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Resumo

A INFÂNCIA ROUBADA: UMA REFLEXÃO SOBRE A CLÍNICA CONTEMPORÂNEA

Autores:

Myrna Pia Favilli (SBPSP)

Bernardo Tanis (Departamento de Psicanálise da Criança Do Insituto Sedes Sapientiae; SBPSP)

Maria Celina Anhaia Mello


Neste texto os autores pretendem desenvolver uma reflexão sobre as vicissitudes da infância na clínica contemporânea. Baseiam-se, para tal, em alguns conceitos provenientes da antropologia e da sociologia, que se ocupam do estudo de características próprias de nossa época, como a aceleração do tempo, o excesso de espaço e o excesso de interpretações. Utilizando idéias de transitoriedade, rapidez, não-pertinência, próprias dos  não-lugares , levantam a hipótese da infância atual, vista em nossas clínicas, entendida como um  não-lugar dentro do tempo de vida. Tal hipótese é ilustrada por dois casos clínicos, em que se evidencia uma antecipação da problemática adolescente e possibilita o acompanhamento dessas crianças fora de seu lugar de infância, vivendo já um  ideal adulto . Os autores tocam no modo como a cultura atual atravessa a interioridade parental e se reflete nos processos de subjetivação, inculcando na criança a urgência de satisfação de aspectos narcísicos. Discutem como a infância perde sua especificidade de tempo lúdico, de tempo mágico, de pertinência às fantasias simbolizadas toda vez que essa urgência do  futuro adulto atravessa o imaginário parental e se questionam sobre como pensar as angústias desses pais, frutos de um outro tempo, de um tempo do brincar.

O texto propõe aos analistas alguns dilemas, tais como: se as sintomatologias modernas já indicam as preponderâncias narcísicas, os transtornos alimentares, as violências explícitas, as droga-adições como solução mortífera quanto à necessidade de poder, à fuga da solidão e do abandono, como refazer ou repensar um lugar ainda possível para a infância? Que estratégias, nós analistas, teríamos para lidar com essa problemática?

Dado esse pano de fundo, os autores nos convidam a refletir sobre o desafio que se impõe ao analista contemporâneo.

Que criança é essa, a da clínica contemporânea? Que criança pós-moderna é essa? Ao nos debruçarmos sobre esse tema, como introdução e reflexão sobre os exemplos clínicos, vêm à tona os inúmeros textos de sociologia e antropologia que se ocupam da sociedade  supermoderna , nome usado por Marc Augé em seu livro Não-Lugares, no qual se ocupa, justamente, em estudar as características próprias da nossa época:

  1. A aceleração do tempo em que a  superabundância factual do mundo contemporâneo leva a uma aporia na atribuição de sentido a toda essa sobrecarga de acontecimentos; os tempos modernos nos exigem que se de um sentido ao  mundo (presente e passado) e não apenas a um recorte demarcado (sua própria vida, sua cidade, sua história). Temos que dar conta de um excesso de tempo.

  2. Excesso de espaço em que os acontecimentos se desdobram à nossa vista pela comunicação instantânea de outros espaços, além do excesso de espaço imaginário transmitido o tempo todo pela mídia e pela publicidade, e que inocula novos cenários de desejos a serem realizados e novas formas de desejo a serem satisfeitas.

  3. A figura do ego, do indivíduo, que quer para si a interpretação do mundo a partir das interpretações que lhe são dadas pela distribuição da informação. Cada indivíduo quer para si o direito de decidir sobre essas informações. Isso significa viver um mundo em que ele mesmo se representa e lhe permite traçar seu destino particular. Excesso de interpretações.