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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    29 Junho 2014  
 
 
O MUNDO, HOJE

OS SELFIES E AS REPRESENTAÇÕES COTIDIANAS DO NARCISISMO


Lilia Simões [1]

 

Nos últimos anos as redes sociais transgrediram o espaço de mera utilidade comunicativa, elas são extremamente essenciais na vida de milhares de pessoas. A mobilidade via smartphones possibilita a extensão da conectividade, levando o acesso além das residências e do trabalho. Os aplicativos e ferramentas de relacionamento virtual fazem parte do cotidiano. Diria, algumas vezes, até mais do que os contatos reais.

São diversos os pontos de vista a esse respeito, o que só melhora o debate sobre o impacto e as consequências desse comportamento em termos de indivíduos e sociedade. Alguns afirmam que o homem contemporâneo é mais individualista, solitário e voltado apenas para seu mundo e as redes sociais só alimentam essa postura narcísica. Por outro lado, outros argumentam que o homem há tempos possui necessidades mais egocentradas que, por questões evolucionistas, eram desfavorecidas em prol de uma coletividade. Nesta perspectiva as redes sociais não individualizam ou isolam os sujeitos, pelo contrário, elas proporcionam esse mesmo sentimento de coletividade, não mais como forma de sobreviver ao mundo, mas no sentido de manter-se conectado às pessoas.

A individualidade versus coletividade muitas vezes chamou a atenção de Freud. Pensava sobre os aspectos individualistas dos sujeitos e da valorização do poder, da riqueza e do sucesso em O mal-estar na civilização. Uma idealização da perfeição em detrimento da diversidade humana e do que realmente tem valor na vida. Essas idealizações levam os homens a se frustrarem diante da realidade que, na maioria das vezes, não é perfeita. Hoje existe quase um consenso sobre estarmos vivendo em uma sociedade de narcisistas e as consequências de uma sociedade egocentrada que se reflete nos perfis pessoais nas redes e em aplicativos onde a vida privada dos indivíduos é o tema central.

Em um texto mais recente - Narcisismo e Vínculos - a psicanalista Lucía Barbero Fuks diz que a cultura atual trata com indiferença a relação com o passado e pouco projeta o futuro. Valoriza-se o imediatismo. A tensão das exigências e as constantes comparações aos ideais, o cara bem sucedido, o corpo perfeito, a felicidade, tornam as pessoas muito mais vulneráveis às depressões. Para ela: “Fala-se em um neonarcisismo próprio dessa época que instaura um culto pelos corpos cuidados e uniformizados num mesmo padrão de beleza. Há prevalência da aparência, em detrimento de qualquer profundidade, talvez haja, também, mais intercâmbio de imagens que de pensamentos, emoções e palavras”[2].

De certa forma as redes de relacionamento funcionam como um suporte de egos idealizados e fazem transbordar as fotografias selfies, auto-retratos compartilhados que viraram a nova febre da internet. São rostos felizes de pessoas aparentemente bem sucedidas, onde existe pouco espaço para críticas e aprofundamentos sobre diversos temas. O espaço estabelece um lugar para verdadeiras personas, o sujeito é apenas parte do eu real.

A chegada dos smartphones mudou a forma como a gente se vê e como vemos o outro. Com a câmera no bolso e uma página dedicada a si mesmo, o foco se vira para quem importa - “eu e minha vida”, como profetizou Andy Warhol ainda na década de 60: “no futuro, todo mundo terá seus 15 minutos de fama”. Apesar de não ser a regra geral, pois são milhares as possibilidades de uso da internet, temos que admitir que o culto à própria imagem torna-se inegável e ainda mais perceptível a partir da exibição dos famosos selfies, substituindo as relações cotidianas das pessoas por representações desses sujeitos
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[1] Psicanalista, ex-aluna do curso Psicopatologia Psicanalítica e Cínica Contemporânea, jornalista e mestre em História Social pela PUC-SP.
[2] Barbero Fuks, Lucía. Narcisismo e vínculos: ensaios reunidos. São Paulo: Ed. Casa do Psicólogo, 2010.




 
 
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