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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    26 Setembro 2013  
 
 
NOTÍCIAS DO CAMPO PSICANALÍTICO

ONZE ANOS DE LUTA: ATO MÉDICO - LEI (PLS) 268/2002 e 7702/2006


ANA MARIA SIGAL[1]



Onze anos de luta e um triunfo sem precedentes que libera nosso trabalho como psicanalistas do controle da classe médica. Esta lei pretende hierarquizar a medicina frente às demais profissões da área da Saúde

Há anos que estamos lutando contra o projeto de lei chamado de Ato Médico, que regulamenta a medicina como profissão e propõe, entre outras coisas, submeter todas as profissões ligadas à Saúde ao controle e a prioridade de autorização dos médicos, que seriam os únicos habilitados a fazer diagnósticos na área da Saúde e deles dependeriam as indicações terapêuticas, assim como exigiria que todos os centros de trabalho com a Saúde fossem dirigidos e coordenados só por médicos.

O projeto foi tramitado na Câmara de Senadores, aprovado na sua íntegra, e encaminhado para sua sanção, como todas as leis, à aprovação definitiva da Presidente da Nação. Este foi o primeiro passo de grande importância, Dilma não aprovou a lei na sua totalidade e vetou os artigos conflitantes que implicavam abuso de poder da classe médica. Hoje, já com o resultado das votações no Senado, em 21 de agosto de 2013, que referendam os vetos da Presidente, temos consolidado o triunfo.

Frente ao grave perigo de que a lei fosse aprovada na íntegra, em função da pressão do lobby médico, todas as classes profissionais ligadas à Saúde começaram uma luta mais acirrada para promover o veto da lei.

O Departamento de Psicanálise não podia se omitir de uma luta política de tamanha importância, e fez os movimentos que considerou possíveis para impedir a sanção da lei na íntegra.

Como membro de nosso Departamento na Articulação, participei da elaboração de uma carta assinada pelas 18 instituições psicanalíticas que compõem nosso Movimento, documento que foi encaminhado à Presidente da República. Reproduzimos aqui a carta:

Brasil, 20 de junho de 2013.
Excelentíssima Senhora
Presidente da República
Dilma Rousseff,


Vimos por meio desta solicitar uma especial atenção de Vossa Excelência quanto ao texto aprovado pelo Senado Federal anteontem, 18.06.2013, intitulado o Ato Médico, aprovação que ocorreu em caráter simbólico pela maioria dos Senadores presentes sob alegação de “urgência” que não entendemos, justamente nesta semana em que todas as atenções estão voltadas para as recentes manifestações populares e para a Copa das Confederações, aproveitando ainda votação contrária à orientação do Conselho Federal de Psicologia visando um tratamento corretivo da homossexualidade, também tramitada esta semana, e que retira de profissionais qualificados, por não serem médicos, o direito de orientarem suas clínicas conforme os diagnósticos por eles atribuídos.

Representamos, em nível Nacional, o Movimento intitulado Articulação das Entidades Psicanalíticas brasileiras, que associa as Instituições Brasileiras que formam Psicanalistas e se reconhecem como tal, mutuamente, e nos opomos ao texto ora aprovado pelo Senado pois entendemos que esse Projeto de Lei fere o princípio de integralidade do Sistema Único de Saúde (SUS), hierarquizando as relações entre os diversos campos profissionais que atuam em equipe em instituições de saúde pública, reservando aos médicos um lugar privilegiado em detrimento dos outros campos de saber. No que tange aos psicanalistas, esta lei não só desconhece como desrespeita a formação do psicanalista que, sendo ou não médico – a maioria dos psicanalistas brasileiros é não médica –, é submetido a uma formação de enorme rigor teórico e clínico que o faz capacitado a orientar sua conduta clínica de maneira autônoma e independente, não necessitando tutela de qualquer natureza para tal.

Escrevemos esta carta na tentativa de sensibilizar Vossa Excelência para o problema, tendo em vista o fato de que, ora aprovado pelo Senado, necessita apenas da assinatura de Vossa Excelência para efetivar-se, contrariando a vontade e a capacidade de um enorme número de pessoal não médico do qual depende atualmente o atendimento clínico da população brasileira.

Tomamos a liberdade de indicar os artigos que nos parecem atentar gravemente à autonomia e independência dos profissionais não médicos no texto discutido no Senado:

1) artigo 4o., incisos I, X, XI:
“Art. 4º São atividades privativas do médico:
I – formulação do diagnóstico nosológico e respectiva prescrição terapêutica [...]1 X – determinação do prognóstico relativo ao diagnóstico nosológico; XI- XI – indicação de internação e alta médica nos serviços de atenção à saúde;

2) artigo 5o., incisos I e II:
“Art. 5º São privativos de médico: I – direção e chefia de serviços médicos2; II – perícia e auditoria médicas, coordenação e supervisão vinculadas, de forma imediata e direta, às atividades privativas de médico;

Colocamo-nos ao dispor de Vossa Excelência para esclarecermos quaisquer pontos que julgue necessários nesse sentido, pelos e-mails: anasigal@terra.com.br; sonialberti@gmail.com, ou ainda, mauriciolessa2@gmail.com, e nos subscrevemos,

Com grande respeito e com admiração,

APPOA (Associação Psicanalítica de Porto Alegre). Participante do Movimento Articulação das Entidades Psicanalíticas Brasileiras.
Centro de Estudos Lacaneanos/RS. Participante do Movimento Articulação das Entidades Psicanalíticas Brasileira.
Círculo Brasileiro de Psicanálise. Participante do Movimento Articulação das Entidades Psicanalíticas Brasileiras.
Círculo Psicanalítico do Rio de Janeiro. Participante do Movimento Articulação das Entidades Psicanalíticas Brasileiras.
Corpo Freudiano Escola de Psicanálise do Brasil. Participante do Movimento Articulação das Entidades Psicanalíticas Brasileiras.
Departamento de Formação em Psicanálise do Sedes. Participante do Movimento Articulação das Entidades Psicanalíticas Brasileiras.
Departamento de Psicanálise do Sedes. Participante do Movimento Articulação das Entidades Psicanalíticas Brasileira.
Escola Brasileira de Psicanálise. Participante do Movimento Articulação das Entidades Psicanalíticas Brasileiras.
Escola Lacaniana de Psicanálise RJ. Participante do Movimento Articulação das Entidades Psicanalíticas Brasileiras.
Escola Letra Freudiana. Participante do Movimento Articulação das Entidades Psicanalíticas Brasileiras.
Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano. Participante do Movimento Articulação das Entidades Psicanalíticas Brasileiras.
FEBRAPSI (Federação Brasileira de Psicanálise). Participante do Movimento das Entidades Psicanalíticas Brasileiras.
Laço Analítico Escola de Psicanálise. Participante do Movimento Articulação das Entidades Psicanalíticas Brasileiras.
Praxis Lacaniana/Formação em Escola. Participante do Movimento das Entidades Psicanalíticas Brasileiras.
Sigmund Freud Associação Psicanalítica. Participante do Movimento Articulação das Entidades Psicanalíticas Brasileiras.
Tempo Freudiano Associação Psicanalítica. Participante do Movimento Articulação das Entidades Psicanalíticas Brasileiras.

1 Que, conforme mais abaixo no texto do Projeto, tem como uma de suas definições as alterações psicopatológicas, o que contraria a competência, conforme alguns autores (inclusive o próprio médico que criou a Psicanálise, Sigmund Freud), mais do psicanalista do que do médico: “III – alterações anatômicas ou psicopatológicas”.
2 Na medida em que não fica claro o que é um “Serviço médico”, podendo este inclusive ser todo um ambulatório, uma enfermaria, um dispositivo clínico de Saúde – inclusive mental –, esse inciso é um retrocesso em relação ao que já se instituiu no Brasil, no sentido de hoje haver CAPS que funcionam sob a coordenação e supervisão de não médicos, assim como ambulatórios, enfermarias em hospitais universitários, perfeitamente coordenáveis por professores não médicos e trabalhando com os médicos. Aliás, esse inciso entra em contradição até com o que o próprio texto do Projeto de Lei observa em Parágrafo Único: “Parágrafo único. A direção administrativa de serviços de saúde não constitui função privativa de médico”. Ora, se não constitui então por que o texto do inciso a inclui?


Nossa alegria foi grande quando vimos que a Presidente vetou justamente os artigos que mais nos afetavam como psicanalistas e que, por sinal, tinham sido apontados, na nossa carta, como os mais conflitantes.

Devia esperar-se o segundo round, na volta ao Congresso e tínhamos bastante poucas esperanças, já que o Conselho Regional de Medicina tinha prometido uma campanha enorme com os Senadores para derrubar os vetos. Também nós, iniciamos uma grande batalha. O Departamento pediu aos associados que pronunciassem sua opinião junto aos senadores que nos apoiavam. Os diversos profissionais da Saúde e os Conselhos Regionais de classe fizeram manifestações e se posicionaram. A Diretoria do Sedes também organizou uma campanha e encampou a nossa. Somaram-se esforços.

Foi corajosa a posição de nossa Presidente que, apoiada numa ideia de democracia e liberdade, optou por ouvir o clamor de todos os profissionais da Saúde, mesmo sabendo que atingia as poderosas reivindicações corporativistas da classe médica, o que lhe traria problemas posteriores. Sua decisão foi acompanhada e apoiada pelo Ministro da Saúde, Padilha e veio a responder a nossos anseios.

Esta é uma das notas que foi publicada na internet depois da aprovação do veto e que faz um histórico das questões:

Com vetos, Dilma aprova lei que define atividades médicas

Lei do Ato Médico foi publicada nesta quinta (11) no Diário Oficial da União. Presidente fez 10 vetos, 9 deles sobre atividades exclusivas dos médicos.11/07/2013 08h06 - Atualizado em 11/07/2013 17h41
Por Rafael Sampaio
Do G1, em São Paulo

A presidente Dilma Rousseff sancionou a lei que define o exercício da medicina no país, o chamado Ato Médico, com veto a pontos que causaram polêmica com outras categorias profissionais, como enfermeiros e nutricionistas. A aprovação da lei foi publicada nesta quinta-feira (11) no Diário Oficial da União.

O quarto artigo da lei, que define as atividades que são exclusivas aos médicos, teve nove pontos vetados. Um dos trechos mais polêmicos, que definia ser privativo aos médicos a formulação do diagnóstico e a respectiva prescrição terapêutica, foi suprimido pela presidente.

Entre os trechos mantidos estão os que definem que a indicação e execução de intervenção cirúrgica é atividade privativa dos médicos, além da aplicação de anestesia geral.

Também foi vetado um ponto do quinto artigo da lei que restringia o acesso a cargos de direção e chefia de serviços médicos apenas a esta categoria, impedindo que eles fossem assumidos por outros profissionais da saúde, como enfermeiros.

Para o governo federal, ao não incluir uma definição precisa do que seriam "serviços médicos", a lei geraria insegurança sobre a sua aplicação. "O Poder Executivo apresentará uma nova proposta que preservará a lógica do texto, mas conceituará o termo de forma clara", disse a presidente Dilma Rousseff ao Blog do Planalto.

No total, dez trechos da Lei do Ato Médico foram vetados, sendo nove no quarto artigo e um no quinto.

Um dos pontos polêmicos mantidos na lei define que apenas médicos podem fazer a indicação e a execução de "procedimentos invasivos, sejam diagnósticos, terapêuticos ou estéticos, incluindo os acessos vasculares profundos, as biópsias e as endoscopias", de acordo com o texto publicado no Diário Oficial.

Acupunturistas e profissionais de outras áreas, como tatuadores, temem restrições ao seu campo de trabalho por conta da interpretação que pode ser feita do que é um procedimento invasivo.

A aplicação de injeções e a indicação do uso de próteses poderão ser realizadas por outros profissionais da saúde e não são atividades exclusivas dos médicos, segundo os artigos que foram vetados.

A lei entra em vigor em 60 dias, de acordo com o texto publicado no Diário Oficial. O Congresso tem 30 dias para derrubar os vetosda presidente.

O presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), Renato Azevedo Júnior, disse que a decisão da presidente Dilma Rousseff de vetar parte da lei que define o exercício da medicina no país, o chamado Ato Médico, fez com que a legislação se tornasse "inútil" e "sem sentido" .

Azevedo Júnior afirmou ter recebido uma ligação do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, na noite de quarta-feira (10), em que foi informado sobre os vetos. "Disse para o ministro Padilha que entendíamos que era melhor haver o veto da lei inteira, para que pudéssemos rediscuti-la. Esses vetos [parciais] descaracterizam totalmente a lei", avaliou o presidente do conselho.

"É uma lei que regulamenta a medicina, mas que não tem o principal ato privativo do médico", comentou, referindo-se ao veto ao trecho que definia como atividade exclusiva dos médicos formular diagnósticos e prescrever tratamentos.

"Mesmo ela [a presidente] tendo vetado o diagnóstico noseológico, ela manteve o parágrafo da lei que define o que é esse diagnóstico. Então ficou sem pé nem cabeça", argumentou.

Derrubar os vetos
Azevedo Júnior disse que o Cremesp vai lutar "com todas as forças" para derrubar os vetos no Congresso Nacional.

O presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), Roberto Luiz d'Avila, classificou de “traição” os vetos parciais feitos pela presidente Dilma Rousseff à Lei do Ato Médico. Na visão do dirigente do conselho de classe, há uma crise entre a categoria e o governo federal.

“Dizer que não há [crise] seria mentira. O diálogo fica muito difícil. Traição é inadmissível em política. Estamos nos sentindo traídos, inclusive, pelo ministro da Saúde. Não há mais confiança. Em qualquer relacionamento humano, a perda de confiança gera grave crise de relacionamento”, disparou D´Ávila.

Interesse público 
A presidente Dilma Rousseff alegou ter feito os vetos para preservar o interesse público na área da saúde, aponta o Blog do Planalto, canal de comunicação do governo.

O texto original inviabilizaria ações definidas em protocolos e diretrizes clínicas estabelecidas no SUS, de acordo com a presidente.

Para Dilma, da forma como foi redigido, o trecho vetado que previa que o diagnóstico e o tratamento fossem feitos exclusivamente por médicos "impediria a continuidade de inúmeros programas do Sistema Único de Saúde, que funcionam a partir da atuação integrada dos profissionais de saúde, contando, inclusive, com a realização do diagnóstico nosológico por profissionais de outras áreas que não a médica", disse ela ao Blog do Planalto. "É o caso de programas de prevenção e controle à malária, tuberculose, hanseníase e doenças sexualmente transmissíveis, dentre outros. Assim, a sanção do texto colocaria em risco as políticas públicas da área de saúde, além de introduzir elevado risco de judicialização da matéria", completou a presidente.

Comemoração 
O Conselho Federal de Psicologia comemorou os vetos da presidente, decisão considerada "corajosa" pela entidade.

O principal problema, na opinião dos psicólogos, era o trecho que previa que o diagnóstico e a prescrição terapêutica seriam atividades restritas aos médicos. 

"No caso da psicologia, as psicólogas e os psicólogos não poderiam mais diagnosticar transtornos mentais", afirmou o CFP, em nota oficial. 

"Esta é uma vitória do esforço de mobilização das e dos profissionais da psicologia que, ao lado das diversas profissões de Saúde, mantiveram aceso por 11 anos o debate sobre o tema", disse o conselho, referindo-se ao tempo que o projeto de lei tramitou no Congresso.



Na noite do dia 21 de agosto foi referendado na Câmara de Senadores o veto parcial a lei, com o qual ficava ratificada a conduta da Presidente e consolidada a lei do ato médico com os vetos aconselhados. 41 senadores e 257 deputados eram necessários para manter o veto, cifras que se alcançaram quando a votação terminou as 2h30 da manhã.

A Presidente sem dúvida expressou uma posição ético-política, ao não se comprometer com os lobbies que tentaram manipular o poder e privilegiar excessivamente a classe médica. Numa tentativa de defender a democracia, se permitiu escutar a diversidade dos trabalhadores da Saúde, mesmo sabendo que poderia comprometer seu futuro político. Agradecemos a coragem e valorizamos a posição ideológica que sustentou.



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1 - Psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, professora do Curso de Psicanálise e co-coordenadora do curso Clínica Psicanalítica: Conflito e Sintoma.




 
 
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