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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    23 Novembro de 2012  
 
 
NOTÍCIAS DO DEPARTAMENTO

HOMENAGEM A JEAN LAPLANCHE 9-11-2012 [1]


ANA MARIA SIGAL [2]


Esta é uma noite especial para nosso Departamento de Psicanálise. Temos um duplo propósito: homenagear Jean Laplanche e receber Christophe Dejours, destacado analista, estudioso da obra de Laplanche e a pessoa a quem Laplanche deixou a princípio o legado de ser presidente científico da Fundação Jean Laplanche, a fim de cuidar para que sua obra seja preservada e difundida.

Fui convocada a render uma breve homenagem ao que posso reconhecer como um dos meus mestres, a quem conheci no começo dos anos 80 em sua casa e consultório da Rue de Varenne, em Paris. Também tive oportunidade de acompanhar seu trabalho de vinicultor no Château de Pommard, lugar no qual se transformava sua vestimenta, mas onde continuava realizando a nova tarefa com o mesmo prazer e inspiração com que trabalhava em psicanálise.

Falar de sua obra e de seu trabalho no Departamento é um modo de evocá-lo e permitir um reencontro, recuperar e compartilhar a emoção dos que com ele estivemos e trabalhamos nesta sala, sobre formação e transmissão. Recebemos aqui, há 20 anos, Laplanche e Nadine, sua esposa, com júbilo e alegria.

Ter mestres é se incluir numa linhagem, é uma tentativa de encontrar as origens na alteridade e romper a ilusão de sermos autoengendrados.

Algo no outro se apresenta como enigma sedutor e é atrás de traduzir os enigmas que nos lançamos.

Um mestre se escolhe por múltiplas razões, às vezes por questões exclusivamente científicas; para mim, Laplanche era muito mais do que um grande conhecedor de Freud, o valor de seu pensamento está na sua capacidade criativa e na liberdade intelectual. Ele se destaca porque não reverencia a psicanálise, mas põe em prática e exerce sua ética. Permite-se ter um pensamento singular, é avesso aos dogmas, desconfia das explicações totalizantes, não nega sua filiação, tem mestres, mas não se submete a eles.

Desenvolveu sua formação num momento de violenta luta institucional na França; discípulo de Lacan e seu analisando, tornou-se uma figura de peso nas discussões que acenderam a França entre 1953 e 1963, quando Lacan e seus discípulos criaram a Escola Freudiana de Paris.

Laplanche rompe com seu mestre no colóquio de Bonneval em 1959, colóquio convocado por Henry Ey para discutir com filósofos o estatuto do inconsciente. Neste colóquio escreve - junto com Leclaire, também discípulo de Lacan - um texto fundante de contestação ao mestre, no qual afirma o realismo do inconsciente, a sua constituição, fundada pelo recalque primário que dá destino às marcas e às representações. Não compartilha o modo pelo qual a psicanálise se apropria do estruturalismo.

Lacan é uma figura que o instiga e o leva a se manter um leitor profundo de sua obra, colocando-lhe questões, fazendo-a trabalhar. É leitor de Ferenczi, de Melanie Klein, de Winnicott e daqueles cuja obra lhe coloca desafios. Confronta-se com Green, Stein, Fédida e seus contemporâneos, toma a psicanálise como um campo amplo no qual se debatem as diversas teorias, sem concessões. Expõe sua obra também para ser discutida.

Laplanche se debruça sobre a tarefa de encontrar o sentido das fantasias originárias, que não seriam filogeneticamente herdadas, e reconhece na alteridade os elementos que darão nascimento ao objeto-fonte da pulsão; a sexualidade, que vem do outro, se transforma em autotraumática e pulsa desde o interior. No conceito de metábola desenvolve a ideia de que existem transmutações simbólicas que se produzem no infans, com referência ao desejo materno. A sexualidade infantil se afirma como eixo, a partir da implantação da sexualidade inconsciente do adulto.

Conhecíamos Laplanche pelo Vocabulário, monumental obra, vigente até hoje para quem quer encontrar conceitos fundamentais e suas tramas, mas a partir de um certo momento, ele começa uma produção independente, retornando ao texto freudiano para rever seus fundamentos, entendendo que esta é uma forma de revigorar a psicanálise e não de refundá-la. Discorda de ser fundador de escola, oferece seu pensamento para encontrar novos caminhos e permitir que a psicanálise freudiana não se estagne em 1939, com a morte de Freud.

O desejo de trazer Laplanche ao Departamento não era um desejo ingênuo, tê-lo entre nós era uma verdadeira proposta política, abrangia tanto o pólo da política científica quanto da política institucional. Laplanche, um analista ligado à Internacional, falava numa instituição independente em São Paulo.

Tínhamos grandes pontos de contato com sua produção:

Politicamente tinha sido fundador da APF (Associação Psicanalítica Francesa), que se separa da Internacional por questões referentes à formação. Discutia-se a análise didática. Nossa instituição de formação questionava a condução das análises por aqueles que seriam os que determinariam a entrada dos membros na instituição formadora. Para nós, a análise é sempre terapêutica e pessoal; Laplanche, com seu discurso, dava força à nossa posição, que ainda hoje prevalece. Não há possibilidade de intromissão burocrática no divã.

Em relação ao aspecto científico, nossa instituição tinha optado pelo estudo da obra de Freud como espinha dorsal da formação, o que ainda prevalece. Laplanche era um dos grandes freudianos da época, que nos ajudava a ler Freud. Estudar Laplanche não significa ser laplanchiano.

No ano de 1993, depois de um longo trabalho, foi possível apresentar Laplanche em São Paulo. Pronunciou duas conferências sobre a Revolução Copernicana Inacabada, encontro que convocou mais de 500 pessoas; oferecemos à PUC a possibilidade de ter uma conferência gratuita na sua sede para que os estudantes pudessem escutá-lo. Laplanche fez, neste recinto, um trabalho de discussão produtiva sobre formação e instituição analítica com os que éramos, então, professores do Sedes. Também realizamos um encontro com Haroldo de Campos, para que discutissem a questão da tradução, similitudes e diferenças entre a tradução literária e a tradução em psicanálise, aproveitando que Laplanche se dedicava à imensa tarefa de traduzir as obras de Freud do alemão ao francês e Haroldo se consagrara na tradução literária. Foi o encontro de dois titãs, houve discussão, disputa, encontros e desencontros, mas o que foi possível ver, foi dois grandes intelectuais produzindo pensamento. Não tinham concessões um com o outro, apesar de pontos de vista diferentes, os dois queriam rigor.

Laplanche nos ensinou a fazer um reencontro com Freud utilizando o après coup e a perlaboração, dois conceitos que recupera do método psicanalítico no interior da teoria e da clínica. Mostrou-nos que, assim como o passo do tempo não é idêntico nem incide do mesmo modo sobre os diversos materiais, assim opera também sobre os conceitos. O passo da história não opera por progressão contínua ou acumulação, senão por repetição, recalque e retorno do recalcado. Laplanche nos convida a ler a obra freudiana segundo estes parâmetros, aplicando uma perspectiva de consequências tanto teóricas como práticas, oferecendo-nos sempre uma leitura transformadora.

Nosso melhor homenagem é ter seu pensamento vivo e revisitado na palavra de um grande conhecedor de sua obra: deixemos Dejours conversando com Laplanche.

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[1] Este texto corresponde à comunicação feita por Ana Maria Sigal na apresentação dos trabalhos intitulados Christophe Dejours – A sedução e seus avatares: conferência e apresentação clínica .
[2] Psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise e professora do Curso de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae.




 
 
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