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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    26 Setembro 2013  
 
 
NOTÍCIAS DO DEPARTAMENTO

NOVOS CORPOS (CIBERNÉTICOS) E O INCONSCIENTE PSICANALÍTICO


CRISTIANE CURI ABUD E NOEMI MORITZ KON [1]



O Conselho de Direção do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae promoveu um evento com a participação do Professor Chaim Samuel Katz, numa parceria com a USP, representada pelo Daniel Kupermann. O professor Chaim propôs o conteúdo a ser apresentado na sua conferência e, por considerarmos que este conteúdo dialoga com o trabalho teórico e clínico realizado pelo Projeto Anorexias e Bulimias do Departamento, convidamos o grupo, representado por Nanci de Oliveira Lima, para uma discussão clínica.

Na conferência, partindo do referencial freudiano que, diante de impasses clínicos desafiadores da técnica psicanalítica clássica – recordar, repetir e elaborar -, reconhecia os limites de seu campo teórico-prático, transformando-o, ao invés de simplesmente dizer aos analisandos que eles resistem, Chaim Samuel Katz propõe que a comunidade psicanalítica se coloque a pensar algumas questões próprias do novo estado de coisas, de nossa sociedade.

Para elucidar esse novo estado de coisas, Chaim ilustrou com a história de um filósofo que sofreu um transplante de coração. Um homem branco, de 58 anos, que recebeu o coração de uma jovem negra que morreu atropelada. A partir deste acontecimento, diversas questões da experiência subjetiva deste homem foram abordadas: o coração recebido é invisível para o público, mas para o sujeito que o carrega não; como é viver às custas do coração de uma mulher; a entrada de um órgão estrangeiro é rejeitado pelo sistema imunológico de quem o recebe, assim como rejeita o corpo que o acolhe, problema combatido pelo uso de hormônios provenientes dos coelhos. Porém, este encontro entre os dois corpos originou um câncer oito anos depois. Chaim chama a atenção ainda para os outros corpos envolvidos nesta trama, os corpos dos médicos que fizeram o transplante, enfermeiros e outros profissionais de Saúde.

Questionar nossa teoria desde o que é hoje a sexualidade no pensamento artificial é importante e teremos que aprender a fazê-lo...reduzir sua função ao narcisismo não é apenas uma insuficiência psicanalítica, mas uma confissão de que temos pouco direito ao presente, com suas questões mais pungentes.

Chaim Katz indaga-se, ainda, sobre o que a Psicanálise teria a oferecer aos sujeitos do contemporâneo diante da velocidade e imediatismo dos atuais meios de comunicar e saber; o “namoro” pela internet entre uma moça de nove anos com um homem de quarenta e tantos anos. Que corpo se apresenta pela internet? O corpo não se apresenta, iludindo o comunicador e o receptor.

Como abordar tais novas questões, que colocam em jogo as relações entre o vazio da sexualidade e a multiplicação infinita, na contemporaneidade, dos aparelhos que permitem por em questão a debilidade de nosso próprio corpo - sem tais reflexões, qual seria o futuro da Psicanálise?




COMENTÁRIO SOBRE A DISCUSSÃO DE CASO



ELAINE ARMÊNIO [2]



Nanci apresentou um caso clínico denominado Encanto e desconforto na narrativa de Sheherazade. A paciente apresenta uma problemática contemporânea: bulimia.

Nestas novas patologias há o excesso do contemporâneo sendo matematizado nos corpos. Na quantidade do que se come, com medidas milimétricas das ingestões, restrições abusivas, exercícios estafantes. Os vômitos, uma alimentação que não pode se completar, um corpo exangue desapropriado do alimento, forçado nos movimentos vomitivos, um corpo anêmico – ironia da comilança que se torna nada.

O corpo, este inquietante familiar. Estas pacientes apresentam e realizam um efeito de sinistro ao tratar o corpo como um corpo inanimado, que é acessado e controlado como um boneco, um robô, desabitado e vivido como pura materialidade e que fica aquém ou além do corpo erogeneizado. Como pensar este corpo do contemporâneo?

O conceito de incorporação contribui na reflexão sobre a questão alimentar e seus transtornos. A incorporação presente nos ritos sociais, no totemismo, em várias religiões como no candomblé, no cristianismo. É conceito fundamental para compreensão da melancolia e da constituição do sujeito. As dinâmicas psíquicas presentes no transtorno alimentar revelam um fundo melancólico, o vazio e as perdas para estas pacientes são vividos com um sofrimento de magnitude intolerável, pois a mediação e os recursos simbólicos para poder lidar com estes fatos são insuficientes, ou ineficazes quando estas separações ou rupturas são de caráter traumático. E, se e as palavras estão ausentes para mitigar o vazio, será imperioso que se introduza no lugar uma coisa.

Oralidade para deter a morte, diz Chaim a respeito do caso Sheherazade, pois com suas histórias ela tenta deter a morte - ou o abandono, como veremos mais adiante. Da mesma forma que em outras patologias contemporâneas, como no caso de alguns drogadictos que fazem da droga suporte para viver. Ou em outras condutas aparentemente curiosas, ritos obsessivos presentes nas relações pessoais em que o outro passa a ser aquele que possibilita - como uma prótese ou um pajé - a relação animista com o mundo como forma de lidar com o desamparo.

A paciente apresenta uma conduta verborrágica nas sessões psicanalíticas que parece ter substituído o sintoma bulímico e que, entre outras determinações, tem nesta atitude uma tentativa de lidar com o temor de ser abandonada pela analista. Temor que a faz submetida a uma relação com o marido, uma relação de grandes dificuldades. Temor que atualiza o desamparo vivido com a sua mãe, que estabelecia um vínculo precário com os filhos e que foi destituída do cuidado deles por denúncias de maus tratos e devido a um acidente doméstico que evidenciou suas dificuldades como mãe. Em outras situações, a paciente viveu abandonos e rupturas na sua vida amorosa e também em situações importantes de sua vida profissional.

A paciente tem interpelado a analista sobre os motivos dela para atendê-la, uma vez que seu atendimento se realiza na Clínica do Sedes, no Projeto de Anorexia/Bulimia e o retorno para a profissional não é financeiro. É caridade? Sacrifício? - pergunta a paciente. E parece se perguntar, afinal de que forma ela pode pagar? Com muitas histórias? A questão que ela se coloca é sobre o que precisa fazer para deter uma possibilidade de ser deixada pela analista, pois ela atualiza, na relação transferencial, o fantasma que carrega, de poder ser descartada como coisa quando não alimenta os outros como ela supõe que eles desejem?

Chaim ressalta a importância de refletirmos e termos sempre presente para nós a importância desta questão do pagamento quando atendemos em uma clínica social. Uma participante ressalta a ironia de que esta clínica social é dirigida para as pessoas que estão fora do corpo social.

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1 - Psicanalistas, membros do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, articuladoras no Conselho de Direção do Departamento.
2 - Psicanalista. Membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae. Integrante do grupo O feminino e o imaginário cultural contemporâneo, do GTEP, da equipe editorial do Boletim Online e do projeto A/B.




 
 
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