RESENHA

Encontros

DUNKER, Christian; THEBAS, Cláudio. O palhaço e o psicanalista: como escutar os outros pode transformar vidas. São Paulo: Planeta do Brasil, 2019.
Helen Christina Dias Spanopoulos*


O livro O palhaço e o psicanalista é fruto de um inusitado e feliz encontro!

De forma leve, original e bem-humorada, Christian Dunker e Cláudio Thebas demonstram como é possível aprender a arte da escuta, oferecendo uma significativa contribuição, particularmente útil nos tempos atuais.

Sem a exigência de que o leitor tenha qualquer conhecimento prévio sobre o tema e usando uma linguagem coloquial, os autores vão compartilhando suas experiências e ideias, suave e divertidamente, em capítulos breves e de forma extremamente generosa, propiciando o desenvolvimento de uma reflexão sobre algo tão indispensável quanto a arte de escutar.

Já no preâmbulo, os autores apresentam uma rica reflexão sobre nossa sociedade individualista, competitiva e com enorme dificuldade de convívio harmônico. Salientam que todo e qualquer conteúdo que aprendemos vem permeado por uma forma de escutar e de dizer. Aprendemos que falar é mandar e que escutar é obedecer. Ao invés de ser respeitosa e acolhedora, essa forma apreendida de escutar e dizer poderá ser violenta, de imposição de nossos próprios valores, favorecendo uma reação igualmente violenta do outro e estabelecendo uma competição em vez de um diálogo. O resultado é o afastamento da real possibilidade de escuta, e até mesmo o afastamento dos interlocutores, perdendo-se a oportunidade de reflexões e construções propiciadas, principalmente, pela escuta do ponto de vista do outro.

Escrito a quatro mãos, em diversos momentos é difícil saber se quem fala é o palhaço ou o psicanalista, permitindo, entretanto, que o leitor se dê conta da importância de se levar menos a sério e até mesmo ressaltando que o livro não é um guia prático do bom "escutador", mas sim a tentativa de partilhar o que ambos aprenderam sobre a complexa arte da escuta.

Quando o psicanalista fala sobre o início desse encontro com o palhaço, ressalta que, ao escutarmos e sermos escutados, tecemos as bases da confiança que permitirá uma construção conjunta. Ambos os autores concordam que a arte de escutar o outro tem início na possibilidade de escutar a si mesmo, e que escutar com qualidade é algo que se aprende. Ao alertarem sobre o fato de que escutar é uma arte que envolve risco e que nem sempre dá certo, os autores apresentam os quatro "agás" - hospitalidade, hospital, hospício e hospedeiro - como atitudes ou disposições básicas para uma boa escuta.

Os autores apresentam a figura do palhaço, aquele através de quem rimos de nós mesmos, e discorrem sobre sua função social, capacidade de viver e imaginar um novo mundo a partir do mundo dado, afirmando que o palhaço é um realista, mas não um pessimista. Realista isento e desinteressado. Aquele que, como uma criança, estranha, desconhece e pergunta justamente por ainda não ter se cegado pela adaptação às regras e aos papéis já estabelecidos. É a condição de exterioridade do palhaço, aquele que habita uma zona intermediária entre o "nós" e o "eles", que permite que ele possa se colocar a uma distância relativa. O distanciamento, a disponibilidade e o interesse em conhecer o novo lhe permitem conseguir ver e escutar aquilo que realmente está sendo dito pelo outro. E não necessariamente o que gostaríamos de ouvir ou até mesmo o que o interlocutor gostaria que nós ouvíssemos, mas também revelar o que é evidenciado em determinada situação, nos atos ou no discurso do interlocutor.

Comentando que os psicanalistas descendem dos palhaços, os autores descrevem aspectos comuns a ambos, ressaltando a necessidade de o terapeuta ser alguém não próximo de seu paciente, isento e imparcial. Entretanto, enquanto o palhaço escuta seu público, respondendo a um humor coletivo, e depois vai embora para encontrar outro público, em outro local, o terapeuta escuta, de forma cada vez mais implicada, durante repetidos encontros semanais, aquele ser único em sua singularidade. Para além dos grupos e coletivos de seus pacientes, o psicanalista se interessa por mais, pelo que torna aquela pessoa ela mesma, única e diferente de todas as outras.

Segundo os autores, ao sair de si para se colocar no ponto de vista do outro, o psicanalista busca encontrar o "palhaço" daquela pessoa, aquele que geralmente se busca silenciar, criando a possibilidade de transformação e de cura, já que também tira o outro de seu próprio ponto de vista, propiciando acolhimento, cuidado e hospedagem do mesmo.

Citando Freud e a passagem de seu atendimento de Anna O. - na qual ela pede que Freud se cale e a deixe falar livremente -, os autores apontam uma mudança na relação psicanalista-paciente. Saem de cena a condução coercitiva e a expectativa de obediência às regras e entra em cena a livre associação. Sai a culpa e entra a implicação, que gera uma responsabilidade mútua com a escuta.

É justamente esta implicação que leva o psicanalista a estar atento não apenas aos relatos, mas também aos sintomas e suas restrições involuntárias, medos irracionais, repetições insensatas, atos falhos e sonhos. O psicanalista está atento a tudo isso, pois considera a possibilidade da emergência de "alguém" ou "algo" responsável por isso, o inconsciente, para que o paciente também possa escutar-se.

Entre os diversos capítulos, encontramos desde as "Sete regras para ser melhor escutado" até "Escutando chatos, fascistas e outros fanáticos", este último especialmente útil no momento atual!

A leitura do livro O palhaço e o psicanalista me trouxe à lembrança as palavras de um mestre aos seus alunos, ao final de uma "rodada" de comentários/avaliações deles sobre suas aulas. O professor agradeceu aos alunos por terem escutado, inclusive, o que ele nunca havia dito explicitamente. Acredito que não apenas ouvimos, mas escutamos com hospitalidade o novo mundo que se descortinava à nossa frente e, nesse encontro, poder escutar o outro transformou vidas. Como ressaltam os autores, valorizar a importância da escuta realmente torna a existência humana muito mais rica e interessante.

Que se multipliquem os encontros!


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ano - Nº 2 - 2020
publicação: 28-11-2020
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Autor(es)
• Helen Christina Dias Spanopoulos*
* Psicóloga pela Unimesp; psicanalista especializada no atendimento de adolescentes e adultos pelo NEPP; pós-graduada em Administração Hospitalar pela Unaerp; especialista em Psicossomática Psicanalítica pelo Instituto Sedes Sapientiae; membro fundadora do Departamento de Psicossomática Psicanalítica do Instituto Sedes Sapientiae; especialista clínica pelo CRP; idealizadora e diretora da Clínica CEAAP. E-mail: diretoria@clinicaceaap.com.br



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