EDITORIAL

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O número 3 da trama, Revista de Psicossomática Psicanalítica, do Departamento de Psicossomática Psicanalítica do Instituto Sedes Sapientiae, foi concebido durante o ano de 2021, que começou com o horror da segunda onda de Covid-19 no Brasil e está terminando abençoado pela esperança da vacina. No entretempo, hospitais e consultórios viram-se lotados de pessoas infectadas pelo Covid-19, além de apresentarem afecções psicossomáticas e um intenso sofrimento psíquico.

Observamos junto aos analisandos, amigos e parentes formações sintomáticas como insônia, aumento ou perda de peso, uso abusivo de álcool e drogas, rituais obsessivos de assepsia, ansiedade e depressão, entre outras. Todavia, também vimos emergir do sofrimento potentes manifestações sublimadas através de lives e da intensificação do uso de redes sociais. No campo das artes, da ciência e da psicanálise, houve uma rica produção de vídeos e escritos.

O artigo de abertura discorre sobre os limites do enquadre psicanalítico clássico no tratamento de pacientes não neuróticos, aqui especificados como pacientes somáticos. O lugar do corpo e da organização psicossomática é central nas sequências clínicas apresentadas, as quais põem em destaque a dimensão sensório-perceptiva ao lado da escuta das vivências corporais do paciente, trabalhando para ligá-las aos afetos e representações.

Em seguida, apresentamos dois artigos que abordam a questão do preconceito racial contra o negro no Brasil - tema de extrema importância para a clínica psicossomática neste país em que uma grande parte da população tem a pele negra. O primeiro deles investiga a dimensão psíquica do racismo, partindo da hipótese de que a realidade histórico-social determina para as pessoas negras configurações psíquicas peculiares. Com base na teoria psicanalítica, a autora analisa o modo como os sentidos do racismo se inscrevem psiquicamente para a pessoa negra e como produzem uma simbolização do corpo negro e um imaginário de brancura.

O segundo artigo sobre o tema trata do sistema vigente de cotas universitárias, que, enquanto ação afirmativa reparatória, fez com que uma parcela da população (negros, indígenas, alunos de escolas públicas) até então alijada de espaços universitários começasse a circular por eles. A partir de rodas de conversa com alunos de graduação em medicina, fonoaudiologia e biomedicina, as autoras problematizam uma face, até então pouco explícita, das tensões presentes na sociedade brasileira, desconsideradas como tal pela lógica negativista da democracia racial.

Nosso próximo artigo apresenta um trabalho clínico de acolhimento aos trabalhadores da Saúde, cuidadores de doentes de Covid-19, revelando as angústias intensificadas pela sobrecarga e pelo contato diário com o sofrimento e a morte.

Seguimos com o "corpo falante", que traça novas possibilidades para a compreensão do fenômeno psicossomático através de um estudo comparativo considerando a histeria, as fobias e o trauma. 

E, na sequência, uma rica apresentação sobre um atendimento institucional de longa duração a uma adolescente com diagnóstico inicial de síndrome de Ondine, seguida da suspeita de síndrome de Münchausen por procuração materna.  

Apresentamos ainda um interessante relato de caso judicial de uma trabalhadora. Julgado pelo Tribunal Superior do Trabalho - TST, o processo considerou fatores psicossomáticos no desencadeamento de seu adoecer durante a vigência do contrato de trabalho.

Seguimos com um artigo sobre dor - "um tema enigmático", "uma das experiências humanas mais antigas e comuns" - e seu tratamento pela acupuntura. Sabemos da eficiência dessa técnica como forte aliada no controle da dor crônica e dos aspectos emocionais aí envolvidos. Pesquisas atuais no campo da neuroimagem nos permitem conhecer e entender mais precisamente sobre os mecanismos cerebrais envolvidos nessa terapêutica.

Ao final da seção, encontraremos um artigo que reflete, a partir de um breve caso clínico, sobre a melhora consistente de uma paciente quando os protocolos médicos usuais praticados pela medicina tradicional foram integrados à abordagem e ao manejo da Psicossomática Psicanalítica.

A seção de Monografias apresenta um artigo sobre a noção de mentalização, considerada central na clínica psicossomática. Em sua primeira parte, expõe o conceito difundido pela escola psicossomática de Paris e, num segundo momento, expande a noção de mentalização a partir da escola psicanalítica inglesa, enfatizando a importância das primeiras relações objetais para a constituição somatopsíquica do sujeito.

Na seção Ágora, com base na pergunta: "Durante a pandemia de Covid-19, como estão o equilíbrio psicossomático e a saúde emocional de quem cuida?", convidamos nossos debatedores a compartilhar suas experiências e impressões sobre o aumento das desorganizações psicossomáticas causadas por traumas nascidos na pandemia e pelo impacto dessa demanda na saúde mental dos terapeutas.

E, para finalizar, na seção Resenhas são apresentados uma interessante dissertação de mestrado e dois livros cativantes e atuais, pontos de partida para importantes reflexões teórico-clínicas: Da área do jogo à experiência do simbolizar: a fotografia como objeto de mediação na clínica do distúrbio psicossomático, de Thais Duarte Luna Machado; Peter e o adoecer silencioso - Psicanálise e câncer, de Andréa Chiarella; e Tempos de encontro: escrita, escuta, psicanálise, de Rubens Volich.

Boa leitura a todos!


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ano - Nº 3 - 2021
publicação: 20-11-2021
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