beleza, olhos esmeralda, cabelos mais negros do que a asa da graúna...

Foram 14 anos de convívio amigo.

Em 2001 cheguei ao Curso Conflito e Sintoma, projeto cuja gestação e nascimento em 1997 contou com a presença de Sandra.

Inesquecível seu generoso acolhimento, compartilhando notas e roteiros de aulas (xerox até hoje guardados com carinho), me recebendo em sua casa para uma troca estimulante e amiga e assim apaziguar com serenidade minha ansiedade dos começos.

Agora ofereço em forma de oração uns versos de Cora Coralina, que fazem parte do poema Saber viver:

Não sei se a vida é curta
Ou longa demais para nós
Mas sei que nada do que vivemos
Tem sentido se não tocamos o coração das pessoas
Muitas vezes basta ser:
Colo que acolhe
Braço que envolve
Palavra que conforta
Silêncio que respeita
Alegria que contagia
Lágrima que corre
Olhar que acaricia
Desejo que sacia
Amor que promove.

Sandra obrigada, você soube ser.





ROBSON VITURINO [3],

pelo Grupo de Alunos do 2º ano do Curso de Psicanálise

Se não existe um calendário onde caibam todos os acontecimentos de um ano, o que dizer dos anos em que há um transbordamento além de todas as medidas — não apenas aquelas dos dias, das semanas, dos meses e dos anos? Por tudo o que tem acontecido em 2020, vivemos o que alguém muito bom com as palavras definiu certa vez como a frequência do extraordinário.

No começo deste ano, vivemos a alegria do encontro com a Sandra. Fomos recebidos por um lindo sorriso, um irresistível entusiasmo pelo seminário e um interesse acolhedor pelas nossas histórias. Em pouco tempo, sentimos ter iniciado um grupo, algo que sabemos exigir grande esforço, não raro de meses, e às vezes ocorre apenas parcialmente.

Logo em seguida veio o impacto da pandemia, o distanciamento social e a impossibilidade de estarmos juntos no Sedes. Não é exagero dizer que o baque só não foi maior porque a vitalidade da Sandra nos tirou do estado atordoado e algo combalido em que estávamos nas primeiras semanas. Sua centelha permitiu transportar o fascínio pelo mito de Édipo — do prédio da rua Ministro Godói para as nossas casas. Em alguns momentos, ela como que nos sacudiu ou nos ofereceu um apoio (tudo virtualmente, claro). Era o seu modo de nos ajudar a redimensionar o nosso desejo de viver a psicanálise em meio a um mundo que estava — e que está — desmoronando.

Em uma mensagem escrita ao grupo no dia primeiro de maio, ela comentava com pesar e entusiasmo o encontro mais recente do grupo: “Pudemos conversar bastante, discutir uma série de modelos e, principalmente, pudemos trocar o sentimento de tristeza pelas perdas inerentes a esse momento tão bizarro. Perdemos os colegas que trancaram o curso, o nosso encontro presencial, o intervalo e o cafezinho. São muitas as decepções, muitos os lutos que ainda não puderam ser cicatrizados. Justamente, diante das perdas, resolvemos seguir juntos. Vamos estudar”.

Este era o tom das nossas conversas com a Sandra.

Assim como não há calendário para os acontecimentos de um ano, tampouco há uma palavra para a sensação de que um encontro como esse nos escapou repentinamente.

Cabe aí falar em tristeza, choque e frustração. Tristeza pela perda de uma pessoa com quem convivemos pouco, mas já tinha se tornado muito querida pelo grupo. Choque pela forma súbita como se deu essa despedida. E frustração pela impossibilidade de prolongarmos o nosso percurso ao lado de uma psicanalista para quem a transmissão era uma esfera vital do ofício.

Entre as marcas deixadas pela Sandra, a mais citada em nosso grupo foi sua vivacidade. Sabendo um pouco mais sobre sua história, agora conseguimos entender que o vigor com que ela nos convidava a retomar os estudos durante a pandemia não era um episódio singular em sua vida.

Não bastasse isso, esse convite era feito sob uma chama, com inegável prazer pelos encontros e pelos debates — o que ocorria em vários momentos, diante um capítulo obscuro de Totem e tabu ou de reflexões sobre o momento trágico atravessado pelo nosso país. A dimensão ética, aliás, estava sempre presente no seminário, fosse ao falar do tirano que agora está no poder, fosse para tratar das questões da sexualidade para além das limitações do mito fundante da psicanálise.

Por tudo isso, ainda que postumamente, gostaríamos de agradecê-la e celebrá-la.

Deste contato breve mas tão marcante para nós, levaremos o seu sorriso, o seu compromisso com a psicanálise e o seu gosto pela vida. De certa forma, sentimos ter sido tocados, ainda que de forma fugaz, por aquilo que André Breton chamava de acaso eletivo. Ao nos engajarmos no estudo e na prática da psicanálise, jamais poderíamos imaginar que esse caminho nos levaria a um encontro com uma mulher tão encantadora. Foi breve, foi bonito e foi intenso. Obrigado, Sandra.





SIMONE PUGIN [4]


Me perguntei nesses dias se seria possível falar da Sandra, ou sobre a Sandra, ou, ainda que eu pudesse, para a Sandra, quando, na verdade, me vejo ainda tão claramente em uma conversa com a Sandra! Talvez esse “com”, do qual está difícil abrir mão, me ajude a falar um pouco de como a vejo e penso nela agora: nessa conversa viva, animada, povoada de risos, e olhares sérios também, nas pausas e nos momentos em que nos escutava.

Estive com ela no seminário sobre o complexo de Édipo, ao longo do ano passado, e em supervisão individual, do início do ano até agora. Supervisão da qual saía meio “bagunçada”, meio “mexida”, e querendo voltar. Aprendi muito e pude partilhar do seu navegar seguro por textos, ideias e conceitos tão complexos, da sua escuta afiada e da sua fala ao mesmo tempo precisa e generosa.

Na última mensagem que recebi, se desculpou por se ver obrigada a cancelar a supervisão, “por hoje”. Por isso acredito ser tão valioso estarmos juntos aqui, hoje, e assim tentarmos estender, ao menos um pouco, essa minha e tantas outras conversas com a Sandra tão inesperadamente interrompidas.





VINICIUS SALES SAMPAIO LOPES [5]


Eu conheci Sandra dois anos atrás, quando entrei em seu grupo de supervisão. E logo de cara me encantei. Me encantei por conta da convocação à escuta, à clínica e à psicanálise que ela mobilizava em nós e também pela pessoa e supervisora que havia encontrado. Como eu a admirava! Suas falas eram precisas, sua articulação com a teoria nos surpreendia, seu rigor era fundamental e a sua espontaneidade pra rir e brincar eram especiais!

Excelente transmissora da psicanálise, com o olhar fixo e escuta atenta, ela nos encorajava e tornava nosso trabalho mais possível. Nos mostrava, claramente, que sempre existiam caminhos e que podíamos ir além, por mais difícil que fosse. Quanta presença, quanta competência! Essa era a Sandra, a nossa guia nessa viagem psicanalítica. E que privilégio o nosso termos sido acompanhados por ela em nosso percurso.

Sua presença era sempre tão viva, tão iluminada, que está difícil acreditar na sua partida. Para mim foi uma semana de muita dor, vazio e silêncio. Tanto silêncio que me vi angustiado procurando por mensagens, áudios e até e-mails dela. Eu queria poder ouvi-la, queria lembrar da sua presença, queria poder encontrá-la de alguma forma. No entanto, foi por outro caminho, dentro de mim, que consegui encontrar algo. Ao atender um dos pacientes que ela supervisionava, pude perceber e sentir a Sandra de muitas formas. Seja no meu olhar, na minha escuta ou no meu raciocínio. Ela partiu, mas deixou muita coisa aqui. Afinal, foram tantas as contribuições e os aprendizados. Marcas que ficarão para sempre! E sei que através delas a presença de Sandra permanece, basta escutar.

Com o coração cheio de saudade e gratidão, tentarei expressar e passar adiante o que ela me deixou. E acredito que sua memória e tudo aquilo que transmitiu permanecem vivos. Não só em mim, mas em todos que tiveram a sorte de conviver e aprender com ela.

Obrigado por tanto, Sandra!





JOANA MARCHETTI [6],

pelo Grupo de Supervisionandos do Aprimoramento da Clínica do Sedes


As estrelas cadentes são luminosas e fugazes. Riscam o céu com o seu brilho reluzente e surpreendem por sua beleza. Além de encantadoras, dizem que essas estrelas também são auspiciosas, pois trazem bons presságios pra quem as cruza pelo caminho. Assim era a Sandra. Pessoa de presença marcante, sorridente, elegante e cheia de vida. Nos sentimos imensamente privilegiados por termos tido a oportunidade não somente de conhecê-la, mas de poder conviver e aprender com ela nos últimos 3 anos. Infelizmente ela partiu cedo e abruptamente, mas o rastro de luz que ela deixa é intenso e marca as nossas vidas e a nossa formação definitivamente.

Transmissora impecável da psicanálise e admiravelmente generosa, dividiu conosco o seu conhecimento, sua experiência e sua enorme lucidez. Certa vez, ela usou como exemplo de boa função materna, uma cena descrita por Contardo Calligaris em que o irmão, aos 10 anos, reuniu orgulhoso a família para apresentar sua precária composição, cantando desafinadamente e correndo com os dedos no teclado do piano. Ao terminar, a mãe lhe disse que havia muito o que melhorar e que poderia ter aulas de música, contanto que se dedicasse a estudar. Como supervisora, Sandra também foi uma boa mãe. Nos acolheu de forma atenta e cuidadosa mas, ao mesmo tempo, exigente. Tinha uma escuta aguçada e não se contentava com pouco, assim, extraiu o melhor de nós. Crescemos e agradecemos por isso.

Sabemos também o quanto Nathalia e João (os filhos biológicos) eram queridos por ela. Apareciam em falas amorosas que relembravam cenas da sua infância para ilustrar a teoria e o raciocínio psicanalítico de Sandra. Outras tantas vezes, foram lembrados simplesmente por estarem sempre em seu pensamento e em seu coração. Podemos imaginar o tamanho da dor que estão sentindo nesse momento e oferecemos o nosso apoio, o nosso abraço. Nos conforta pensar que foram agraciados por terem tido como mãe uma mulher incrível, doce e bela em todos os sentidos. Estarão sem dúvida acompanhados pela força e positividade da sua luz.

Da nossa parte, ela permanecerá sempre viva. Lembraremos dela feliz, presente e inteligentemente sagaz. Inesquecível e luminosa Sandra!





ILANA BERENSTEIN [7]


Sun
Parecia que vinha dos olhos
Mas brilho é o interior que produz
Frente ao tempo que finda
Mais tua dedicação reluz
Intimidade respeito afeto
No teu generoso escutar
Aprendi algo sobre mim
Muito sobre o cuidar
Tantos que por ti foram marcados
Terão tua sensibilidade presente
Pois se parte de nós se foi contigo
Parte de ti ficou na gente







[1] Psicanalista, professora do curso de Psicanálise e co-coordenadora do curso Clínica Psicanalítica: Conflito e Sintoma do Departamento de Psicanálise.

[2] Psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise e professora do Curso Clínica Psicanalítica: Conflito e Sintoma.

[3] Escritor, jornalista e psicanalista. Autor do livro Do outro lado do rio (Editora Nós). Cursa o 2º ano do curso de Psicanálise do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae

[4] Psicóloga e psicanalista, é aluna do 3º ano do curso de Psicanálise no Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae e atende junto à Clínica Psicológica desse Instituto.

[5] Psicólogo e psicanalista em formação. Aluno do 3º ano do curso de Psicanálise do Departamento de Psicanálise no Instituto Sedes Sapientiae.

[6] Psicóloga e psicanalista, é aluna do 3º ano do curso de Psicanálise do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae. Atende em consultório e coordena grupos terapêuticos voltados à problemática da compulsão alimentar.

[7] Psicóloga e psicanalista clínica. Aspirante a membro do Departamento de Psicanálise do Sedes Sapientiae. Membro do Grupo Brasileiro de Pesquisa Sándor Ferenczi.




 
 
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